O mundo olha para a prisão de Lula com espanto. Quase 30 anos depois do pacto democrático firmado em 1988 pela Constituição Cidadã, o Brasil tem hoje um preso político. É um retrocesso inimaginável para um País que, ainda sob o regime dos generais, buscou devolver direitos políticos e procurou pôr fim ao exílio de todos os perseguidos da ditadura, por meio da Lei da Anistia (Lei 6.683/79). Trata-se ainda de uma situação que parecia impensável depois da abertura política de 1984, que enterrou 20 anos de regime militar e abriu caminho para as eleições diretas de 1989.
A ditadura – que um dia foi a dos quarteis e que lá atrás também apontou sua artilharia contra Lula – agora se traveste de toga para impingir a ele a mesma perseguição. Nesta terça-feira (24), faz exatos 38 anos e cinco dias que Lula – nordestino, metalúrgico e sindicalista – foi acordado por homens que, sem mandado de prisão, chegaram a sua residência provocando medo em sua família e atiçando pavor em sua esposa, Marisa Letícia. Diante daquela situação, ela temeu acontecer o pior: que a abordagem progredisse para uma invasão, seguida por um massacre testemunhado por seus filhos.
O pior não aconteceu, mas Lula foi preso. “Fica tranquila, não precisa sofrer”, disse ele a Marisa antes de ser levado. A cena – relatada pela biógrafa Denise Paraná, no livro “Lula, o filho do Brasil” – se passou no dia 19 de abril de 1980 e foi mais um capítulo da histórica greve dos metalúrgicos do ABC, que havia sido decidida em assembleia com 60 mil trabalhadores e que àquela altura já durava 19 dias. Juntamente com Lula, outros 14 líderes sindicais foram presos e encaminhados ao Departamento de Ordem Política e Social (Dops). Lula ficou 31 dias preso.
O ano agora é 2018, e, como num filme que se repete, Lula está encarcerado há mais de duas semanas – desta vez, por força de um processo seletivo e sem provas e de um mandado judicial abusivo e ilegal, que desrespeitou medidas recursais. No caso mais recente, homens não bateram à porta de Lula para levá-lo. Ele estava cercado por uma multidão, com sua imagem exposta ao planeta pelas redes sociais, ao vivo e em cores. Decidiu cumprir o mandado de prisão e, após ser carregado nos braços do povo, o maior líder político da história brasileira caminhou pelo meio desse mesmo povo para se entregar a seus algozes.
O mundo assistiu a tudo, e a reação foi imediata, com manifestações em vários países. Sua indicação à candidato ao Prêmio Nobel da Paz, feita no início do mês pelo argentino Adolfo Pérez Esquivel, ganhou força após sua prisão. O argentino, também agraciado com a comenda em 1980, faz agora uma campanha mundial para conseguir mais adesões e dar respaldo à candidatura de Lula. Segundo Esquivel, já são mais de 240 mil assinaturas que endossam esse pleito, em países como França, Itália, Alemanha e Espanha.
“É o reconhecimento de sua obra para o povo, já que ele tirou da extrema pobreza mais de 30 milhões de brasileiros e brasileiras, resgatando a dignidade de cada um deles. Por isso, propus Lula como candidato ao Prêmio Nobel da Paz”, argumentou o argentino. Sua iniciativa, que visa dar visibilidade ao que ocorre hoje no Brasil com a prisão ilegal de Lula, foi acompanhada por muitas outras ações de grupos e políticos progressistas de vários países, que enxergam e entendem a condenação Lula como um avanço das forças do atraso, para barrar a onda de distribuição de renda e de inclusão social promovida pelo ex-presidente.
França
Os franceses já fizeram alguns atos em prol da liberdade de Lula. Um deles ocorreu, no início de abril, na Praça da República, em Paris, que tradicionalmente abriga protestos da esquerda francesa. A manifestação contou com cerca de 200 participantes, incluindo Luiz Dulci, vice-presidente nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), que falou sobre o direito de Lula ser candidato nas próximas eleições. “O PT não tem plano A, nem B: tem plano L de Lula”, disse. Outro protesto na França ocorreu nesta segunda-feira (23), reunindo representantes de partidos de esquerda, como France Insoumise, POI, POID, PCF, FAL e de integrantes do Núcleo PT Paris, do Comitê Internacional pela anulação do impeachment e do Collectif Alerte France Brésil, entre outros.
