Uma grande marcha reuniu cerca de 15 mil pessoas em no primeiro dia do Fórum Social Mundial Temático (FSM) em Porto Alegre, na terça-feira (19). Movimentos sociais, ativistas, intelectuais e políticos se reuniram no Largo Glênio Peres e seguiram até o Largo Zumbi dos Palmares com cartazes, faixas e bandeiras que indicavam a diversidade de pautas que serão abordadas nas mais de 400 atividades do fórum, desde a luta anti-manicomial até a causa indígena, passando por grupos sindicais e do movimento negro.
“Estamos aqui, 15 anos depois do primeiro Fórum Social Mundial, numa marcha que congrega com o mesmo espírito de luta e com o mesmo desejo de mudar esse planeta”, avalia Salete Valesan Camba, diretora da Flacso Brasil. “Fazemos, em especial, um contraponto ao sistema do capital, à Davos. Nossa luta é por um mundo mais justo, mais fraterno, mais humano, com menos guerra e com menos diferença entre as pessoas – sejam elas políticas, sociais ou econômicas”, completou.
A estudante secundarista Amanda Rostand, foi à marcha com “Fora Cunha escrito no ventre. “Preciso mostrar que eu não concordo com o controle do nosso corpo”, disse ela, em referencia ao projeto de lei 5069, de autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que dificulta o acesso legal ao aborto em caso de estupro. A estudante disse que participa do FSMT para “conhecer novos pontos de vista e melhorar, a mim mesma, como
pessoa”. Para Pâmela Muniz, da Cáritas, a marcha é um momento de “exercitar a militância e viver um ato político de afirmação”.
Fernanda Kaingang levou uma faixa lembrando o assassinato de Vitor, criança indígena de dois anos que foi degolada em dezembro, em Santa Catarina . No braço ela carregava seu filho, Tenh, um bebê da mesma etnia que Vitor. “Um bebê indígena foi degolado em praça pública e ninguém fala nada. Que Brasil é esse que estamos construindo?”, questionou.
A marcha terminou com um ato político que reuniu representantes da organização do Fórum, políticos e movimentos sociais. O ministro do Trabalho e da Previdência Social, Miguel Rossetto, representando a presidenta Dilma Rousseff, afirmou que em 15 anos de FSM o Brasil mostrou que “é possível construir espaços democráticos”.
O Fórum Social da Educação Popular (FSEPop) realizou uma roda de conversa sobre o saber popular na produção do conhecimento, com Oscar Jara, do Conselho de Educação de Adultos da América Latina (Ceaal), Gislei Siqueira Knierim, do Coletivo Nacional de Saúde do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), José Ivo dos Santos Pedrosa, da Associação Brasileira da Saúde Coletiva (Abrasco), Boaventura de Sousa Santos, sociólogo da Universidade de Coimbra e da Universidade Popular dos Movimentos Sociais (CES/UPMS), Gilberto Carvalho, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República e membro Conselho Nacional de Saúde (CNS) e Wilson Conciani, reitor do Instituto Federal de Brasília (IFB).
Oscar Jara falou sobre o conceito de “sistematização de experiências”, que entende a prática social como fonte de produção de teoria. Ele avalia que a prática tem uma “riqueza muito grande”, e que o conhecimento social pode ser produzido a partir dela, mas precisa ser sistematizado. “Não é automaticamente que aprendemos as lições. Temos que mergulhar na prática, fonte do conhecimento, e desenvolver um processo de construção de conhecimento transformador”, disse.
Para Jara, sistematizar não é só documentar e fazer registros e narrativas. O ponto de partida é a experiência, que deve ser problematizada para permitir um distanciamento e produzir conhecimento crítico, identificando tensões entre o projeto e o processo. Ele defende que a sistematização valoriza as pessoas que são os sujeitos da experiência e tem como objetivo melhorar a experiência, compartilhar aprendizagens, contribuir para a reflexão teórica, incidir em políticas a partir do aprendizado e fortalecer a identidade coletiva.
Gilberto Carvalho falou sobre o processo de síntese na luta pela democratização, na década de 1970: “Foi nossa capacidade de refletir a partir da luta que tínhamos naquele momento e de sua síntese progressiva e histórias de outros povos e outras lutas que conseguimos elaborar um projeto que conseguiu ir ao encontro das massas”, falou.
O sociólogo Boaventura de Sousa Santos questionou a necessidade da sistematização, argumentando que “as tecnologias daquilo que fizemos podem nos distrair do que temos que fazer”. “A sistematização é importante exatamente pelo que disseram aqui, temos que saber o que fizemos”, falou. “Mas, terminada a sistematização, temos que ‘dessistematizar’, para não esquecer o que falta”, continuou. Boaventura defendeu que as lutas “são por aquilo que não existe”, e que não se pode sistematizar o que não existe. “A luta é a surpresa daquilo que está por fazer, precisa de muita imaginação política, e isso não se sistematiza”, concluiu.
O Fórum Social da Educação Popular acontece até o dia 23 de janeiro, em Porto Alegre, no contexto do Fórum Social Mundial Temático 2016. O evento reúne intelectuais da América Latina, África e Europa, organizações e lideranças sociais, movimentos, universidades e governos em um grande debate a educação popular no mundo atual.
Site do FSTM
Foto: http://forumsocialportoalegre.org.br/