* Paulão
* Atahualpa Blanchet
O mundo tem passado por profundas transformações devido à crescente influência da tecnologia e seus impactos sociais e econômicos. Em um cenário marcado por uma mudança de paradigma em áreas como a educação, a formação profissional e o trabalho, é necessário considerar como estamos empregando tempo das nossas vidas e qual é a nossa missão como cidadãos para a construção de uma sociedade mais justa e solidária.
Milhões de trabalhadoras e trabalhadores vivem em condições precárias, sem qualquer tipo de direitos garantidos. Esta situação se torna ainda mais preocupante quando consideramos fatores como gênero, raça, idade e nível de educação. Os direitos trabalhistas são direitos humanos e as relações laborais replicam os preconceitos e violações praticados em outros espaços de convivência social.
Instituições como governos, parlamentos, organismos internacionais e movimentos sociais são desafiadas a atuar em uma época marcada por contradições e paradoxos. Enquanto há debates nos países desenvolvidos sobre a possibilidade de outorgar determinadas proteções trabalhistas a robôs programados com inteligência artificial, cerca de 50 milhões de pessoas em todo o mundo estão em situação de escravidão, de acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e da ONG Walk Free Foundation (Global Index 2022).
No Brasil, foram encontradas 2.575 pessoas em situação análoga à de escravo, o maior número desde 2013, segundo informações do Ministério do Trabalho e Emprego referentes ao ano de 2022.
Juntamente a essa problemática, observa-se o aumento significativo na implementação de modalidades laborais que são apresentadas como flexíveis ou autônomas, mas que, na realidade, ocultam condições de trabalho precárias.
Na última década, o trabalho de plataformas e aplicativos digitais resultou na criação de um mercado que exibe sinais alarmantes de precarização. Os trabalhadores de plataformas, em grande parte pobres, negros e de periferias, não têm acesso aos direitos e benefícios básicos além de enfrentar horários de trabalho imprevisíveis e baixa remuneração.
A isso se soma um aspecto cultural importante, que é o discurso falacioso do empreendedorismo e a distorção por ele gerada na consciência da classe trabalhadora. Ou seja, muitas vezes, um trabalhador de plataforma não se percebe como um trabalhador. Essa circunstância afeta a sindicalização e a coletivização das reivindicações dos trabalhadores de plataformas. A informalidade que afeta a massa de trabalhadores de aplicativos também está presente em diversas áreas com maior ênfase nas mulheres jovens e negras.
Os dados apontam que estamos diante de dinâmicas que transcendem as fronteiras nacionais. A mesma lógica de precarização e deslocalização que se aplica nas modalidades de trabalho das plataformas digitais, exige diagnósticos e estratégias de incidência desde uma perspectiva internacional para garantir direitos e dignidade a milhares de pessoas em diversas partes do mundo.
Na América Latina e no Caribe, cerca de 130 milhões de pessoas trabalham em condições informais, o que representa 47,7% da força de trabalho. Aproximadamente 40% das trabalhadoras e trabalhadores e suas famílias não têm acesso a nenhuma forma de proteção social, e, de acordo com o Relatório Panorama Social da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), apresentado no final de novembro de 2022, o índice de pobreza na região estaria em 32,1% da população (um percentual que equivale a 201 milhões de pessoas) e a extrema pobreza em 13,1%. (82 milhões), ainda acima dos níveis pré-pandemia. De acordo com a OIT, nos países da América Latina, a taxa de desemprego juvenil poderia chegar a 20,5% em 2022.
É neste contexto que se insere o papel dos blocos regionais como o MERCOSUL e seu Parlamento (PARLASUL) para formular políticas públicas que busquem alinhar, de forma coordenada, as políticas públicas nacionais e subnacionais com base nas agendas de direitos promovidas por instituições como a Organização Internacional do Trabalho.
O Parlamento do MERCOSUL, que representa a dimensão política e social do processo de integração, é um espaço onde os povos do MERCOSUL estão representados. Além disso, é uma instituição de participação social para a construção do processo de integração, como a casa da democracia regional. O PARLASUL desempenha, portanto, um papel importante ao criar possibilidades de construção política para soluções voltadas aos desafios atuais do mundo do trabalho por meio do diálogo social.
A participação de representantes de trabalhadores, empregadores e do mundo acadêmico é fundamental para dar forma e conteúdo às mudanças no mundo do trabalho resultantes dos avanços tecnológicos e das mudanças demográficas. Os fenômenos migratórios e as mudanças demográficas e climáticas tornam ainda mais complexos os desafios para as novas gerações.
A Comissão de Trabalho, Políticas de Emprego, Seguridade Social e Economia Social do Parlamento do MERCOSUL é o espaço que tem a responsabilidade crucial de debater e formular propostas sobre questões laborais vitais para a região, alinhando-as com a defesa dos direitos humanos e ao cumprimento dos objetivos e metas do desenvolvimento sustentável.
