O deputado Paulo Pimenta (PT-RS) entrou neste sábado (4) com duas representações, na Procuradoria-Geral da República (PGR) e no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), contra o procurador-chefe da Lava Jato, Deltan Dallagnol, e outros integrantes da Força Tarefa. O parlamentar pede aos órgãos que investiguem a conduta dos integrantes da Lava Jato sobre denúncias da prática de crimes no trabalho conjunto entre agentes americanos do FBI e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, com os procuradores, sem autorização do Ministério da Justiça, como determina a lei brasileira.
“A cooperação, que estabelece os termos e regras em matéria penal, conforme acordo firmado entre Brasil e Estados Unidos em 2001, deveria ter se dado de forma oficial e não de forma oficiosa, como optou por fazer o chefe da Procuradoria Federal com atuação na Lava Jato”, acusa Pimenta na ação.
Como prova dessa colaboração ilegal, o parlamentar petista cita reportagem do site The Intercept Brasil, publicada no dia 1º de julho de 2020, que revela diálogos que mostram a proximidade entre a polícia federal brasileira e procuradores do Ministério Público Federal, com o FBI (polícia federal dos Estados Unidos). Nessas conversas evidencia-se que, desde 2014, a agente norte-americana Leslie R. Backschies já ‘ajudava’ nas investigações da operação, de forma ilegal.
Segundo a matéria, Leslie Backschies se tornou especialista na legislação FCPA, Foreign Corrupt Practices Act, uma lei americana que permite que o Departamento de Justiça (DOJ) investigue e puna nos Estados Unidos atos de corrupção praticados por empresas estrangeiras mesmo que não tenham acontecido em solo americano. Foi com base nessa lei que o governo americano investigou e puniu com multas bilionárias empresas brasileiras alvos da Lava Jato, dentre elas a Petrobras e a Odebrecht, que se comprometeram a desembolsar mais de US$ 4 bilhões em multas para os EUA, Brasil e Suíça.
Visita aos EUA
O deputado Paulo Pimenta lembra na ação que, entre 9 e 10 de fevereiro de 2015, integrantes da Lava Jato – entre eles os procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima, Marcelo Miller e Deltan Dallagnol – acompanharam o então procurador-geral da República Rodrigo Janot e Wladimir Aras, em uma visita oficial aos Estados Unidos para conversar com integrantes do Departamento de Justiça daquele país.
Cerca de 8 meses depois, relembra o parlamentar, a agente Leslie fez parte de uma comitiva de 18 agentes norte-americanos que foram a Curitiba se reunir com procuradores e advogados de delatores, sem passar pelo Ministério da Justiça, órgão que deveria, segundo a lei, intermediar todas as matérias de assistência jurídica com os EUA. Esses fatos foram revelados pela Agência Pública e The Intercept Brasil.
Pimenta lembra ainda que também estavam presentes neste encontro procuradores americanos ligados ao Departamento de Justiça (DOJ, na sigla em inglês) e agentes do FBI, o serviço de investigações subordinado a ele. Em quatro dias intensos de trabalho, eles receberam explicações detalhadas sobre delatores como Alberto Youssef e Nestor Cerveró e mantiveram reuniões com advogados de 16 delatores que haviam assinado acordos entre o final de 2014 e meados de 2015 em troca de prisão domiciliar, incluindo doleiros e ex-diretores da Petrobras.
O parlamentar diz que, na ocasião, a Força Tarefa dissimulou o conteúdo da visita ao dizer ao Ministério da Justiça que tratava-se de “reuniões de trabalho”, como “apresentação de linhas investigativas adotadas pelo MPF e pela PF e pelos norte-americanos no caso Lava Jato”. Todavia, segue Pimenta, documentos oficiais do Itamaraty obtidos pelo The Intercept contradizem a versão apresentada a época por Deltan Dallagnol.
Segundo o governo brasileiro a época, o Departamento de Justiça revelou que pediu vistos para pelo menos dois de seus procuradores – Derek Ettinger e Lorinda Laryea – detalhando que eles planejavam viajar a Curitiba “para reuniões com autoridades brasileiras a respeito da investigação da Petrobras e com advogados dos delatores da Lava Jato”. “O objetivo das reuniões é levantar evidências adicionais sobre o caso e conversar com os advogados sobre a cooperação de seus clientes com a investigação em curso nos EUA”, dizia o documento.
O petista diz que os fatos evidenciam que houve uma colaboração ilegal da Força Tarefa da Lava Jato com autoridades policiais e a justiça norte-americana. Ele lembra que esse tipo de colaboração em matéria judicial entre Brasil e Estados Unidos – tais como pedir evidências como registros bancários, realizar buscas e apreensões, entrevistar suspeitos ou réus e pedir extradições – devem ser feitos por meio de um pedido formal de colaboração conhecido como MLAT, que estipula que o Ministério da Justiça deve ser o ponto de contato com o Departamento de Justiça americano (Decreto n°. 3.810, de 02 de maio de 2001).
