Quase meio milhão de pessoas perderam a vida para a Covid-19 no Brasil. A extrema pobreza bate recorde, com 40 milhões de pessoas na miséria. São mais de 14 milhões de desempregadas e desempregados. O combate à pandemia deveria ser o tema central do governo federal. O Brasil precisa de vacina no braço e comida no prato.
Mas, infelizmente, os problemas reais do povo brasileiro não são prioridades. Bolsonaro parece só ter olhos para as próximas eleições, desde o primeiro dia de governo. Eleito seis vezes pelas urnas eletrônicas, hoje, prioriza a impressão do voto sob o argumento de combater fraudes o mesmo que usou décadas atrás para defender o oposto.
“Esse Congresso está mais do que podre. Estamos votando uma lei eleitoral que não muda nada. Não querem informatizar as apurações. Sabe o que vai acontecer? Os militares terão 30 mil votos e só serão computados 3 mil”, disse, o então deputado federal Jair Bolsonaro, durante um encontro no Clube Militar, em 1993, segundo a edição de 21 de agosto do Jornal do Brasil daquele ano.
Após ganhar no 2º turno as eleições presidenciais de 2018, Bolsonaro alegou que teria vencido no 1° turno, se não fossem as fraudes e que poderia provar, o que não fez até agora. No último dia 14 de maio, afirmou que, se não houver voto impresso em 2022 e Lula for eleito, será na fraude. Meses antes, após a derrota de seu ídolo, Donald Trump, Bolsonaro, sem provas, falou em fraudes nas eleições dos Estados Unidos, onde parte do voto é impresso, deixando o Brasil em uma situação embaraçosa diante do novo presidente norte-americano, Joe Biden.
Nada errado com a volatilidade de Bolsonaro, mudar de opinião é um direito. Nada errado com quem defende o aperfeiçoamento do processo eleitoral, apesar do sistema coordenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se mostrar plenamente confiável. Entretanto, é uma irresponsabilidade sem tamanho colocar em dúvida a lisura do processo eleitoral sem apresentar fundamentos sólidos, colando em risco a democracia brasileira. Não se pode tentar criar na sociedade uma falsa percepção de insegurança. Bolsonaro apenas brada “fraude; fraude; fraude”, mas não comprova nada.
O sistema eleitoral brasileiro, referência em eficiência para o mundo, é totalmente nacional, seguro, auditável e nunca se revelou vulnerável. De acordo com o TSE, as urnas eletrônicas têm cerca de 30 camadas de segurança e nenhum componente do sistema é ligado à internet, o que impede o acesso de hackers. São 25 anos sem nenhuma fraude. Se houvesse, um agricultor familiar do sertão pernambucano, sem conhecimento tecnológico algum, por exemplo, jamais teria sido eleito deputado federal em 2018, como no meu caso.
O custo estimado para a impressão do voto é de R$ 2 bilhões. Com esse dinheiro daria para pagar três milhões de benefícios do auxílio emergencial, não no valor de R$150 de Bolsonaro, e, sim, no de R$600, como defende o PT e demais partidos de oposição. É também o mesmo investimento previsto do Censo do IBGE de 2022, que o governo federal disse não ter orçamento para realizar. Somente haverá Censo, importante instrumento para se ter uma fotografia da população brasileira e, a partir dela, se desenhar políticas públicas, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF). Sem contar nos recursos para as recontagens de votos e com a judicializações de diversos candidatos. O Brasil precisa arcar com esses custos por uma superficial alegação de fraude sem qualquer prova?
O debate está posto. O presidente da Câmara dos Deputados instalou comissão especial para discutir a emissão de uma cédula do voto eletrônico a ser depositada em uma urna física (PEC 135/19) em referendos, plebiscitos e eleições no país. A base governista domina o colegiado. O papel da oposição será trazer clareza sobre o processo eleitoral à população, com esclarecimentos de técnicos e especialistas eleitorais.
Qual será o verdadeiro motivo dos governistas priorizarem essa pauta, em plena pandemia? Não podem usar esse tema como cortina de fumaça para os problemas deste desgoverno, nem como desculpa para uma possível derrota eleitoral em 2022, a exemplo do que fez Trump, que pediu recontagem de votos e contestou o quanto pôde o resultado das urnas, o que provocou convulsão social, invasão do Capitólio, Centro Legislativo dos EUA, e resultou até em mortes.
Não há resposta concreta sobre o que há por trás disso. Já uma coisa é certa: fraude foi a eleição de Bolsonaro em 2018. E não faltam provas para comprová-la. O então candidato não participou de nenhum debate e teve uma campanha centrada na disseminação de fake news. Seus aliados à época, sob a liderança de Moro, tiraram o ex-presidente Lula da corrida presidencial, líder da disputa, por meio de uma perseguição política injusta, já confirmada pelo STF. Há esperança. As últimas pesquisas revelam que o povo brasileiro não cairá novamente nesta cilada. Independentemente de como será a opinião de Bolsonaro, em 2022, a democracia vencerá!
Carlos Veras (PT-PE), Deputado federal, presidente da Comissão dos Direitos Humanos e Minorias da Câmara e membro titular da comissão especial que analisa a PEC 135/19.
Publicado originalmente no Brasil de Fato