Desde 26 de fevereiro, quando foi registrado em São Paulo o primeiro caso da Covid-19 no Brasil, o novo coronavírus vem se espalhando de Norte a Sul do país. Primeiro, pelas rotas aéreas entre as capitais e os principais centros urbanos, e depois, pelas rodovias que interligam as metrópoles a municípios de todos os portes. O avanço preocupa pela baixa capacidade médica e hospitalar de cidades menores.
Balanço divulgado pelo Ministério da Saúde nesta quarta (13) registrou 749 mortes em 24 horas, aumentando de 12.400 para 13.149 o número de óbitos. Também foram incluídos no balanço 11.385 novos casos, cifra recorde que elevou as ocorrências de 177.589 para 188.974 casos confirmados.
Na terça (12), o Ministério da Saúde informou que 2.865 municípios, ou 51,4% das cidades do país, já registram a doença. A pandemia se espalhou por uma parte do território onde vivem pelo menos 184 milhões de pessoas, ou 88% da população.
Até aquele momento, 1.980 municípios já haviam tido ao menos entre dois e 100 casos, 149 entre 101 e 1.000 casos e 22 entre 1.001 e 27.771 – a maioria desses últimos nas regiões metropolitanas. Outras 714 cidades tiveram pelo menos um caso. Os números apontavam mortes em 995 municípios, ou 17,9% do total.
Os estados mais afetados pelo vírus são Amapá, onde todos os 16 municípios foram atingidos, Roraima (que tem 14 de 15 municípios com casos) e Rio de Janeiro, onde a doença chegou a 86 dos 92 municípios – ou 93,5% do total. Na Região Sudeste, supera São Paulo, com 62% das cidades afetadas, e Minas Gerais, com 25%.
País continental
Para o secretário substituto de Vigilância em Saúde, Eduardo Macário, ao mesmo tempo em que há ainda uma concentração maior de casos nas capitais e regiões metropolitanas, a epidemia já caminha para a interiorização. “Mas é importante enfatizar que há diferenças regionais. O Brasil é quase um continente, e isso tem que ser levado em consideração”, disse o secretário, acrescentando que o país tem registrado um aumento maior na curva de casos nas últimas semanas.
Os dados desta quarta (13) das secretarias estaduais de saúde mostram que o Amazonas tem 12 municípios com a maior taxa de mortalidade entre 20 cidades pesquisadas. O levantamento, do portal ‘G1’, leva em conta o número de mortes a cada 100 mil habitantes. Até sábado (9), o Amazonas registrava oficialmente 11,9 mil contaminados e 962 mortos pelo coronavírus.
A análise compreende o período de 13 de março, data do primeiro caso divulgado, a 6 de maio. Desde então, o Amazonas sofre expansão avassaladora no número de infectados e no de mortos. As estatísticas mostram que a interiorização se dá de forma crescente: 54 dos 61 municípios do interior (88%) já têm casos de coronavírus.
Na segunda (11), o Rio de Janeiro teve a quarentena oficial prorrogada até 31 de maio. Mas os especialistas que assessoram o governo pediram que seja realizado o lockdown em todo o estado. A medida também é defendida pela Fiocruz. “Teremos que nos preparar para um período muito longo de crise humanitária”, afirmou o vice-presidente da Fiocruz, Valcler Rangel, em entrevista à ‘ Globo New’s’.
A decisão do governador Wilson Witzel, que deixou a critério de autoridades locais a adoção de medidas mais rígidas, recebeu críticas. “O coronavírus segue as redes de conexão entre as cidades. As cidades não existem de forma isolada. Mesmo o lockdown não pode ocorrer com decisões unilaterais. As prefeituras precisam fazer isso de forma conjunta, com coordenação dos governos estadual e federal”, disse ao jornal ‘Extra’ o epidemiologista Diego Xavier, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Difusão exponencial
Em São Paulo, até meados de março havia casos do vírus apenas na região metropolitana da capital. Em menos de 45 dias, ele avançou para todas as regiões, segundo levantamento da Secretaria de Desenvolvimento Regional do Estado de São Paulo. Entre 3 de abril e 1º de maio, o número de infectados no interior cresceu 2.532%. Nos primeiros 11 dias de maio, subiu 99%.
A expectativa do governo estadual é de que a doença alcance todos os municípios paulistas até o fim de maio. E projeções feitas a partir de um modelo matemático desenvolvido na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) demonstram que o lockdown vai se tornar necessário se não aumentarem os níveis de isolamento social.
