Em pleno período de pandemia, e com grande parte dos trabalhadores em quarentena, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira (14), com o voto contrário da Bancada do PT, um dos mais cruéis ataques aos direitos trabalhistas já realizados na história do País. A Medida Provisória 905, do governo Bolsonaro, apelidada de MP da Maldade, retira direitos de futuros trabalhadores e traz a ameaça de desemprego para os que ainda estiverem trabalhando após o período da quarentena provocada pela crise do coronavírus.
A MP institui a carteira de trabalho “verde e amarela”, uma espécie de contrato onde os futuros trabalhadores – jovens entre 18 e 29 anos e maiores de 55 anos – receberão até um salário mínimo e meio (hoje R$ 1.567,50) e poderão ser contratados com menos direitos que os demais trabalhadores.
Para o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), haverá aumento da rotatividade, com demissão daqueles que ganham mais para serem substituídos por trabalhadores contratados pelo novo modelo. A avaliação é do diretor técnico do Dieese, Fausto Augusto Junior. Para ele, trata-se de mais uma “reforma” que retira direitos do trabalhador e não deveria estar sendo discutida no contexto atual.
“No meio dessa pandemia, o que vamos assistir é demissão de um lado e depois reposição com contratação através desse maldito contrato verde e amarelo. A MP incentiva um processo de contratação a partir de uma base tanto de salário quanto de direitos muito menor. É preocupante neste momento. Não dá para votar questões extraordinárias no meio disso tudo”, afirmou Fausto Junior em entrevista à Rádio Brasil Atual, na quarta-feira (15).
Retrocessos
A medida proposta pelo governo Bolsonaro, que ainda precisa ser apreciada pelo Senado, praticamente acaba com o 13º salário, um terço de férias e a multa indenizatória do FGTS em casos de demissão para esses futuros trabalhadores ao permitir que o patrão dilua o pagamento dos benefícios em até dozes vezes. Também reduz a multa paga ao trabalhador em caso de demissão sem justa causa, que passa dos atuais 40% do valor total para apenas 20%.
Além desses retrocessos, o texto aprovado pela Câmara permite que as empresas crie banco de horas como alternativa ao pagamento de 50% a mais pelas horas extras realizadas. A medida ainda restringe o conceito de acidente de trabalho (na ida ou volta pra casa do trabalhador) para fins de aposentadoria. Pela proposta, o acidente será considerado apenas se houver dolo ou culpa e se ocorrer em veículo fornecido pela empresa.
Algumas categorias profissionais também perdem com a MP 905 do governo Bolsonaro. Esse é o caso dos bancários, que passam a ter carga horário de 8 horas diárias, ao contrários das atuais 6 horas de jornada. Várias atividades bancárias também passam a ocorrer aos sábados, domingos e feriados. Entre elas automação bancária; teleatendimento; telemarketing; serviço de atendimento ao consumidor; ouvidoria; áreas de tecnologia, segurança e administração patrimonial; atividades bancárias de caráter excepcional ou eventual e em feiras, exposições ou shopping centers e terminais de ônibus, trem e metrô.
Leia abaixo outros retrocessos contidos na MP 905:
Negociado sobre o legislado
Prevê que o negociado passa a prevalecer sobre o legislado, para todos os trabalhadores. No caso especifico das regras do “contrato verde e amarelo”, esta passa a prevalecer inclusive sobre a CLT e os acordos ou convenções coletivas das categorias dos trabalhadores.
Dificuldade de acesso à Justiça
Altera a CLT ao reforçar o acordo extrajudicial para solução de conflitos individuais, substituindo a homologação judicial por uma “escritura pública”. Com este procedimento, o trabalhador não poderá mais contestar judicialmente algum abuso ou ilegalidade contida no acordo, que diante da vulnerabilidade do empregado ou pressão do patrão tenha sido admitida no momento de assinatura do documento.
Redução dos créditos trabalhistas
Os juros sobre a atualização das dívidas trabalhistas também é reduzido drasticamente com a MP 905. A proposta fixa o IPCA-E como regra de atualização dos créditos decorrentes de condenação judicial, e fixa os juros da caderneta de poupança para correção da dívida não paga pelo executado. Como atualmente a correção de qualquer débito trabalhista (decorrente ou não de condenação judicial) é feita com base em jutos de 1% ao mês, com a medida haverá incentivo aos empregadores sonegarem o pagamento dos direitos até a decisão judicial. A previsão é de que haverá redução de até 50% nos juros de atualização da dívida.
Privatização no pagamento de benefícios Previdenciários
Prevê que empresas, sindicatos e entidades fechadas de Previdência Complementar possam, por celebração de Acordo de Cooperação Técnica com o INSS, encarregar-se, relativamente a seus empregados, associados ou beneficiários, de requerer benefícios previdenciários por meio eletrônico. Além disso, remete para ato próprio do INSS a definição das obrigações, condições e valores devidos pelas instituições financeiras responsáveis pelo pagamento dos benefícios pelo INSS. Isso é o descontrole legal quanto a garantia e condições de pagamento dos benefícios do INSS a seus segurados.
Flexibiliza a fiscalização de irregularidades trabalhistas
Os procedimentos da inspeção do trabalho são alterados por uma redação que fragiliza à ação estatal de proteção e fiscalização do ambiente de trabalho. Estabelecem controle da atuação dos fiscais para que não tenham espaço para exercer o poder de polícia conforme o caso concreto. Também são estimulados termos de compromisso que exime de punição o empregador infrator.
Precarização dos contratos de trabalho no campo
O texto aprovado permite que ocorra contratação pela modalidade da “carteira de trabalho verde e amarela” no campo, exceto para fins de safra. A medida precarizar as relações de trabalho no campo ao admitir que o empregado contratado possa ser demitido 180 dias depois.
Héber Carvalho