Em artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, o engenheiro agrônomo Gerson Teixeira, assessor da Liderança do PT na Câmara, analisa os retrocessos do governo Temer. Na questão da reforma agrária, cita, publicou um único decreto, envolvendo a desapropriação de 58 hectares; processo antigo, de uma área quilombola no Rio Grande do Sul. “E vem mais pela frente: após entregar o pré-sal, o governo deverá franquear a propriedade da terra rural ao capital externo e, na mesma linha, a exploração mineral….. Nesse quadro, e pela tragédia socioeconômica imposta ao país, lutar contra o governo Temer é, acima de tudo, uma missão democrática, patriótica e civilizatória”. Leia a íntegra:
Golpe e reforma agrária
GERSON TEIXEIRA (*)
O governo ilegítimo que se impôs no Brasil em 2016 em curtíssimo tempo violou a soberania do país, solapou direitos dos trabalhadores e está retroagindo de forma intensa a economia e o quadro social brasileiro para posição anterior a 2003.
É como se o país tivesse sido colocado numa máquina do tempo para uma viagem de volta súbita a um passado que julgávamos superado.
É verdade que o governo Dilma frustrou expectativas a partir dos interesses populares. Mas, além de ter sido fruto da vontade da maioria da população, manteve e ampliou o legado social dos governos Lula.
Após a inação do primeiro governo, no início do segundo, Dilma acenou com a reativação do programa de reforma agrária. Dos 21 decretos de desapropriação no ano de 2016, 20 foram de sua iniciativa.
O governo Temer publicou um único decreto, envolvendo a desapropriação de 58 hectares; processo antigo, de uma área quilombola no Rio Grande do Sul.
Atualizado em 21 de novembro último, o Painel dos Assentamentos do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) informa que até então tinham sido obtidos pelo programa de reforma agrária, 19,5 mil hectares com uma capacidade de assentamentos para 784 famílias.
A prova cabal do desprezo do governo Temer nessa área: dos R$ 946 milhões previstos na Lei Orçamentária Anual de 2016 para o crédito-instalação às famílias assentadas, o valor empenhado foi simplesmente zero.
Conclui-se que ou não houve família assentada em 2016, ou as poucas que o foram nem sequer receberam crédito vital para o êxito de um assentamento.
Os dados do Ministério do Planejamento mostram que dos R$ 2,7 bilhões das dotações autorizadas para o Incra em 2016, 25% foram consumidos no pagamento de precatórios, o que basicamente se deve à aberração de o Tesouro pagar os donos de latifúndios improdutivos pelo lucro cessante. Pode? Em 2016, só 15% dos recursos do Incra foram para atividades finalísticas do programa de reforma agrária.
O governo iniciou e terminou o seu período em 2016 deixando claras suas intenções na “política agrária”. Logo após o golpe, extinguiu o Ministério do Desenvolvimento Agrário, cujas atribuições foram transferidas para outras áreas.
A extinção, além da sinalização do rebaixamento de patamar da reforma agrária e das políticas para a agricultura familiar, representou retaliação aos movimentos do campo que se insurgiram contra o golpe.
No fim do ano foi publicada a MP 759, que, entre outras generosidades para os latifundiários e especuladores, definiu a compra e venda de terras pelo Incra, em dinheiro, o que era feito em títulos da dívida agrária, no período de 5 a 20 anos. A mamata desmascara discurso da austeridade fiscal usada para aprovar a PEC do teto de gastos.
Também atendeu antiga demanda dos ruralistas pela antecipação da emancipação dos assentados, independente do abandono, pelo governo, de grande parte dos assentamentos. Com isso, atiçou a cobiça pelos mais de 80 milhões de hectares obtidos pela reforma agrária.
A mesma MP “passou a régua” nas cláusulas resolutivas do programa Terra Legal que regulariza áreas da União ocupadas na Amazônia. Muitos grileiros passarão a ser detentores de pleno direito dessas áreas, livres de contrapartidas minimamente aceitáveis.
E vem mais pela frente: após entregar o pré-sal, o governo deverá franquear a propriedade da terra rural ao capital externo e, na mesma linha, a exploração mineral.
Nesse quadro, e pela tragédia socioeconômica imposta ao país, lutar contra o governo Temer é, acima de tudo, uma missão democrática, patriótica e civilizatória.
*GERSON TEIXEIRA, engenheiro agrônomo, preside a Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra). Foi diretor de economia do Ministério do Meio Ambiente de 2004 a 2005 (governo Lula)
Artigo publicado originalmente na Folha de S. Paulo, edição do dia 26 de janeiro de 2017
Foto: MST