Pela taxa de contágio registrada no estado entre 10 de abril e 10 de maio, cada 100 infectados transmitem para 150 pessoas. Com base nesse cenário, o levantamento estimou uma média de mais de 53,5 mil casos novos diários até 30 de junho, o que poderia levar ao colapso o sistema público de diversas regiões, incluindo a Região Metropolitana de São Paulo.
Minas Gerais, nesta terça (12), havia chegado a 127 óbitos. De acordo com boletim epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde (SES), 3.435 pessoas testaram positivo para a doença em um terço dos municípios mineiros. Já foram confirmados casos da doença em 248 municípios, sendo registradas mortes em 60 deles.
No Mato Grosso do Sul, o coronavírus está presente em 40% do território. Dados divulgados pela Secretaria de Estado de Saúde (SES) nesta quarta (13) mostram que 32 dos 79 municípios já registraram 430 casos da doença, com 13 mortes. A situação mais crítica é registrada em Guia Lopes da Laguna, onde a incidência é de 464,9 casos por 100 mil habitantes – uma das piores do Brasil. “Escalada progressiva”, definiu o secretário de Saúde, Geraldo Resende, para quem a batalha contra o coronavírus só será vencida com isolamento social, uso de máscaras e o reforço com a higiene pessoal.
No Rio Grande do Sul, o coronavírus chega, em média, a cinco novas cidades a cada dia. Análise do avanço da pandemia nas últimas duas semanas mostra que o número de municípios afetados saltou de 129 para 203 até a terça (12). O infectologista do Hospital Mãe de Deus Gabriel Narvaez lembra que as estatísticas estão de acordo com duas características típicas de pandemias como a do coronavírus: a interiorização e a pauperização.
Pesquisadores defendem isolamento
O pesquisador Ricardo Dantas afirmou ao jornal ‘ O Globo’ que a interiorização se dará em direção à região Sul, Sudeste, estados do Nordeste e ao Centro-Oeste, especialmente no entorno de Brasília, pelas grandes vias de circulação. “Talvez a situação que podemos apontar como mais problemática é a do Sul, por conta da aproximação do inverno “, prevê o cientista do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (ICICT), da Fiocruz, e do MonitoraCovid-19.
Christovam Barcelos, coordenador do MonitoraCovid-19, sistema criado em março por cientistas da Fiocruz e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), diz que a tendência de interiorização da pandemia levará, a médio prazo, a uma distribuição quase uniforme da incidência da doença. “As curvas de crescimento do número de casos são paralelas”, explica. “Elas são separadas por cerca de duas semanas, no entanto. O que acontece em uma cidade grande se reflete com um atraso de alguns dias nas menores, que possuem uma grande dependência das primeiras, tanto para realização de serviços quanto para o trabalho e lazer”.
A restrição de transporte entre estas cidades pode ter retardado a ocorrência de surtos epidêmicos nas pequenas. “No entanto, a curva de crescimento nessas últimas (chamadas centros locais) é ligeiramente mais acelerada que nas metrópoles”, conta Barcelos. “Isto indica que, com o passar do tempo, grande parte dos casos podem se concentrar nos municípios pequenos e remotos, onde vive cerca de 28% da população”.
Para Barcelos, isso é extremamente preocupante porque são em geral cidades que precisam dos grandes centros para o diagnóstico e tratamento da doença. Os pesquisadores alertam que a interiorização precisa ser enfrentada com medidas mais rígidas de confinamento e planejamento para atender pacientes de lugares que, muitas vezes, não têm Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) ou sequer hospital.
Como a pequena cidade de Santo Antônio do Iça, na região do Alto Solimões (AM). Em menos de uma semana, os casos dobraram de 117, em 3 de maio, para 245 na sexta (8). Como o município não tem UTI, pelo menos seis pacientes precisaram de transferência para Manaus, e cinco morreram, por falta de leitos na capital ou por falta de tempo para o transporte – a viagem de 897 quilômetros pode levar cinco dias de barco.
“Só conseguimos transferir um para a capital. A gente faz o pedido no sistema de regulação e espera de uma a duas semanas sem resposta. Manaus já entrou em colapso e não tem mais leitos para o interior”, contou o secretário municipal de Saúde Francisco Ferreira Azevedo à revista ‘Época’.
Azevedo acredita que o boom de casos na cidade se deve ao fracasso da estratégia de isolamento social a partir do início de abril, quando a maior parte das pessoas passou a se aglomerar em filas para receber o auxílio emergencial de R$ 600 do governo federal. A cidade tem 21 mil habitantes – e quase a metade depende do Bolsa Família.
Por PT Nacional