Nesta sexta-feira (6), especialistas e lideranças políticas analisaram os principais desafios do Brasil contemporâneo e debateram estratégias do PT para responder às demandas populares
Em um painel rico em análises e reflexões, lideranças do Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras (PT) e especialistas participaram, nesta sexta-feira (6), em Brasília, de um debate sobre o tema ‘O Brasil de hoje e os desafios do PT’, no segundo dia do Seminário Nacional do PT.
Mediada por Mônica Valente, a mesa teve como debatedores Marcio Pochmann, Margarida Salomão, André Singer, Tainá de Paula e Sinhara Garcia. Eles destacaram questões estruturais, sociais e políticas que demandam respostas urgentes e estratégicas.
O seminário ‘A realidade brasileira e os desafios do Partido dos Trabalhadores’ é organizado pela Fundação Perseu Abramo (FPA) e pelo PT. A abertura ocorreu na noite de quinta-feira (5), com as presenças da presidenta nacional do partido, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), do presidente da Fundação Perseu Abramo (FPA), Paulo Okamotto, ministros do governo Lula, petistas recém-eleitos nos pleitos municipais, entre outros.
Era digital e soberania de dados
O presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Marcio Pochmann, destacou a centralidade da era digital nos desafios contemporâneos. Ele alertou para a crescente concentração de poder nas mãos das grandes empresas de tecnologia, as chamadas big techs, que monopolizam dados pessoais de forma preocupante.
“Vivemos uma nova era de analfabetismo digital. Assim como na Idade Média o conhecimento era monopolizado pelos monastérios, hoje as big techs centralizam informações e moldam comportamentos. Apenas 24% dos brasileiros têm familiaridade crítica com o mundo digital.”
Pochmann ressaltou que essa desigualdade digital não é apenas um problema de acesso, mas também uma questão de soberania nacional. Segundo ele, o Brasil precisa urgentemente desenvolver um modelo que proteja seus dados e privilegie o interesse coletivo, enfrentando os monopólios globais que lucram com informações coletadas sem retorno para o país.
“O censo nacional, que levou 12 anos para mapear 90 milhões de residências, é um exemplo de como a informação pode ser usada de maneira meticulosa e democrática. Enquanto isso, as big techs coletam dados pessoais de forma instantânea, sem regulamentação, para gerar lucros astronômicos.”
Para o economista, o Brasil vive um momento histórico que se assemelha a grandes transformações como as da década de 1930 e do final do século XIX. Ele afirmou que essa é a oportunidade de construir um modelo de soberania digital que alinhe desenvolvimento econômico e justiça social.
“Cabe ao Brasil decidir se será protagonista ou refém em seu destino digital. O futuro não pode ser entregue às mãos do mercado sem controle.”
Desigualdades e justiça social
A prefeita de Juiz de Fora (MG), Margarida Salomão, trouxe para o debate a urgência de combater desigualdades sociais, raciais e territoriais no Brasil, reforçando que os desafios do presente ainda refletem problemas estruturais do passado.
“O Brasil do século XXI ainda carrega feridas do século XIX. A exclusão social, a precariedade educacional e o racismo estrutural continuam ditando quem tem ou não acesso aos direitos básicos.”
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Margarida Salomão celebrou avanços recentes na redução da pobreza, mas alertou que a vulnerabilidade de populações específicas, como a negra e a periférica, é exacerbada por tragédias ambientais e políticas conservadoras. Ela criticou a austeridade fiscal como um entrave à justiça social e ao progresso.
“A austeridade é o antônimo da justiça social. Quando governos progressistas priorizam políticas públicas, enfrentam resistência das forças conservadoras, que nos tratam como intrusos. Mas a soberania popular está do nosso lado.”
A prefeita apontou a necessidade de resistência democrática para evitar retrocessos como os observados nos governos Temer e Bolsonaro, que levaram o país de volta ao mapa da fome. Ela concluiu reafirmando o compromisso com a ampliação de direitos sociais como pilar fundamental do PT.
