Os protestos de norte a sul do país irromperam acentuado descontentamento com a democracia representativa no Brasil, colocando em xeque a atuação de políticos e partidos, rejeitados entre a multidão plural que desde o dia 6 de junho ganhou as ruas para manifestar insatisfações diversas.
O descontentamento tem sim razão de ser. O caldo entornou agora, mas os sinais desse estado de espírito vem de algum tempo. A cada pesquisa feita pelos mais credenciados institutos de opinião do país, os partidos e o Congresso Nacional figuram entre as instituições que merecem menos confiança e crédito da população.
As razões para que chegássemos a esse ponto são diversas e antigas, já que a cada eleição tanto integrantes do Congresso Nacional quanto das Assembleias Legislativas e Câmaras de Vereadores têm abdicado de competências legalmente definidas, e desrespeitado o eleitorado ao se envolver em corrupção e atuar em prol de interesses privados em detrimento dos interesses coletivos.
O nosso parlamento rondoniense é um bom exemplo: há pelo menos quatro legislaturas assistimos descaminho intolerável e criminoso por parte de eleitos que deveriam honrar seus mandatos e a democracia representativa, na defesa dos interesses da sociedade.
Numa espécie de catatonismo coletivo, grande parte dos eleitos esquece os compromissos de campanha, ignora a realidade socioeconômica que os cerca, vivendo então um mundo que falseia a democracia. Situação que ocorre também, em outra medida e intensidade, no âmbito das eleições para os executivos nacional, estaduais e municipais.
Eis então que chegamos a uma encruzilhada, com o povo na rua dizendo basta para uma representação política de qualidade duvidosa, com produção aquém do custo despendido na sua manutenção, e conduta ética que abala a confiança na democracia, ainda que nem todos os políticos sejam iguais e contribuam para a degeneração do posto que ocupam.
Por que nosso sistema político está tão ruim, e há mais de 15 anos, pelo menos, o Congresso Nacional debate a nunca votada reforma política e que, se faz justiça ao sublinhar, sempre esteve entre as preocupações e na pauta do PT?
Está ruim porque dinheiro e eleição caminham perigosamente juntos desde a redemocratização do país, com o financiamento de campanhas por grandes empresas da construção civil, do setor de transportes, limpeza e banqueiros, deformando a democracia e os instrumentos de participação popular, transformando a política em negócio.
O custo das campanhas, para todos os cargos eletivos, é caríssimo. No caso das eleições proporcionais (deputados e vereadores) a disputa pelos recursos começa entre os candidatos dos próprios partidos, e aqueles que têm experiência, vivência partidária e acesso a grupos econômicos acabam por se eleger, o que impede a renovação dos quadros políticos.
A redução do custo das campanhas é condição obrigatória para promover isonomia na disputa eleitoral e favorecer especialmente o ingresso de setores historicamente excluídos da participação política, como as mulheres, indígenas e negros.
É inaceitável que o Brasil continue a exibir distorção grave na Câmara dos Deputados, com apenas 46 deputadas entre 513 eleitos. É uma das piores representações de gênero no mundo, e isso ocorre em grande parte porque as mulheres, sem tempo e distantes da política, não têm acesso aos meios indispensáveis para enfrentar competição tão desigual, sobretudo do ponto de vista financeiro.
Outra reflexão que precisa ser levada em conta é a ideia, falsa, de que a doação empresarial nas campanhas resguarda a utilização de recurso público. São incontáveis as denúncias de malversação de dinheiro do contribuinte, para isso se utilizando de diversos expedientes, com o propósito de irrigar campanhas eleitorais.
Com o poder econômico influenciando enormemente o processo, políticos passam a trabalhar para seus financiadores e não para seus eleitores, gerando corrupção, materializada de diversas maneiras – obtenção de obra superfaturada, desvio nas emendas parlamentares, tráfico de influência etc.
Se a corrupção – bandeira que felizmente chegou às ruas – está associada ao modelo vigente de financiamento de campanha, parece óbvia a urgência de uma renovação no sistema político-eleitoral, renovação que infelizmente sofre resistências dentro do Congresso Nacional e não encontra consenso partidário para alguns dos principais itens.
O mais vital deles sempre foi, para o PT, a reformulação da forma de se financiar as campanhas, que pode ser mediante recursos públicos ou uma fórmula mista, com doadores pessoas físicas e limites de gastos, deixando aqui para reflexão o fato de que o uso de dinheiro público já ocorre hoje quando o empresário que abastece determinada eleição consegue contratos superfaturados em órgãos públicos, por exemplo.
Ao propor o plebiscito para a inadiável reforma de um sistema que se revela cada vez mais injusto e desigual na competição eleitoral, a presidenta Dilma Rousseff reconhece que há um abismo entre representantes e representados, que se alargará caso os ajustes não sejam feitos para o acesso à vida pública brasileira. Por isso, e diante da constatação de que o parlamento não consegue consenso para promover a mudança, a presidenta propôs o plebiscito.
Na mensagem encaminhada ao presidente da Câmara dos Deputados, a presidenta Dilma Rousseff lista, além da sugestão de se avaliar a forma de financiar as campanhas, outros quatro itens para possível revisão do sistema: 1) o voto em lista fechada ou flexível ou ainda distrital ou distrital misto; a 2) a continuidade da suplência para as eleições no Senado; 3) a manutenção ou não da existência das coligações proporcionais na eleição de deputados e vereadores e 4) o fim ou não do voto secreto no parlamento, uma discussão já iniciada na Câmara dos Deputados.
São contribuições da mais alta autoridade do país, que por princípio e história de vida acredita na força da transformação por meio da participação popular. Outras contribuições para o plebiscito já foram apresentadas pelo relator da reforma política na Câmara dos Deputados, deputado Henrique Fontana (PT-RS), que há dois anos e meio concluiu seu relatório com as propostas a serem debatidas na Casa, interditadas porque as lideranças partidárias, com raras exceções, não se dispõem a colocá-las em votação.
O voto em candidato sem vinculação partidária – lista avulsa – e o fim do voto obrigatório são propostas defendidas pela juventude não apenas no Brasil mas em diversos países do mundo, e que têm a minha simpatia. Entendo que a classe política deve estar sintonizada e aberta para compreender a evolução das mudanças.
Acredito que o Brasil tem oportunidade ímpar de mudar o curso de sua democracia representativa, para que deixe de ser mera democracia procedimental, em que o eleitor comparece às urnas, vota e depois não se percebe devidamente representado porque suas demandas não têm a atenção e o empenho requeridos.
A política não é negócio. O abuso do poder econômico nas eleições brasileiras transformou a política em espaço para o favorecimento pessoal e enriquecimento ilícito, deixando as ideias, projetos e história de vida dos candidatos cada vez mais distantes da aspiração contida no parágrafo primeiro de nossa Constituição Federal de que o poder emana do povo, e em seu nome será exercido.
Precisamos consagrá-lo para fortalecer e consolidar a nossa democracia.
*É deputado federal pelo PT, membro da Comissão de Legislação Participativa e coordenador da Frente Parlamentar de Apoio aos Povos Indígen
O artigo foi publicado originalmente no site TudoRondônia, nesta quarta, 3 de julho.
Padre Ton deputado federal (PT-RO)