Os Jogos Olímpicos são o maior e mais importante evento esportivo mundial. São também um palco privilegiado para manifestações políticas. A ausência de Adolf Hitler na premiação do atleta negro americano Jesse Owens (quatro medalhas de ouro, em Berlim/1936); a saudação dos Panteras Negras, feita pelos corredores Tommie Smith e John Carlos (ouro e bronze, respectivamente, México/1968); o atentado do grupo palestino Setembro Negro, que culminou com a morte de 11 atletas da delegação israelense (Munique/1972), são alguns exemplos radicais da politização envolvida neste evento.
Por sua visibilidade mundial, as cerimônias de abertura dos Jogos são uma oportunidade para o país-sede celebrar suas riquezas naturais e valores culturais, isto é, enviar uma mensagem política. Em 2012, nos cinco continentes, quase um bilhão de telespectadores dedicaram algumas horas a admirar o espetáculo dirigido pelo vencedor do Oscar Danny Boyle. Em uma produção esmerada, ícones da cultura inglesa, como a escritora J. K. Rowling (da série Harry Poter), os atores Rowan Atkinson (do personagem Mr. Bean) e Daniel Craig (o atual 007), o cantor Paul McCartney e a própria rainha Elizabeth II divulgaram ao mundo alguns motivos de vaidade e orgulho da nação inglesa. Entre eles, com grande destaque, o seu Sistema Nacional de Saúde (SNS).
Organizado em 1948, em um contexto de devastação e solidariedade produzido pela Segunda Guerra Mundial, o SNS provê cobertura universal, baseando-se nos princípios de equidade e integralidade. Este enunciado faz lembrar o Sistema Único de Saúde brasileiro, o SUS, mas as semelhanças param por aí. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o governo inglês cobre cerca de 83% das despesas médicas da população mas, no Brasil, apenas 44% são bancados pelos cofres públicos. Desde o ano 2000, o governo brasileiro aumentou a participação do gasto em saúde de 4,9% para 5,9% do seu Orçamento, mas a média mundial é de 14,3%. Nosso percentual nos equipara à realidade africana. A Grécia, berço das Olimpíadas, cujas finanças são motivo de preocupação para a comunidade europeia, destina à saúde seis vezes mais recursos per capita do que o Brasil.
O SUS é um dos maiores patrimônios da cidadania brasileira e a mais ampla política pública de nossa história. Essa gigantesca obra social não apenas permanece inconclusa como, ao longo do tempo, grande parte de sua estrutura e mecanismos de funcionamento se tornaram obsoletos. Por exemplo, o SUS jamais dispôs de uma política organizada de recursos humanos e, como a execução das ações de saúde se tornou, basicamente, uma tarefa de estados e municípios, deixou a cargo dos gestores dessas esferas se moverem entre os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal e os improvisos que, muitas vezes, apenas precarizam relações de trabalho. Mesmo nestas condições, sobram ao SUS números e realizações notáveis. O que lhe falta é um financiamento adequado, mecanismos de gestão mais contemporâneos e, sobretudo, aliados sérios e comprometidos com o seu aperfeiçoamento.
O resultado de competições esportivas sempre tem uma alta dose de imprevisto. Lamentavelmente, em poucos meses, nos Jogos Olímpicos brasileiros, a se realizarem no Rio de Janeiro, se pode antever com certeza que o SUS não será festejado na cerimônia de abertura e, ao final, a saúde brasileira estará distante do pódio.
Chico D’Angelo é médico e deputado federal (PT-RJ)
artigo publicado originalmente no jornal “O Globo”
Foto: Salu Parente