A vida de Paulo Freire e a atualidade de suas obras foi tema do debate na Semana da Ciência e da Educação Pública Brasileira na manhã desta sexta-feira (26). A educadora e viúva de Paulo Freire, Nita Freira (Ana Maria Freire), foi uma das convidadas do seminário virtual. O deputado Glauber Braga (Psol-RJ) coordenou a mesa que contou, também, com as explanações dos professores Erasto Fortes Mendonça (UnB e Conselho da Anpae), Antônio Fernando Gouvêa (associado da UFSCar) e Dimas Brasileiro (Cátedra Paulo Freire da UFPE).
“Paulo foi uma pessoa incrível. Os livros que foram publicados há 50 anos – outros há quase 50 anos – continuam sendo lidos, vendidos, estudados e relidos em grande parte do mundo. Antes nós tínhamos Paulo na Europa, Estados Unidos e América Latina, agora o Oriente quase todo está publicando livros de Paulo, isso significa que ele não está desatualizado, que tem coisas a dizer para o mundo Oriental”, afirmou Nita Feire.
Para a educadora, Paulo Freire é atual porque nunca desprezou as intuições e o senso comum. Ele partia da experiência do cotidiano e foi se radicalizando, criando raízes cada vez mais profundas. “É essa radicalidade no todo dia, nas coisas e nos fenômenos comuns do dia a dia, que o fez pensar e refletir com mais propriedade”. Nita compara a literatura de Freire com a árvore. “A gente cria raízes que nos sustentam como se fosse uma árvore, nos sustentam por muitos anos e os seus galhos vão crescendo, ficando frondosa e ficando sempre atualizada, todo ano dar flores. Então é como a literatura de Paulo, a literatura pedagógica dele nunca foi tão lida no mundo como está sendo agora, no Brasil e no mundo inteiro”.
Nita conta que em uma ida ao México para lançar seu livro “Pedagogia da Tolerância”, um dos editores do livro indagou: “Como é que vocês têm coragem de dizer que Paulo Freire está entre os melhores educadores do mundo? O que é isso? Paulo é o maior educador desse século, e ainda no próximo século, o pedagogo, educador, filósofo da educação, será Paulo Freire!”.
Para ela, nenhuma pessoa será capaz de superar, de passar adiante ou destruir o que Paulo falou como ineficaz ou como incorreto. “Paulo tem essa qualidade de permanecer na história, que vai mudando, mas ele como se vivo estivesse, vai acompanhando e mudando. Paulo é e sempre será, ainda durante esse século, o maior pensador sobre a organização social, sobre a opressão, sobre a dificuldade das relações de tolerância, de respeito, que ele tinha para com todas as pessoas do mundo”.
Uma curiosidade de Paulo Freire que Nita revelou é que ele escrevia todos os livros, textos, poesias e ensaios à mão. “Tudo de Paulo era escrito à mão, numa folha de papel em branco sem pauta, ele era tão econômico, escreveu de uma pontinha a outra pontinha, não desperdiçava nada nessa operação do ato de escrever”.
Maior pensador do mundo
Paulo Freire foi um educador, escritor e filósofo Pernambucano. O educador conta com cerca de 48 títulos, entre doutorados honoris causa e outras honrarias de universidades e organizações brasileiras e estrangeiras, além disso, mais de 350 escolas ao redor do mundo levam seu nome. É considerado o brasileiro que mais recebeu “Títulos Honoris Causa” pelo mundo. Em 2012, Paulo Freire foi reconhecido Patrono da Educação Brasileira, pela presidenta Dilma Rousseff.
De acordo com uma pesquisa realizada em 2016 por duas organizações, uma dos EUA e outra em Londres, o livro “Pedagogia do Oprimido” é a obra mais citado em trabalhos acadêmicos e a terceira mais citada em trabalhos na área das humanidades em todo o mundo, além de ser o único brasileiro entre os 100 autores mais citados pela leitura. Até 2016, ela já havia sido citada 72.359 vezes.
“Paulo está à frente de Platão, de Vigotsky, de Focault, de Karl Marx, de Pierre Bourdieau e etc. Quer dizer, Paulo está acima desses todos. Não há prova mais cabal do que essa. São dados empíricos que foram traduzidos e estudados e que deixam Paulo em uma situação muito cômoda de um dos maiores pensadores, porque Paulo está sendo estudado nas várias áreas do conhecimento”, diz toda orgulhosa.
Prisão e exílio
Durante a ditadura Militar, Freire foi preso e exilado. Nita conta que a Bolívia foi o primeiro país a acolhê-lo. Em seguida, ele foi para o Chile onde ficou por quatro anos e meio. Depois ficou quase um ano nos Estados Unidos dando aulas na Universidade de Harvard. Em 1970, foi convidado pelo Conselho Mundial de Igrejas (CMI), em Genebra na Suíça, para ser consultor e coordenador. “Isso já faz muito tempo, faz 50 anos, mas até hoje Paulo é conhecido no conselho, é reverenciado nas suas performances, nas suas práticas quando ali esteve”.
Pelo CMI, Paulo viajou para mais de 30 países prestando consultoria educacional e implementando projetos de educação voltados para a alfabetização e redução da desigualdade social. Segundo Nita, ele criou raízes mais profundas com a África.
“Quando ele chegou a África, depois de 7 anos que ele tinha saído do Brasil, ele disse: eu senti, pela primeira vez, voltando para casa, porque me sentia como se eu estivesse voltando para o meu contexto de origem, via e comi banana e maçã, fazia anos que não fazia isso. Via aqueles homens passando, carregando galinhas vivas para serem vendidas, e cada um que matasse a sua para aproveitar o sangue e fazer a galinha à cabidela. Ele começa a rememorar através da comida, que era a comida nordestina, ele começa a se entender como um homem que estava de inserindo e que estava já inserido em várias culturas. Ele disse: foi fácil pra mim amar tantas culturas e tantas culturas diferentes que conheci nas minhas andanças pelo mundo”, relembrou.
Em 1980 Paulo Freire volta definitivamente e fica aqui no Brasil até a sua morte. “Ele dizia: eu só sei pensar, Nita, no Brasil”.
Perseguição a Paulo Freire
Nita também falou sobre as atuais perseguições a Paulo Freire por parte do atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro. Para ela quanto mais “essa turma” bate em Paulo mais ele cresce. Em uma ocasião, questionaram Nita sobre a relação de Bolsonaro com Paulo, ela respondeu: “Eu disse que é de ódio. Paulo faz parte do grupo que ele odeia. Ele só não manda matar Paulo porque Paulo já está morto”.
“Paulo dizia, às vezes, “eu só não quero discutir, nunca, com Paulo Maluf, porque esse não é diferente de mim, esse é antagônico”. Então, vocês imaginem a lista hoje dos antagônicos – ia tomar alguns quilômetros – porque essa turma que está mandando no Brasil não é brincadeira, é uma gente perversa, sem discernimento, sem capacidade de se comover inclusive com esse exército de pessoas que está morrendo”, denunciou Nita.
Assista:
Lorena Vale