A onda de protestos que varreu os EUA nos últimos cincos dias, desencadeada pelo covarde assassinato de George Floyd, homem negro que foi asfixiado até a morte por um policial branco no dia 25 de maio, em Minneapolis, Minnesota, colocou em xeque a presidência de Donald Trump. Incapaz de pacificar o país e apresentar soluções para a crise sanitária que ceifou a vida de mais de 100 mil americanos, Trump atacou os manifestantes, acusando a “extrema esquerda e os antifascistas” de promoverem caos e desordem, “desonrando” a memória de George Floyd.
Segundo o diário americano ‘The New York Times’, na sexta-feira (29), em meio aos protestos que eclodiram pelas ruas de Washington, Trump se escondeu em um bunker na Casa Branca, onde ficou por quase uma hora. De acordo com o jornal, pelo menos 75 cidades registraram atos contra o racismo e o assassinato de Floyd. Quatro pessoas morreram e pelo menos quatro mil foram presas, segundo a ‘Associated Press’. Os levantes reabrem dolorosas cicatrizes da história americana, marcada por uma segregação racial estrutural e o preconceito contra negros e latinos, e trazem de volta ao centro do debate a gritante desigualdade social no país. Em meio à pandemia que transformou os EUA no epicentro do coronavírus, ao lado do Brasil, as manifestações agravam a crise e ameaçam a reeleição de Donald Trump, cuja administração fracassada foi exposta mundialmente ao longo das últimas semanas.
A reação inflamada da população foi uma resposta necessária ao nível de crueldade com que George Floyd foi executado pela polícia. Algemado e imobilizado com o rosto no asfalto por quase 8 minutos, Floyd implorou pela vida enquanto agonizava sob a pressão do joelho do assassino fardado, até perder os sentidos para não voltar mais. A violência do assassinato chocou até integrantes da própria polícia. Em algumas cidades, policiais foram vistos marchando e ajoelhados ao lado dos manifestantes. A onda de protestos atingiu escala global, com ativistas promovendo passeatas em centros como Londres, Berlim, Paris e Vancouver. Ativistas de movimentos negros chamaram a atenção para outros crimes cometidos contra negros.
A Guarda Nacional foi acionada em mais da metade dos estados americanos, enquanto Trump limitou-se a criticar os manifestantes pelo Twitter, uma estratégia que tem se mostrado, até aqui, completamente inútil no que diz respeito à contenção dos levantes.
Desigualdade histórica
O caso Floyd joga luz sobre uma doença crônica que a democracia americana jamais foi capaz de sanar: as desigualdades sociais históricas que atingem o país arrasam, na maior parte, as comunidades negra e latina. Economistas afirmam que uma agenda de inclusão, que passa por uma redefinição do papel do Estado e a implementação de uma rede proteção social deve entrar com urgência no centro do debate eleitoral neste ano.
O próximo presidente, seja Trump ou o democrata Joe Biden, deve ser capaz de responder ao desafio de levantar a combalida economia enquanto gera nada menos do que 40 milhões de postos de trabalho, perdidos em dez semanas durante a pandemia do coronavírus. A solução não deve surgir do lado republicano. Trump, assim como a maioria esmagadora dos correligionários republicanos, foi contra o auxílio semanal de U$ 600, segundo revelou reportagem do ‘Washington Post’.
Desemprego recorde
A taxa de desemprego nos EUA chegou a 14,7% em abril. Em março, estava em 4,4%. O índice é muito maior, uma vez que milhões de trabalhadores deram entrada no seguro-desemprego em maio. Somente entre a última semana de março e a primeira de abril, cerca de 6,6 milhões de americanos pediram auxílio ao governo, uma amostra da profundidade da crise. No primeiro trimestre de 2020, o Produto Interno Bruto dos EUA encolheu 5%, de acordo com estatísticas oficiais.
As estatísticas americanas confirmam o extraordinário abismo social que assola negros e latinos: entre negros, o desemprego passa de 16,7%. E entre a população de origem hispânica, o índice é pior: 18,9%, de acordo com o diário inglês ‘The Guardian’. Segundo especialistas em trabalho, a segregação de empregos empurra trabalhadores negros e hispânicos para setores de baixos salários que trazem pouco ou nenhum benefício.
O auxílio de emergência de U$ 600 semanais oferecido pelo governo americano está programado para acabar no final de julho. Mas especialistas advertem que a interrupção do benefício pode agravar o desemprego e impedir a retomada econômica. “Se o subsídio de desemprego expirar, milhões de americanos terão menos dinheiro para gastar nas lojas, e isso pode levar a mais desemprego”, alerta Heidi Shierholz, uma economista do Economic Policy Institute, um think tank progressista sediado em Washington, em depoimento à publicação ‘Market Watch’.
Além disso, para cada dólar gasto em seguro-desemprego, há um efeito multiplicador que leva a um aumento de 1,64 no PIB, de acordo com um estudo de 2008 publicado por Mark Zandi, economista-chefe da Moody’s Analytics MCO.
É consenso entre boa parte da comunidade econômica que o auxílio foi a melhor opção em um país com um sistema de desemprego defasado, cujo despreparo para uma crise da magnitude da atual foi exposto pela pandemia. Como no Brasil, que se mostra incompetente no pagamento do auxílio a milhões de brasileiros desassistidos, nos EUA, milhões ainda aguardam dezenas de bilhões de dólares em benefícios porque o sistema está sobrecarregado.
Solução de longo prazo
Para a presidente do Service Employees International Union, Mary Kay Henry, o auxílio foi uma medida acertada, mas é preciso avançar na proposição de soluções de longo prazo. “Como vamos garantir que esse nível de crise nunca aconteça novamente? Como podemos aprovar um plano de recuperação equitativo que atenda às necessidades de todas as comunidades, especialmente comunidades de cor?”, questiona Henry, em entrevista para o ‘Guardian’.
“Ao considerarmos um mundo pós- Covid-19, não podemos esquecer quem manteve nosso país em nosso momento de necessidade”, observa Henry. “Nossos profissionais de saúde, serviços de alimentação e zeladores, que são predominantemente trabalhadores negros e pardos, mulheres e imigrantes, merecem mais do que elogios”, ressalta. “Eles merecem nada menos que salários de manutenção da família de pelo menos US $ 15 por hora e o direito de formar um sindicato para elevar indivíduos e comunidades – agora e no mundo pós-pandemia”, destaca. Os protestos que chacoalham os EUA e desestabilizam a presidência de Trump podem ser o primeiro passo desta mudança.
Por PT Nacional