Diálogos comprometedores
O autor da ação endereçada ao procurador-geral da República, Augusto Aras, e o corregedor do Conselho Nacional do Ministério Público, Rinaldo Reis Lima, diz ainda que os diálogos relatados pelo site The Intercept apontam que os próprios integrantes da Lava Jato tinham ciência da ilegalidade que estavam cometendo.
Em uma conversa datada de 11 de fevereiro de 2016, o procurador Vladimir Aras, chefe da Secretaria de Cooperação Internacional (SCI) da Procuradoria-Geral da República, alertou diversas vezes para problemas legais envolvendo a colaboração direta com agentes do FBI, a ponto de o próprio chefe da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol, admitir a Aras que a PF preferia tratar direto com os americanos a seguir as vias formais.
Na ocasião, Aras se surpreende com teor de um e-mail enviado por Dallagnol ao Escritório de Assuntos Internacionais (OIA, na sigla em inglês) pedindo, informalmente, a extradição de um suspeito da Lava Jato. Pelo acordo bilateral entre Brasil e Estados Unidos, o pedido deveria passar pela Secretaria Cooperação Internacional da PGR e o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), do Ministério da Justiça.
Ao responder Dallagnol, Vladimir Aras explica ainda que o pedido de extradição deveria ter passado pelo DEEST, o Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça e o Ministério de Relações Exteriores. “Não é bom tentar evitar o caminho da autoridade central, já que, como você sabe, isso ainda é requisito de validade e pode pôr em risco medidas de cooperação no futuro e a “política externa” da PGR neste campo”, explica Vladimir.
Em resposta, Dallagnol é direto. “Obrigado Vlad por todas as ponderações. Conversamos aqui e entendemos que não vale o risco de passar pelo executivo, nesse caso concreto. Registra pros seus anais caso um dia vá brigar pela função de autoridade central (rs)”, escreveu, deixando no ar a sugestão para que Aras se ocupasse do assunto se um dia comandasse o MPF ou o ministério da Justiça. “E registra que a própria PF foi a primeira a dizer que não confia e preferia não fazer (rs)”, disse Dallagnol.
Vladimir insiste: “Já tivemos casos difíceis, que foram conduzidos com êxito”. Porém, Dallagnol diz: “Obrigado, Vlad, mas entendemos com a PF que neste caso não é conveniente passar algo pelo executivo”. Vladimir então responde: “A questão não é de conveniência. É de legalidade, Delta. O tratado tem força de lei federal ordinária e atribui ao MJ à intermediação”.
Caso Odebrecht
A representação lembra ainda a relação ilegal entre a Lava Jato e o FBI no caso da construtora Odebrecht. Segundo reportagem do The Intercept, este fato ficou configurado na troca de mensagens entre procuradores no chamado ‘Chat Acordo ODE’, onde se discutia o contrato de leniência com a Odebrecht.
Em agosto de 2016, membros da Lava Jato pediram informalmente ajuda ao FBI para quebrar as senhas dos sistemas de informática My Web Day e Drousys, usados pelo Setor de Operações Estruturadas, departamento da Odebrecht que geria os pagamentos de propinas a políticos de vários países. O pedido foi feito em agosto de 2016, quase um ano antes da Lava Jato receber oficialmente os arquivos dos dois sistemas a partir da assinatura do acordo de leniência com a Odebrecht, o que ocorreu em agosto de 2017, segundo reportagem de O Globo.
Delitos
Na representação, Pimenta pede a investigação dos fatos ao dizer que os diálogos “deram azo à violação de diversos princípios da administração pública aplicáveis à atuação do Ministério Público Federal, usurparam competência do Ministério da Justiça, configurando, desta feita, a prática de improbidade administrativa (Art. 11 da Lei nº 8.429, de 1992)”.
O parlamentar ressalta que a conduta dos integrantes da Lava Jato sugere também o cometimento dos delitos de associação criminosa (Art.228 do Código Penal – CP), com pena de 1 (um) a 3 (três) anos reclusão; de Prevaricação (Art. 319 do CP), detenção de três meses a um ano; Advocacia Administrativa (Art.321 do CP), detenção de um a três meses, ou multa; além do crime de Fraude processual (Art. 347 do CP), com pena de detenção de três meses a dois anos, e multa.
Pelo fato de conduzirem uma investigação viciada, “com o intuito prévio de apresentar denúncias criminais que sabiam previamente destituídas de fundamentação probatória lícita”, Paulo Pimenta diz ainda que os procuradores cometeram o crime de abuso de autoridade, configurado na Lei nº 4.898, de 1965.
À PGR, o parlamentar pede a instauração de processo criminal contra Dallagnol e os demais integrantes da Lava Jato envolvidos nas acusações, com afastamento de suas funções enquanto durarem as investigações. Junto ao Conselho Nacional do Ministério Público, Pimenta pede a abertura de procedimento administrativo para investigar e punir as falhas funcionais e administrativas dos acusados.
Leia a íntegra das ações
Representação PGR vs DD e outros 02 07 2020 (1)
Reclamação Deltan CNMP fatos TIB 01 07 2020 (1)
Héber Carvalho