Semipresidencialismo é manobra para esvaziar provável vitória de Lula em 2022, denuncia Fontana

Deputado Henrique Fontana. Foto: Lula Marques/Arquivo

O vice-líder da Minoria na Câmara dos Deputados, Henrique Fontana (PT-RS), condenou as articulações para a adoção do semipresidencialismo no Brasil, uma espécie de parlamentarismo, num momento em que todas as pesquisas de opinião apontam para a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022. Em artigo na revista Carta Capital, ele denuncia que “explicitamente, trata-se de um casuísmo”, uma “proposta extremamente perniciosa à democracia brasileira”.

Fontana lembra que assim como aconteceu em 1961, quando Jânio Quadros renunciou e militares golpistas empurraram o parlamentarismo, “o objetivo indisfarçável da proposta atual é tolher um futuro governo Lula.” Fontana frisa que esse sistema de governo já foi rechaçado pelo povo brasileiro em duas ocasiões, por plebiscito: em 1963 e 1993.

“O projeto extemporâneo do semipresidencialismo deve ser visto como um dos tantos golpes que recheiam a história recente do Brasil. Seu objetivo, muito aquém de enfrentar os problemas do País, é combater, a priori, as enormes transformações que um futuro governo popular e defensor de um projeto de desenvolvimento nacional poderá implementar, com um programa econômico e social sustentável que beneficie todos os setores da sociedade brasileira”, aafirma Henrique Fontana.

Leia a íntegra do artigo:

“Pulsão golpista

Há exatos 60 anos, a surpreendente renúncia do presidente Jânio Quadros, com apenas sete meses de mandato, mergulhou o Brasil em uma profunda crise política. A solução natural, ou seja, a posse do vice-presidente João Goulart, foi vetada pelos três ministros militares sob alegação de sua proximidade com os sindicatos.

A partir do Rio Grande do Sul, emergiu um amplo movimento popular, sob a liderança do governador Leonel Brizola, que se espalhou pelo País, para garantir a posse de Jango. A Campanha da Legalidade foi vitoriosa em parte. Na negociação política articulada pelo deputado Tancredo Neves, os militares aceitavam a posse do vice, desde que fosse aprovada a emenda parlamentarista, com o claro intuito de retirar poder do presidente.

A história está aí para nos ensinar lições. É importante lembrar esse episódio marcante no momento em que é proposto o semipresidencialismo no Brasil. Não casualmente, a ideia surge quando todas as pesquisas de opinião apontam para a vitória do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas eleições de 2022. Não há como dissociar os fatos. Assim como tentaram retirar poderes de João Goulart, o objetivo indisfarçável da proposta atual é tolher um futuro governo Lula.

Daquela feita, a experiência parlamentarista constituiu-se em um rotundo fracasso. Em menos de um ano e meio de vigência do sistema, houve três trocas de primeiros-ministros, paralisação da máquina pública, crise permanente e atraso na aprovação de leis fundamentais, como as reformas na economia, especialmente a lei que buscava taxar a remessa de lucros, a reforma agrária e a reforma educacional, propostas pelo governo e emperradas no Congresso. O povo sofreu com esta solução improvisada. Tanto assim, que em janeiro de 1963, maioria incontestável (76%)votou pela volta do sistema presidencialista.

Em 1993, um novo plebiscito foi realizado por decisão da Assembleia Nacional Constituinte de 1988, e novamente os brasileiros se decidiram pelo presidencialismo, com mais que o dobro dos votos parlamentaristas.

Agora, a menos de um ano das eleições presidenciais, renasce a articulação pela adoção do semipresidencialismo, uma proposta extremamente perniciosa à democracia brasileira. Fica escancarada a motivação de alguns defensores dessa ideia extemporânea e completamente alheia à cultura política do nosso país. Explicitamente, trata-se de um casuísmo.

Não é por casualidade que a proposta surge neste momento. Não há nenhum clamor na sociedade ou qualquer movimento no sentido de mudar o sistema de governo. Ao contrário, o que existe é uma crescente rejeição ao atual governo, responsável pela tragédia que o País atravessa, e um desejo por um outro governo que devolva aos brasileiros a esperança, por meio de políticas sociais consistentes, que instaure um ambiente de desenvolvimento capaz de gerar empregos perdidos no período recente, e reafirme a importância do Brasil no cenário internacional.

A atual proposta de semipresidencialismo se assemelha ao parlamentarismo clássico, ao prever que as tarefas de administrar o governo caberão ao primeiro-ministro, a ser designado pelo presidente, mas sob a permanente dependência do Congresso. No caso de o presidente não dispor de maioria parlamentar, o risco de confronto seria permanente.

Os defensores do sistema argumentam que ele funciona bem em vários países europeus. Mas não devemos esquecer que neles existe uma longa tradição com esse tipo de sistema, ao contrário do Brasil, e mesmo assim não estão livres de instabilidades políticas. Na França foi adotada uma reforma política prevendo que as eleições parlamentares ocorram depois das eleições presidenciais, dando condições para que o eleito possa influir na composição de sua futura base parlamentar, numa tentativa de evitar futuros problemas.

O semipresidencialismo, assim como o parlamentarismo, exige acordos básicos entre os partidos políticos em torno da elaboração de um programa. Num país como o nosso, no qual impera uma gigantesca fragmentação partidária, com partidos formados muitas vezes por conveniências de lideranças, sem unidade e personalidade política, o risco de divisão seria frequente. Não haveria condições de manter uma maioria parlamentar coesa e o primeiro-ministro estaria dependente de um sistema partidário desagregador, o que não garante estabilidade e muito menos eficiência da máquina pública.

Portanto, o chamado semipresidencialismo é, na realidade, um parlamentarismo disfarçado. A maior parte do poder não estaria na mão do presidente que o povo escolheu. O voto direto seria enfraquecido numa negociação complexa intraparlamentar em busca de uma maioria de 258 votos de deputados e deputadas, que jamais poderia substituir o voto de milhões de cidadãos.

Se o atual sistema de presidencialismo de coalizão tem problemas, como diz o presidente da Câmara, Arthur Lira, há meios para corrigi-lo, especialmente com o aperfeiçoamento do sistema eleitoral, de modo a garantir um vínculo maior entre o voto para presidente e o voto para o Congresso, mostrando ao povo que ao votar num presidente é preciso eleger também parlamentares que tenham compromisso com o mesmo programa que ele escolheu para governar o País.

Se o Brasil quer discutir uma reforma política e um novo sistema de governo, que sempre podem ser debatidos, tem que ser com um novo Parlamento e um novo governo. Nunca no apagar das luzes do fracassado governo Bolsonaro.

Portanto, o projeto extemporâneo do semipresidencialismo deve ser visto como um dos tantos golpes que recheiam a história recente do Brasil. Seu objetivo, muito aquém de enfrentar os problemas do País, é combater, a priori, as enormes transformações que um futuro governo popular e defensor de um projeto de desenvolvimento nacional poderá implementar, com um programa econômico e social sustentável que beneficie todos os setores da sociedade brasileira.

Henrique Fontana é deputado federal (PT-RS) e vice-líder da Minoria na Câmara dos Deputados

Artigo publicado originalmente na edição da revista Carta Capital de número 1185, de 1º de dezembro de 2021

Redação PT na Câmara

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