Com o deboche típico dos despreparados, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) usou o Twitter no dia 14 de abril para tentar desqualificar o legado de um dos nomes brasileiros mais conhecidos no mundo. “Quem é Paulo Freire?”, ironizou aquele que apoia o corte de 30% no orçamento das universidades, que incentiva perseguição ideológica a professores, dentre outras ideias obscurantistas.
O deputado, que segue à risca os mandamentos da cartilha radical da direita, só não contava que a sua “brincadeira” desencadearia uma avalanche de reações de todos aqueles que não só sabem quem é Paulo Freire como o reverenciam – não por seus raros posicionamentos políticos, mas pelo legado que deixou à Educação na última metade do século 20.
Longe de legitimar a provocação de alguém que desfila por aí com camisetas de violentos ditadores, o post de Eduardo Bolsonaro foi a oportunidade dada de bandeja para que pensadores, cientistas, professores e discípulos resgatassem o legado e a história do educador cuja obra é a terceira mais citada em trabalhos acadêmicos do mundo – em Harvard, sempre próxima do topo em qualquer ranking sobre instituições de ensino, a bibliografia de Freire é literalmente obrigatória.
É também o único autor com livro entre os 100 mais pedidos entre todas as universidades de língua inglesa, foi homenageado com escultura na Suécia e é nome de centro de estudos na Finlândia. Seu clássico ‘Pedagogia do Oprimido’, escrito em 1968, é celebrado, estudado, esmiuçado em países de todos os continentes e permanece atual e indispensável.
Como é sabido, no entanto, ser reconhecido fora do Brasil nem sempre significa ser amado e respeitado pelos próprios brasileiros. Mais do que responder quem foi Paulo Freire, a questão agora é de onde vem tanto ódio dos bolsonaristas pelo patrono da Educação brasileira. Como exigir qualquer resposta verossímil dos próprios algozes seria clamar por um milagre, é preciso voltar algumas décadas no tempo para entender a origem da perseguição ao educador.
Em linhas sumárias a história é mais ou menos esta: logo após o Golpe Militar de 64, Paulo Freire foi preso pelos agentes da repressão que viam no seu método pedagógico – que começara a ganhar notoriedade no Brasil e no mundo – poderia desestabilizar o governo ao alfabetizar e capacitar de maneira ampla e eficaz numa velocidade muito superior aos métodos tradicionais.
E quem primeiro o elegeu como “inimigo da pátria” foi o tenente-coronel Hélio Ibiapina Lima para quem “sua atuação no campo da alfabetização de adultos nada mais é que uma extraordinária tarefa marxista de politização das mesmas”.
O método Paulo Freire de alfabetizar chamou atenção do mundo
Antes de a Ditadura entrar em vigor, o trabalho pioneiro de Freire estava prestes a ser implantado a nível nacional por João Goulart, que se encantou com o projeto desenvolvido pelo educador no Rio Grande do Norte com cerca de 400 jovens e adultos. Os resultados da experiência na cidade de Angicos foram tão impressionantes que não demorou para que chamasse a atenção do mundo.
Hoje, a proposta de concluir em 40 horas o processo de alfabetização e a formar cidadãos mais conscientes de seus direitos e dispostos a defendê-los de maneira democrática é usado nas principais universidades do planeta, é tema de estudos dos mais variados seguimentos e seu nome está para a Educação o que Tom Jobim está para música em termos de visibilidade internacional.
Quem odeia Paulo Freire certamente nunca leu uma linha sequer de uma de suas indispensáveis obras. Como ele próprio diz, “quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser o opressor”.
Patrono ameaçado
Como se não bastasse a sequência de vexames de Eduardo Bolsonaro ao tentar desqualificar Freire, na última segunda-feira (29 de abril) o próprio Jair resolveu entrar no jogo e anunciar, durante entrevista a uma blogueira mirim, que irá levar adiante a proposta de uma deputada do seu partido de tirar de Freire o título de patrono oficial da Educação brasileira.
A honraria foi concedida durante o governo de Dilma Rousseff, em 2012. A homenagem, proposta originalmente pela deputada Luiza Erundina (PSB-SP), foi sancionada pela presidenta e corroborada pela Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado.
O título foi concedido 15 anos após a sua morte, ocorrida em 1997 aos 75 anos. Freire, por óbvio, não viveu a grande era das fake news, cujo ápice foi decisivo para o resultado das últimas eleições presidenciais. Mas, mesmo postumamente, não conseguiu ser imune a elas. Para se ter ideia, as mentiras que circulam sobre o seu nome são tão absurdas que chegou ao ponto de alguém que criticou Lula por tê-lo indicado como ministro do seu governo. O ex-presidente assumiu o governo em 2003, seis anos após o falecimento do educador. Neste dia 2, completa-se 22 anos que Paulo Freire nos deixou.
Da Agência PT de Notícias