A Comissão de Agricultura (CRA) aprovou nesta quinta-feira (8) pedido de vistas que adia em pelo menos uma semana a votação de projeto (PL 1293/2021) que cria a autofiscalização sanitária pelo agronegócio. Concebido no Planalto, o texto já foi aprovado na Câmara e pode ir à sanção sem mesmo passar pelo Plenário. Isso porque o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, limitou sua análise à CRA, onde a matéria virou terminativa. Numa evidência da complexidade da proposta, que soma 51 artigos e muda a gestão da inspeção e fiscalização de produtos agropecuários, ela recebeu centenas de emendas no Congresso. Por isso, a bancada do PT no Senado vai cobrar Rodrigo Pacheco compromisso firmado por ele em abril. O líder Paulo Rocha (PA) ressaltou que não se trata de ir contra o agronegócio, mas de enxergar toda a sociedade.
“Nós temos clareza do papel do agronegócio na economia de nosso país. O setor avançou muito e não é à toa que o Brasil é o primeiro na exportação de vários produtos. A nossa preocupação é que projetos dessa monta, que mexem com a saúde da população, mexem até com a estrutura da relação público-privada, precisam ser debatidos. É preciso levar em consideração todo o processo legislativo que está em nosso Regimento. É verdade que o despacho desses projetos às comissões depende do presidente da Casa, então vamos fazer essa reclamação, como já estamos fazendo. O presidente da Casa já deveria ter despachado para duas comissões, no mínimo, incluindo a do Meio Ambiente. Esses projetos que foram apelidados de Pacote do Veneno mobilizam toda a sociedade. Daí o interesse do debate, das audiências públicas”, esclareceu Paulo Rocha.
Sobre esse projeto, a bancada ruralista alega que a atual defesa agropecuária, que é a fiscalização sanitária do setor, está ultrapassada. E, para consertar o problema, sugere que o próprio agronegócio se fiscalize, restando aos órgãos oficiais verificar se o plano definido pelo dono da lavoura ou da pastagem está sendo aplicado. Está em jogo a validação da qualidade de alimentos consumidos no Brasil e exportados para cerca de 200 países.
Mas, como explicou o senador Jean Paul Prates (PT-RN), há outro pano de fundo: a estratégia do atual governo de esgoelar o orçamento e desmontar as estruturas de fiscalização para, em seguida, com a desculpa de que o Estado não consegue acompanhar o ritmo da produção agropecuária, privatizar esses serviços. “Esse é o Estado mínimo. E nós precisamos do Estado necessário”, justificou.
Por isso, a ampliação do debate é fundamental, argumentou a autora do pedido de vistas, senadora Zenaide Maia (Pros-RN). “Por que não passamos por outras comissões, principalmente pela Comissão de Defesa do Consumidor? Isso não é uma emergência. O mundo não vai acabar porque o agronegócio disse que está perdendo em exportações, porque quer, ele mesmo, ter a administração da fiscalização sanitária. O povo precisa tomar conhecimento disso. É o mínimo que o Congresso pode fazer”, sustentou Zenaide Maia, em seguida apoiada por Jean Paul Prates.
“Tem repercussão sobre o poder de fiscalização do Estado, tem repercussão sobre as exportações, saúde pública, meio ambiente. Revoga 11 importantes leis sobre a fiscalização agropecuária e possibilita que estados e municípios terceirizem, para pessoas físicas e jurídicas, o exercício da função de classificação de produtos. Portanto, esse projeto era para passar pela Comissão de Fiscalização e Controle, sim; era para passar pela Comissão de Assuntos Sociais, sim, em razão das repercussões na saúde pública; e era pra passar pela Comissão de Constituição e Justiça, para analisar a constitucionalidade dessas funções de Estado”, criticou o senador.
Agrotóxicos
Já o outro projeto (PL 1459/2022) despachado apenas para a CRA é um os integrantes do Pacote do Veneno e, antes de ser renumerado pelo Senado, atendia pelo nome de PL 6299/2002. O conteúdo, no entanto, é o mesmo. Ele acaba com a atual lei de agrotóxicos para flexibilizar a aprovação de substâncias mais perigosas, sem estudos conclusivos. Entre outros males, o texto exclui a proibição expressa de substâncias carcinogênicas, teratogênicas e mutagênicas. No lugar disso, veda apenas o que possa trazer “risco inaceitável”, um conceito que ficaria a cargo do Ministério da Agricultura determinar. Sim, porque o texto também tira de campo órgãos de aprovação e fiscalização, como Anvisa e Ibama.
De acordo com a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), nada menos que 67% dos agrotóxicos comercializados no Brasil causam câncer e danos hormonais aos humanos e à vida selvagem. E olha que só entre 2019 e 2022 foram aprovados mais de 1.600 produtos desse tipo no país, muitos deles banidos em outros cantos do planeta.
Esse foi um dos gatilhos para artistas e organizações da sociedade se reunirem no Ato pela Terra, que no dia 9 de abril obteve de Rodrigo Pacheco a garantia de que projetos da chamada “boiada” de Bolsonaro não seriam aprovados a toque de caixa e teriam uma análise ampla no Senado. Mas, ao receber o projeto aprovado na Câmara, enviou-o somente à CRA, dominada pelos ruralistas.
“Como um projeto que poderá afetar diretamente o meio ambiente e a saúde da população será analisado exclusivamente sob a ótica do agronegócio? Rodrigo Pacheco deve cumprir seu compromisso, dando a tal cadência e equilíbrio prometidos no Ato pela Terra, garantindo um debate que vai muito além da esfera agrícola”, criticou a assessora de políticas públicas do Greenpeace Brasil, Luiza Lima.
Há requerimentos que pedem audiências na Comissão de Meio Ambiente e na de Direitos Humanos sobre a liberação de agrotóxicos. Até agora, o que se garantiu foi a realização de duas audiências públicas sobre o projeto, ambas na CRA, marcadas para os dias 22 e 23 de junho. Até lá, o esforço das bancadas progressistas no Senado precisará contar também com a pressão da sociedade contra o Pacote do Veneno. Uma das formas é assinar manifesto (acesse aqui) do próprio Greenpeace sobre o assunto.
PT no Senado