Enquanto o presidente Jair Bolsonaro abala as estruturas institucionais do Brasil com arroubos autoritários, o coronavírus avança de modo avassalador, destruindo o sonho de milhares de famílias brasileiras. Em um país desprovido de comando e sem um plano de enfrentamento da doença, mais um recorde foi quebrado, desta vez do número de novas infecções.
Nas últimas 24 horas, o país registrou nada menos do que 1.156 óbitos e 26.417 novos casos. O total de infectados chega a 438.238 e os óbitos somam 26.991. Especialistas alertam que o Brasil segue para ter o mesmo destino dos EUA, que chegou nesta semana na casa dos mais de 100 mil mortos no país.
Foram apenas quatro meses desde o primeiro caso de Covid-19 na América, em janeiro. Na quarta-feira (27), os EUA anunciaram ao mundo a trágica marca de 100 mil vítimas fatais por causa da doença. Negacionista e delirante, o presidente Donald Trump considera que o número seria pior se o governo não tivesse adotado as medidas necessárias.
Trump contraria o que diz a comunidade científica, cujos levantamentos indicam que pelo menos 55 mil vidas teriam sido poupadas caso a quarentena começasse mais cedo, no início de março. As comparações da catástrofe americana com a crise sanitária brasileira são inevitáveis, dadas as semelhanças entre os líderes dos dois países.
Fracasso nas Américas
Trump e Bolsonaro trataram a chegada da pandemia, cada um a seu tempo, com megalomania, desdém e negligência. E chegaram a resultados muito similares: o avanço incontrolável da pandemia nas duas nações, com extraordinários recordes de infecções e óbitos. Não à toa, Brasil e EUA são hoje o epicentro da doença no mundo.
Especialistas da Universidade de Washington prevêem que o Brasil pode ter 125 mil mortos até o início de agosto, superando o quadro americano atual. Ou seja, caso continue no caminho atual de abandono da população à própria sorte traçado pelo presidente, as famílias brasileiras enterrarão mais de quatro vezes o número de entes queridos perdidos até aqui.
“Brasil, Estados Unidos e outros países que tomaram atitudes baseadas no desejo político dos governantes, minimizando os efeitos da pandemia, estão se dando mal”, atesta o epidemiologista Paulo Lotufo, em entrevista ao ‘Estadão’. “O negacionismo dos presidentes (Trump e Bolsonaro) e a demora em adotar a quarentena são algumas semelhanças entre os dois países. Lá pesou um sistema privado fragmentado e aqui, um SUS sucateado”, afirma Mario Scheffer, professor da Faculdade de Medicina da USP, em depoimento ao mesmo diário.
Para se ter uma ideia do tamanho do desastre, o número de mortos nos EUA, cuja calamidade pode ser repetida no Brasil, é maior do que as vítimas das guerras, somadas, do Vietnã e da Coreia. E, muito provavelmente, irá ultrapassar em breve as perdas decorrentes da Primeira Guerra Mundial, quando cerca de 116 mil soldados americanos morreram em combate.
O Brasil já é a nação com a maior taxa mundial de mortalidade diária em decorrência do vírus, deixando para trás os EUA. Lá, enquanto os óbitos começam a declinar, no país, a curva ascendente parece estar distante do pico. De acordo com o professor Marcio Scheffer, a falha na adoção do isolamento social, associado à falta de testes, pavimentaram o caminho do desastre brasileiro.
“Não foi estruturada uma rede de testagem para detectar e isolar os sintomáticos, persistindo a infecção intra e extra domiciliar, o que acelerou a disseminação do vírus”, opina Schfeffer. “Três meses depois de decretada a emergência nacional, ainda é improvisada e insuficiente a rede de terapia intensiva e de suporte a casos graves”, lamenta.
Subnotificações
Os registros de infecções não levam em conta os cálculos de subnotificação, a ponta do iceberg. Como o país praticamente não realizou testes em massa na população, mais de três meses depois do aparecimento da doença, o Brasil pode ter hoje mais de 2,5 milhões de infectados, isso em um quadro muito otimista.
Em um cenário mais próximo da realidade, cerca de 4 milhões de brasileiros podem ter se infectado pelo coronavírus. Os EUA, que aplicaram pelo menos 10 vezes mais testes do que o Brasil, também tem milhares de casos não reportados oficialmente.
Segundo o Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA, ferramentas de rastreamento indicam que o excesso de mortes em cada estado, além das médias sazonais, podem ser casos do coronavírus não relatadas. “Essas mortes podem representar óbitos por Covid-19 não classificadas, ou potencialmente podem estar indiretamente relacionadas ao Covid-19 (por exemplo, mortes por outras causas que ocorrem por falta de serviços de saúde ou sistemas de saúde sobrecarregados)”, afirmou o CDC.
Transportando o cenário descrito pelo CDC para o Brasil, temos uma verdadeira bomba-relógio armada, cujo cronômetro corre silenciosamente. Uma das preocupações dos especialistas brasileiros diz justamente respeito a um aumento das subnotificações. Com a sobrecarga de hospitais da rede pública em vários estados, alguns perto da capacidade máxima, muitos doentes deixam de ser diagnosticados simplesmente por não terem sido aceitos.
Recordes em SP e Rio
Um dia após o governo de São Paulo divulgar uma plano de reabertura gradual das atividades no estado a partir da semana que vem, o estado bateu mais um recorde de novos casos de Covid-19. Nas últimas 24 horas, 6.382 registros da doença foram computados. Com o impressionante número de 95.865 casos e 6.980 óbitos, o estado também sofre com a alta taxa de ocupação dos leitos, hoje em mais de 89% na Grande São Paulo. Já o Rio, com 4.856 óbitos e três dias consecutivos de mais de 200 perdas diárias, ultrapassou a China, o epicentro inicial da doença, em mortes por Covid-19. O Estado responde por 44.886 casos da doença. Na capital, a taxa de ocupação dos leitos já ultrapassou 90%. No município de Cascavel, bateu os 100%.
Síndrome respiratória
O coordenador do Infogripe, relatório semanal da Fiocruz, Marcelo Gomes, considera que a tendência pode afetar a taxa de crescimento dos casos notificados nas próximas semanas, “uma vez que as notificações dependem de hospitalização, a depender dos fluxos adotados para notificação de casos em fila de espera em cada estado ou município”.
O instituto divulgou nesta semana o relatório com dados de casos e mortes por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), ocorridos entre 17 e 23 de maio. O documento informa que houve tendência de crescimento acelerado de casos nas regiões Centro-Oeste e Sul, enquanto no Sudeste há sinais de desaceleração dos registros da síndrome. O país ja registrou 9.448 de mortes com quadro de SRAG causada por Covid-19. Outros 17.774 óbitos por síndrome respiratória de pacientes que não foram testados indicam prováveis casos de subnotificação.
As regiões Centro-Oeste e Sul mantêm uma tendência de crescimento acelerado nos casos da síndrome, enquanto a região Sudeste tem uma taxa mais lenta, um possível sinal de desaceleração. Em análise de Gomes, ele diz que o Nordeste continua em crescimento, mas em um ritmo desacelerado.
Da Redação da agência PT, com informações de Fiocruz e ‘O Estado de S. Paulo’