Ao longo dos últimos anos, o colegiado tem aprovado instrumentos de alcance regional e contribuído para a implementação de instrumentos como a Declaração Sociolaboral do MERCOSUL e a aprovação de documentos como a Declaração do Centenário da OIT sobre o Futuro do Trabalho em 2019. No mesmo ano, a Comissão do PARLASUL realizou um Seminário sobre o Futuro do Trabalho com a participação de especialistas de instituições como a Universidade de Harvard e, mais recentemente, em 2023, o colegiado promoveu uma atividade sobre o panorama das regulações sobre o trabalho de plataformas em conjunto com o Projeto Fairwork da Universidade de Oxford.
Da mesma forma, a Comissão de Trabalho do PARLASUL tem dialogado de forma constante com o movimento de trabalhadoras e trabalhadores sobre temas como o combate a todas as formas de violência, assédio e discriminação, no mundo do trabalho, incluindo a algorítmica, bem como a respeito da proteção e garantia do exercício do direito à liberdade sindical e negociação coletiva.
Durante a pandemia de COVID-19, o Parlamento do MERCOSUL emitiu um comunicado aos parlamentos nacionais sugerindo a adoção de uma série de medidas destinadas à proteção da saúde e segurança de trabalhadoras e trabalhadores que estiveram na linha de frente atuando em atividades essenciais durante a emergência sanitária apoiando, ao mesmo tempo, a inserção da segurança e saúde dos trabalhadores como Princípio e Direito Fundamental reconhecido pela OIT.
Em 2023, após uma intensa mobilização com o movimento de economia social e solidária da região, o PARLASUL aprovou por unanimidade o Anteprojeto de Norma Regional para o Fomento às Políticas Públicas de Economia Social e Solidária. O instrumento, formulado pela Comissão de Trabalho do parlamento regional, tem servido de referência para instituições como o Grupo de Trabalho das Nações Unidas para a Economia Social e Solidária e tem despertado o interesse de instituições como a OIT e a OCDE.
Mesmo com essas conquistas, sabemos que há muito mais a fazer na luta pela promoção dos direitos trabalhistas e direitos humanos no MERCOSUL.
Um dos desafios mais urgentes é a adaptação às mudanças decorrentes da automação e da inteligência artificial. A Comissão de Trabalho do PARLASUL deve liderar discussões sobre o futuro do trabalho, garantindo que as transformações tecnológicas não precarizem as relações de trabalho e que sejam tomadas medidas para capacitar os trabalhadores a prosperar em um ambiente em constante evolução, promovendo assim a justiça social e os direitos humanos no âmbito laboral.
O combate ao trabalho escravo e infantil é uma prioridade inegociável tanto em termos de direitos humanos quanto trabalhistas. A Comissão deve colaborar com os Estados membros para implementar estratégias eficazes de erradicação dessas práticas, assegurando que as vítimas recebam a devida proteção, assistência e respeito a seus direitos fundamentais.
Além disso, a Comissão deve demonstrar seu compromisso com as agendas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como a promoção do Trabalho Decente e a ratificação de convenções essenciais, como a Convenção 190, que visa combater a violência e o assédio no mundo do trabalho, contribuindo assim para a defesa dos direitos humanos em contextos laborais.
A crescente economia das plataformas digitais trouxe à tona questões sobre direitos dos trabalhadores, segurança no trabalho e acesso à proteção social. O PARLASUL deverá liderar esforços para criar regulamentações justas, equitativas e com participação social para os trabalhadores de plataformas digitais, garantindo que esses novos trabalhadores tenham direitos e proteção social, contribuindo assim para a promoção dos direitos humanos no mundo do trabalho. Ao mesmo tempo, deverá estreitar os diálogos com os governos e parlamentos nacionais para congregá-los em um esforço regulatório conjunto
A inteligência artificial está transformando inúmeros setores da economia e exige a garantia de novos direitos da era digital como a transparência algorítmica e a centralidade humana buscando uma distribuição equitativa do aumento de produtividade decorrente da utilização de ferramentas digitais.
A Comissão de Trabalho do Parlamento do MERCOSUL desempenha um papel fundamental na promoção de uma agenda de luta pela promoção dos direitos humanos no Mercosul. Ao abordar esses desafios e colaborar com os Estados membros, o Parlamento pode contribuir significativamente para a melhoria das condições de trabalho, para a proteção dos direitos dos trabalhadores e para a afirmação dos direitos humanos em toda a região do MERCOSUL.
O nosso compromisso em enfrentar essas questões é essencial para construir um futuro do trabalho mais justo e inclusivo, onde os direitos humanos estejam no centro das ações e políticas laborais.
* é deputado federal (PT-AL) e Presidente da Comissão de Trabalho, Políticas de Emprego, Seguridade Social e Economia Social do Parlamento do MERCOSUL.
* Secretário da Comissão de Trabalho, Políticas de Emprego, Seguridade Social e Economia Social do Parlamento do MERCOSUL. Pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.