Em mais de seis horas de debate na Câmara, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, demonstrou a forma antinacional, lesiva aos interesses do Brasil e muitas vezes contraditória de como o governo Bolsonaro tem tratado as relações comerciais e diplomáticas com outras nações, sejam parceiras comerciais ou vizinhos regionais. O ministro participou de audiência pública na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (Credn), para debater a política externa e comercial brasileira e a relação com países como China, Estados Unidos, países árabes e Venezuela.
Na audiência, o ministro tentou convencer os parlamentares que a aproximação do Brasil com os Estados Unidos não vai prejudicar as relações comerciais com o maior parceiro do País, a China. Ao mesmo tempo, Araújo defendeu que o Brasil se aproxime do “mundo ocidental”, segundo ele, “mais próximo dos nossos valores”. O deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) lembrou que deixar a China em segundo plano para beneficiar os Estados Unidos, em nome de uma afinidade ideológica de Bolsonaro com Donald Trump, pode ser um “tiro no pé” para o Brasil.
“A exportações do Brasil para a China em 2017 somaram US$ 47 bilhões, enquanto para os Estados Unidos foram de US$ 26,8 bilhões. E o superávit com a China foi de US$ 27 bilhões, e com os Estados Unidos, apenas US$ 2 bilhões, ou seja, dez vezes menos. E a China importa quatro vezes mais alimentos do Brasil do que os Estados Unidos. Bom, o senhor mesmo já disse que o Brasil não pode vender a sua alma. Nesse caso, eu acho isso uma boa posição”, ironizou o petista.
O chanceler também tentou explicar as concessões feitas pelo Brasil aos Estados Unidos, durante a recente visita de Jair Bolsonaro àquele país. Sobre o caso da liberação de vistos de entrada para americanos no Brasil, sem a devida reciprocidade para os brasileiros, Ernesto Araújo tentou justificar que a ação poderá atrair mais turistas ao País.
Já em relação ao acordo que permite o uso da Base de Alcântara (MA) pelos norte-americanos, Araújo tentou explicar que o acordo é vantajoso para o Brasil. Porém, foi questionado por deputados de oposição sobre o motivo do acordo de salvaguarda tecnológica com os EUA não ter sido divulgado. “Ele vai ser apresentado ao parlamento”, prometeu o ministro.
Sobre a possibilidade de o Brasil ser membro da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), promessa feita por Donald Trump a Bolsonaro, o deputado Carlos Zarattini (PT-SP) observou que o fato pode servir apenas aumentar a influência norte-americana na América do Sul.
“O que foi acordado com a [possiblidade de entrar na] OTAN, isso implica em venda de equipamento ou armamento para o Brasil? Isso seria uma mudança estratégica de defesa do nosso País porque hoje a venda desses produtos envolve a troca de tecnologia, e nós sabemos que os Estados Unidos não transferem tecnologia sensível para outros países”, explicou.
Outra contradição do ministro aconteceu ao explicar a promessa de entrada do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), considerado uma espécie de “clube dos ricos” entre as nações. Ele disse que o Brasil não abriu mão de benefícios, mas depois reconheceu que “o País dispensou tratamento especial e diferenciado em acordo da OMC (Organização Mundial do Comércio)” em troca de “oportunidades de negócios com a entrada na OCDE”.
O deputado Paulão (PT-AL) afirmou que “a ação ideológica do governo Bolsonaro, de aliar-se incondicionalmente aos Estados Unidos, vem prejudicando o agronegócio brasileiro e nossa balança comercial”. O deputado Zeca Dirceu (PT-PR) lembrou que ao entrar na OCDE, o Brasil será obrigado a se submeter às políticas de abertura total do mercado brasileiro, de acordo com as regras neoliberais que regem a organização. “Como vamos defender nossa agricultura?”, indagou Dirceu. Ele lembrou um exemplo do que pode ocorrer já foi demonstrado pelo ministro da Economia Paulo Guedes, que abriu mão de taxar leite em pó vindo da Europa, prejudicando os produtores de leite do Brasil.
O líder do PT, deputado Paulo Pimenta (RS), também acompanhou a audiência com Araújo e ficou estupefato com o que ouviu do ministro sobre a política externa brasileira. “Acreditem se quiser, mas eu acabei de ouvir o ministro das Relações Exteriores de Jair Bolsonaro dizer que o Brasil ganhou protagonismo com esse governo”, escreveu Pimenta em sua conta no Twitter.
Países Árabes x Israel
Sobre a relação de aproximação do governo Bolsonaro com o governo do primeiro-ministro de Israel, Benjamim Netanyahu, e a promessa de transferir a embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém – cidade reivindicada por judeus e palestinos como capital de seus respectivos Estados – Ernesto Araújo tentou relativizar os possíveis prejuízos para o País. Segundo ele, “a rivalidade entre Israel e os países árabes está superada”. A expectativa do ministro vai contra o que já disseram embaixadores de desses países no Brasil. Segundo eles, se a mudança ocorrer poderá prejudicar as relações comerciais com os países árabes.
Segundo Arlindo Chinaglia, a posição do governo Bolsonaro vai na direção contrária da tradição diplomática do País. “Historicamente o Brasil sempre defendeu a solução de dois Estados, de Israel e da Palestina, para solucionar o conflito na região. E essa é a posição defendida pela própria ONU. O senhor não acha que esse é o momento de dizer isso?”, perguntou a Ernesto Araújo.
Venezuela
O ministro Ernesto Araújo também entrou em contradição ao falar sobre a Venezuela. Ao mesmo tempo em que garantiu que o Itamaraty continuará defendendo a autodeterminação dos povos, reconheceu que apoia incondicionalmente os esforços para derrubar o presidente da Venezuela, Nicolas Maduro.
O deputado Paulão alertou o chanceler de que o Brasil deve “atuar na solução de conflitos (em outros países) de forma pacífica”, e lembrou que “graças à capacidade técnica e política do Itamaraty, independente de governos, há 150 anos o Brasil não se envolve em conflitos com países vizinhos”.
Golpe de 1964
Durante o debate, o ministro ainda disse que em 1964 não houve golpe militar no Brasil. “Não considero 1964 um golpe, foi algo necessário para que o Brasil não se tornasse uma ditadura”, frisou Araújo. Apesar da afirmação, o chanceler se negou a responder se o Brasil viveu em um período democrático entre 1964 e 1985.
Ao repudiar a tentativa de se reescrever a história negando o golpe, o deputado Arlindo Chinaglia lembrou que até setores de direita têm criticado o presidente Bolsonaro por elogiar a ditadura militar que ocorreu no Brasil e em outros países da América do Sul.
Como exemplo, ele citou recente editorial do jornal O Estado de São Paulo, “que nem de longe pode ser considerado de esquerda”, que criticou os elogios feitos por Bolsonaro aos ditadores Alfredo Stroessner (Paraguai) e Augusto Pinochet (Chile) e a ordem para que os quartéis comemorem no próximo dia 31 de março o golpe de 1964.
Héber Carvalho