O ex-ministro da Previdência Social, Carlos Gabas, afirmou em entrevista que a proposta de reforma da Previdência enviada pelo governo ilegítimo de Temer ao Congresso, se aprovada, vai “desmontar” um dos maiores sistemas de proteção social do mundo. Ele também descontruiu um dos argumentos utilizados para justificar a reforma, que é o suposto rombo nas contas da Previdência. “A Previdência não está quebrada”, garantiu.
De acordo com o ex-ministro, que ocupou o ministério durante os governos de Lula e Dilma, o debate sobre o tema está equivocado porque não aborda de maneira correta nem o diagnóstico, muito menos as soluções para o futuro do sistema. Para ele, a reforma empurra (as pessoas) para o sistema privado, “esse é o x da questão”. Gabas participou do seminário promovido pela bancada do PT na quinta-feira (9).
Leia a entrevista abaixo:
PT na Câmara: O governo Temer diz que a reforma é necessária para garantir o pagamento das aposentadorias no futuro. Como o senhor avalia essa argumentação?
Carlos Gabas: É fundamental desfazer o mito de que o sistema previdenciário brasileiro está quebrado. O nosso sistema é um dos melhores e um dos que oferecem maior proteção social no mundo. Não existe País com o tamanho do Brasil, com a quantidade e com o grau de desigualdade que temos – regional, econômica e social – que consiga oferecer esse sistema de proteção.
PT na Câmara: Mas dizem que, na comparação com países da OCDE- mais ricos do mundo- gastamos muito mais com previdência. Isso é verdade?
Carlos Gabas: Não é verdade. Por quê? Porque as condições são outras. O PIB é outro. É cruel você comparar (o Brasil) com um país como a Alemanha. Qual o PIB da Alemanha? Qual é o percentual que eles gastam com Previdência? As condições não são as mesmas.
PT na Câmara: Então o sistema previdenciário é adequado à nossa realidade? Precisamos de algum ajuste?
Carlos Gabas: Nosso sistema é adequado ao País. É claro que temos desafios, nós precisamos discutir a Previdência porque ela vai para além dessa questão da conta que eles apresentam, porque a conta nós temos que questionar.
PT na Câmara: O governo apresentou projeções afirmando que se não houver a reforma agora, ela quebra no futuro por conta do déficit…
Carlos Gabas: O governo pega o valor do gasto hoje, da receita, projeta e fala: “lá na frente quebra”. As projeções são obrigatórias pela LDO até 2060. Agora vocês imaginem como é feita essa projeção. Quais são os parâmetros? Qual é a estrutura de cálculo atuarial? Para em pé? Não, não para em pé. Qualquer coisa para 2060 é bola de cristal, porque o mundo do trabalho é dinâmico.
PT na Câmara: E como se poderia enfrentar esse dinamismo no mundo do trabalho?
Carlos Gabas: O que nós vínhamos fazendo? A presidenta Dilma, no dia 30 de abril de 2015, editou um decreto criando o Fórum Nacional de Trabalho e Previdência Social. Por que o trabalho? A previdência está diretamente ligada ao mundo do trabalho, e o mundo do trabalho é dinâmico demais. Vocês acham que vamos ter essa mesma estrutura de trabalho em 2020, 2030, 2050? Não vamos.
PT na Câmara: E o que outros países estão fazendo para se adequarem a essa mudança?
Carlos Gabas: Cada vez mais migrando a base de financiamento de folha de salários, onde tem intensiva mão de obra, para o lucro das empresas. Nós estamos vendo empresas com seis funcionários ter mais lucro do que empresa com cinco mil. Então é justo taxar igual? Claro que não. A gente vai ter que estudar isso e fazer uma migração, porque o mundo do trabalho vai mudar.
PT na Câmara: Existe a alegação de que o pagamento de alguns benefícios, principalmente para os trabalhadores rurais, causam prejuízos à Previdência…
Carlos Gabas: Há uma tese aí de que eles não contribuem. Dizer que o trabalhador rural não contribui é no mínimo ignorância, para não dizer maldade. O trabalhador rural contribui. Não é igual ao trabalhador urbano porque as condições não são as mesmas. Urbano é folha de salário, tem registro, tem emprego. O trabalhador rural de que eu estou falando é o segurado especial que trabalha a terra em regime de economia familiar, e em propriedade de até quatro módulos fiscais. Mais ou menos 9 milhões e 300 mil são beneficiários da Previdência Social. Eles contribuem com a comercialização daquilo que eles produzem, por substituição tributária, 2,1% da receita em regra.
PT na Câmara: Dizem que essa contribuição é deficitária…
Carlos Gabas: Na Constituição de 1988, quando foi equiparada a condição do rural ao urbano, que foi uma grande conquista, é claro que o legislador sabia que esses 2,1% não seriam suficientes para custear o pagamento dos benefícios. Por isso criou-se outras contribuições. Aí vem o conceito de seguridade social, que é previdência, assistência e saúde, com as suas fontes de financiamento que, repito, nós precisamos cada vez mais discutir e aperfeiçoar.
PT na Câmara: Como aumentar as fontes de financiamento?
Carlos Gabas: Temos que começar a pensar a taxação de grandes fortunas, o imposto de renda sobre distribuição de lucros e resultados. Então, a discussão não é sobre apenas a previdência, ela passa pelo mundo do trabalho e também pela discussão da reforma tributária. Vários países estão vinculando a arrecadação à receita, especialmente às riquezas do país. Vários países vincularam a extração do petróleo e a extração do minério à criação de fundos para garantir a sustentação do sistema de proteção. Não existe país que tenha um estado de bem-estar social que não tenha um sistema de proteção social decente. O que a PEC (287) faz é exatamente o contrário: é desproteção social.
PT na Câmara: Qual seriam as diretrizes corretas para nortear uma reforma que fortaleça a Previdência e respeite direitos?
Carlos Gabas: Primeiro, qualquer proposta que não ouça a sociedade está errada. Tem que ouvir os movimentos sociais, as centrais (sindicais), os partidos, os trabalhadores do campo, da cidade, e os empresários. Depois, o país precisa de um sistema de proteção social justo, eficiente e que proteja o cidadão. Terceiro, o Estado brasileiro precisa contribuir. A Constituição diz que a seguridade será financiada pela contribuição de empregadores, trabalhadores e União.
PT na Câmara: Na sua avaliação, da forma como está, para que serve a reforma da Previdência de Temer?
Carlos Gabas: O que está em jogo é para onde vai a riqueza do país. Para onde vão os recursos da União? Para financiar capital especulativo de rentista ou para proteger a sociedade? Essa é a discussão. Essa reforma empurra (as pessoas) para o sistema privado, esse é o x da questão.
Heber Carvalho
Foto: Gustavo Bezerra/PT na Câmara