No Chile, com “capitalização”, 80% das aposentadorias estão abaixo do salário mínimo

A implantação do regime de capitalização no sistema de Previdência do Chile significou a destruição da seguridade social naquele país. “Quando um país transforma o que precisa ser política pública em um negócio, esse é o resultado”, resume o professor Andras Uthoff, especialista em Previdência e professor da Faculdade de Economia e Negócios da Universidade do Chile.

O fracasso do sistema de capitalização — o mesmo que Bolsonaro quer implementar no Brasil — é demonstrado em números: hoje, 79% das aposentadorias pagas no Chile estão abaixo do salário mínimo do país. E 44% dos aposentados estão abaixo da linha da pobreza, devido à ínfima remuneração que recebem.

Sem chance de dar certo

“O sistema de capitalização não tem a menor chance de dar certo no Brasil”, alertou Utohff. “Os custos são muito altos”. Para se ter uma ideia, o preço da implantação do modelo no Chile, em 1981— quando o país tinha apenas 11 milhões de habitantes —, foi o equivalente a 136% do Produto Interno Bruto (PIB).

Essa dívida ainda não foi integralmente paga: hoje, 38 anos após a implantação da “nova Previdência”, ela custa ao Chile o equivalente a 2,5% do PIB, todos os anos.

PT estuda Previdência

Andreas Utohff foi um dos expositores de uma oficina promovida pelo Partido dos Trabalhadores para analisar a reforma da Previdência de Bolsonaro, realizada em Brasília, nesta quinta-feira (14).

O evento contou com a participação da presidenta nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), dos líderes do PT no Senado, Humberto Costa (PT-PE), e na Câmara, Paulo Pimenta (PT-RS), da bancada de senadores do PT, deputados, sindicalistas e dirigentes petistas, que se dedicaram a uma análise cuidadosa dos riscos contidos na reforma da Previdência pretendida por Bolsonaro.

O professor chileno testemunhou o desmonte do sistema de seguridade do Chile, é um respeitado estudioso do tema e foi conselheiro regional da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Durante o primeiro governo de Michelle Bachellet (2006-2010), Utohff integrou as comissões que desenharam a reforma do sistema de pensões e do sistema de seguro de saúde do Chile

Custo astronômico

Ele explica que mesmo sendo bancado exclusivamente por quem trabalha — nem o Estado nem os empregadores aportam contribuições para as aposentadorias — o sistema de capitalização tem custos de implantação astronômicos, decorrentes dos gastos com a transição entre os modelos.

Afinal, quando se inaugura uma “nova Previdência”, ainda restam muitos segurados recebendo aposentadorias pelo sistema anterior e este tem redução de caixa, pois perde as contribuições de novos associados.

Sem oposição

A mudança na Previdência e Seguridade Social no Chile foi iniciada em 1981, sob a ditadura de Augusto Pinochet, sem qualquer debate ou possibilidade de oposição — o regime contabilizou 80 mil prisões políticas, com 40 mil mortos, desparecidos ou torturados.

A “nova Previdência” chilena extinguiu as políticas de seguridade (afastamentos por doença, por exemplo) e criou um sistema individual, no qual cada trabalhador deposita 10% de seus salários em uma espécie de poupança mantida por instituições financeiras chamadas de Administradoras de Fundos de Pensão (APFs).

Sem saber quanto vai receber

O trabalhador sabe quanto tem que pagar todos os meses. “Mas nunca sabe quanto vai receber, ao se aposentar”, explica Uthoff. Como se trata de uma conta individual em um sistema privado, a poupança do futuro aposentado está ao relento.

Se ficar desempregado, seu saldo ficará privado ao equivalente aos meses que deixar de recolher. Se a APF tiver prejuízo em aplicações no mercado financeiro, o saldo da poupança também sofre. Tudo isso projeta diminuição no valor da aposentadoria.

E a cada vez que a expectativa de vida cresce, ele sabe que vai se aposentar com menos dinheiro, pois o saldo precisa ser dividido para cobrir cada mês que ele vá viver depois de se aposentar.

Legião de pobres

Além disso, embora seja a poupança seja alimentada exclusivamente pelo trabalhador, isso não quer dizer que ele possa decidir o que acontece com o dinheiro — ou mesmo recorrer a esses recursos em uma emergência.

O saldo dos depósitos só pode ser usado para o estabelecimento de uma renda vitalícia, quando o trabalhador alcança a idade de se aposentar que, no Chile, é de 60 anos para mulheres e 65 anos para os homens.

A pensão mensal vitalícia é arbitrada com base na rentabilidade do dinheiro recolhido pelo trabalhador e que foi investido pela administradora. Quando o sistema de capitalização foi inaugurado, a promessa era pagar aposentadorias que chegariam a 70% do salário durante o período de atividade.

A legião de idosos empobrecidos e obrigados a viver com menos de um salário mínimo desmente essa projeção.

Dinheiro para o exterior

O montante de recursos poupados individualmente pelos trabalhadores chilenos para suas aposentadorias está hoje na casa dos US$ 200 bilhões. “Quando se pensa no Brasil, pode não parecer muito, mas para o Chile é muito dinheiro”, lembra Uthoff — o país tem hoje uma população de 18 milhões.

Uma das justificativas usadas pelos defensores do sistema de capitalização era exatamente o papel que essa poupança teria no financiamento de investimentos no Chile. Mas a ideia não deus os frutos esperados: hoje, 40% dos valores poupados para as aposentadorias chilenas está investido no exterior.

Por PT no Senado

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