Itália
Um dia depois de o Partido Democrático Italiano (PDI), de centro-esquerda, manifestar apoio ao ex-presidente, o Beppe Grillo – fundador do Movimento 5 Estrelas (M5S), partido italiano mais popular – afirmou que o ex-presidente Lula é alvo de “perseguição” e denunciou um “golpe de Estado” no Brasil. “Lula vale a luta, como demonstração de solidariedade a este grandíssimo homem, do olhar bom, de mãos fortes de metalúrgico e com um coração que sempre bateu pelos mais vulneráveis; fortemente amado por seu povo e, por isso, bloqueado pelos lobbies do poder, vítima de uma perseguição política à luz do dia. Que diferença há entre o que ocorreu e um golpe de Estado?”, conclui Grillo.
México
O Partido Trabalhista do México condenou de maneira formal a prisão do ex-presidente brasileiro, que, segundo a agremiação partidária, resulta de “uma terrível e injusta perseguição política e judicial contra o Partido dos Trabalhadores e especificamente contra Lula”. Por meio da sua Comissão Nacional de Coordenação, o partido soltou nota em que expressa forte solidariedade e apoio a quem definiu como um dos líderes mais reconhecidos da América Latina e do mundo, “um estadista que transformou o Brasil em um dos países com o maior desenvolvimento social e econômico das últimas décadas”. “Sabemos que as ações realizadas pelo governo brasileiro em conluio com grupos de direita têm o objetivo de impedir que Lula da Silva chegue à presidência, dando assim um duro golpe à democracia e aos direitos humanos do País sul-americano”, reiterou o partido mexicano.
Espanha
Madri e Barcelona, na Espanha, foram palcos de contundentes denúncias acerca da prisão de Lula e do Estado de Exceção no Brasil. Em duas ocasiões, na Casa das Américas, em Madri, e no Colégio de Advocacia de Barcelona, a presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff, alertou para as violações dos direitos constitucionais do ex-presidente, condenado sem provas num processo repleto de irregularidades. Antes disso, as duas cidades já haviam feito protestos de rua pela liberdade de Lula. Dilma participou da Conferência “Brasil: uma Democracia Ameaçada”, organizado pela Cátedra de Estudos Jurídicos Ibero-americanos e pela Casa das Américas. Ela também se reuniu com parlamentares e líderes de partidos políticos no Congresso espanhol e recebeu o apoio do líder do partido Podemos, Pablo Iglesias, que manifestou solidariedade à causa do PT.
Bélgica
Em frente à sede do Parlamento Europeu, em Bruxelas, na Bélgica, um grupo de manifestantes demonstrou repúdio à ruptura democrática no Brasil. A manifestação contou com a presença do deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP), que é vice-presidente da delegação brasileira no Parlamento do Mercosul (Parlasul). O grupo denunciou a negativa do judiciário brasileiro em conceder habeas corpus ao ex-presidente Lula, definida pelos manifestantes como uma violação perpetrada pelo poder judiciário brasileiro à Constituição Federal e ao devido processo legal. Defendeu ainda respeito ao texto constitucional, que implicaria em reconhecer a presunção de inocência de Lula, conforme define o parágrafo 57, do artigo 5° da Carta Magna brasileira.
Outros Lugares
A mobilização internacional pela liberdade de Lula só cresce. Várias cidades do mundo já fizeram protestos gritando #LulaLivre, como Amsterdã, Frankfurt, México, Roma, Lisboa, Nova York, Buenos Aires, Montevideo, Quito, Londres e Bruxelas. Muitas dessas cidades fizeram mais de um ato contra a ruptura democrática no Brasil e o desrespeito à sua Constituição. A maioria dos atos ocorreu em frente a embaixadas ou representações brasileiras. Na Suécia, por exemplo, o grupo BRASSAR (Brasileiros na Suécia pela democracia e contra o golpe) fez ato em frente à embaixada do Brasil, em Estocolmo. Protesto semelhante ocorreu em Washington, onde um grupo de brasileiros se manifestou em frente ao Consulado Geral do Brasil contra a prisão de Lula.