“Se queremos um Brasil mais justo, precisamos ser incansáveis na defesa das políticas públicas e dos direitos sociais.”
Aprovação popular e desafios eleitorais
O cientista político André Singer, ex-porta-voz da Presidência da República no primeiro governo Lula (2003-2007), detalhou o comportamento do eleitorado e os desafios políticos do governo Lula. Ele destacou que, embora haja aprovação do governo Lula com índice regular para o segundo ano de mandato, há uma clara divisão entre classes sociais.
“Enquanto 46% das famílias com renda de até dois salários mínimos apoiam o governo, a oposição cresce conforme a renda aumenta. Isso reflete um abismo entre a base da pirâmide social, que reconhece os avanços do governo, e as classes intermediárias, que são mais críticas.”
Singer também comentou o impacto do pragmatismo eleitoral nas eleições municipais, citando o desempenho de Guilherme Boulos em São Paulo como exemplo. Ele explicou que Boulos perdeu votos na periferia para Ricardo Nunes, que realizou obras que atendiam demandas imediatas da população.
“A política pragmática ainda é muito valorizada pelo eleitorado das periferias. Projetos futuros precisam combinar visão estratégica com resultados concretos e perceptíveis.”
Outro ponto destacado por Singer foi o descompasso entre indicadores macroeconômicos positivos, como o crescimento econômico, e a percepção popular, que segue pessimista. “Não basta apresentar bons números. As pessoas precisam sentir no dia a dia que a economia está melhorando. Sem isso, a confiança não se traduz em votos.”
Periferias e crise climática
A arquiteta e vereadora carioca reeleita em 2024, Tainá de Paula, trouxe uma visão periférica e estratégica sobre os rumos do PT, destacando que as periferias representam o principal campo de atuação do partido.
“As periferias e favelas são territórios de resistência e exclusão. São a grande fronteira de atuação para um PT que quer cuidar do Brasil nos próximos 40 anos.”
Ela também abordou a crise climática, criticando o agronegócio por priorizar exportações enquanto a população urbana sofre com alimentos caros e de baixa qualidade.
“O agro mira o lucro externo e deixa o povo na fila do osso. Precisamos investir na produção de alimentos saudáveis, acessíveis e que respeitem o meio ambiente.”
Tainá de Paula reforçou a importância de renovação no partido, defendendo a inclusão de mulheres negras e lideranças periféricas. “Renovar o PT não é apenas estratégico, é urgente. A presença de mulheres negras na política é essencial para garantir um futuro inclusivo e sustentável.”
O papel transformador das igrejas
Especialista em Estratégia Saúde da Família e desenvolve Mestrado na Fundação Oswaldo Cruz, Sinhara Garcia, abordou o impacto das igrejas nas periferias, destacando seu papel como espaços de acolhimento e transformação.
“As igrejas são muito mais do que espaços de culto. Elas ensinam, acolhem e oferecem oportunidades para famílias vulneráveis. É o evangelho na prática.”
Sinhara também defendeu a liberdade religiosa como um valor fundamental e criticou o uso político da religião para dividir a sociedade. “A maioria dos evangélicos quer convivência harmoniosa entre as crenças. Não queremos um estado teocrático, queremos respeito às escolhas de fé.”
Ela concluiu reafirmando o compromisso das igrejas com a promoção da justiça social, que, segundo ela, está no cerne do trabalho evangélico. “As igrejas têm potencial de transformar vidas, mas é preciso diálogo e respeito às diferenças para promover uma sociedade mais justa.”
O seminário é organizado pelo Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras (PT) em parceria com a Fundação Perseu Abramo (FPA) e tem como objetivo refletir sobre os desafios do Brasil atual e traçar estratégias para fortalecer o partido diante de um cenário político complexo. Prefeitos, vereadores, parlamentares, dirigentes e militantes participam do encontro até o fim desta sexta-feira (6).
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