Movimentos sociais denunciam retrocessos em políticas públicas agrárias e agrícolas

Luta dos movimentos é permanente. Foto: Fabio Pozzobom/Agência Brasil

“Nada mete mais medo na burguesia que o povo organizado” foi uma das frases proferida por Antônia Ivoneide Silva – também conhecida como Neném -, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que ecoou no Seminário Resistência, Travessia e Esperança nos Territórios Rurais que ocorreu nesta terça-feira (15), e debateu a Resistência Popular no Campo e o Papel das Organizações. A frase simboliza a resistência popular e sintetiza o pensamento do MST e de vários movimentos sociais do campo que participaram do evento, os quais denunciaram retrocessos em políticas públicas agrárias e agrícolas.

A atividade foi organizada pelas bancadas do PT na Câmara, e no Senado, em conjunto com a Fundação Perseu Abramo e a Secretaria Agrária Nacional do PT e Núcleo Agrário do PT no Congresso Nacional, coordenado deputado Pedro Uczai (PT-SC). O debate contou com a participação dos deputados Padre João (PT-MG), Nilto Tatto (PT-SP) e João Daniel (PT-SE).

Resistir, ocupar e produzir

Em sua exposição, Antônia Ivoneide lembrou que no período em que o governo não acenava com a possibilidade de fazer a reforma agrária e a repressão às lutas sociais era grande, o lema do MST era “ocupar, produzir e resistir”. Segundo ela, essa resistência representa, até hoje, “a luta pela terra, com tantas ameaças, amedrontamentos, intolerância, onde a ignorância é propagada em todos os cantos”.

A dirigente denunciou ainda que uma das políticas que o MST defendeu anteriormente, como processo da regularização fundiária para atender aqueles que não tinham terra, “essa política virou para atender os que já têm terra e que querem muito mais”.

“Tudo é utilizado para se apropriar de forma ilegal ou regularizar o processo de titulação forçada dos assentamentos sem debate, sem discussão, sem construção organizada. Está dentro dela aqueles que querem se apropriar das terras dos indígenas, dos camponeses de forma geral para dali tirar riqueza. Portanto se apropriar das águas, das florestas, de todos os bens, mas com interesse particular e privado, e tirar dali seu lucro”, criticou Neném.

“Portanto, essa resistência na Terra é muito importante para que a gente permaneça nessas terras, nesses territórios”, defendeu. Para Neném, a luta e resistência são importantes porque “nada mete mais medo na burguesia que o povo organizado”.

Resistência

O presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), Aristides Veras dos Santos, lembrou que cada um dos movimentos presentes no debate têm história de resistência, luta e formulação.

Aristides abordou a fragilidade do Estado brasileiro. Para ele, o Estado está a serviço do que tem de pior no Brasil, do que é mais conservador. Segundo ele, o governo brasileiro se aliou a setores militares, da igreja, do agronegócio, das mineradoras e das madeireiras. “Então, aquilo que tem de pior do ponto de vista da evolução aqui na sociedade brasileira se aliou ao atual governo e as consequências são gravíssimas nesse momento”, alertou.

O sindicalista ainda citou que o papel das organizações sociais no atual momento é de resistência. Segundo ele, não fosse a resistência das entidades sociais e sindicais, a situação pela qual passa o país “poderia estar ainda pior”.

“Acho que a resistência que a gente tem no Parlamento por parte das bancadas, a exemplo da bancada do PT junto com a gente que está no campo e nas cidades, as centrais sindicais na liderança da CUT conseguimos evitar problemas maiores e, na sociedade, ganhar o debate da vacina, por exemplo”, destacou o presidente da Contag acerca da unidade em torno de assunto de interesse da população.

Autonomia no campo

Dione Torquato, integrante da direção nacional do Conselho Nacional dos Extrativistas (CNS) destacou a importância dos movimentos populares no Brasil e o legado construído nas políticas públicas, sobretudo em defesa do campo, da floresta e das águas.

“Vale a pena ressaltar que os movimentos, historicamente, sempre lutaram e combateram a desigualdade, lutaram pela soberania, segurança alimentar, lutaram contra a desigualdade e sobretudo pela autonomia no campo”, afirmou.

O extrativista disse que os povos da floresta vivem profundas ameaças dentro de seus territórios. Segundo ele, há uma estratégia clara do governo de apropriação dessas terras que pertencem à União e passar isso ao setor privado. “Isso tem consequências diretas não só pra questão ambiental mas sobretudo para a cultura desses povos, e são consequências que são geradas para todo o Brasil – do campo, da floresta e das águas – como atores sociais importantes na construção da democracia no país”, alertou Torquato.

Sem Luta não há conquista

Dione Torquato disse que o CNS tem claro que há a necessidade de continuar resistindo e defendendo as conquistas. “Eu acredito muito que sem a luta não há conquistas. E sem a conquista não há como pensar com os povos e sem os povos não há como pensar numa história e a diversidade desse país, porque certamente eles serão apagados ou simplesmente esquecidos”.

“Então, nós temos que continuar resistindo em trincheiras para manter o legado e a diversidade tão importante que contribui para a identidade do nosso país que são o campo, as águas as florestas e as cidades unificados, garantindo direitos sociais”, defendeu Dione Torquato.

Soberania alimentar

Para Isabel Ramalho, da direção nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), o campo precisa ser olhado como “um lugar de geração de renda necessário e é fundamental ao território, a todos as famílias camponesas, indígenas, quilombolas, os extrativistas, enfim, todos os trabalhadores do campo que precisam ter garantido acesso à terra”.

Segundo ela, essa é a primeira condição para que o povo do campo seguir como camponeses, cumprindo com a missão de produzir alimentos de qualidade para alimentar o povo brasileiro. “Não dá para seguir achando que o agronegócio algum dia vai garantir soberania alimentar nesse país, pelo contrário, o que tem feito até hoje”, criticou Isabel Ramalho.

Eleger Lula

Em sua exposição, Michela Calaça, dirigente nacional do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) foi categórica em afirmar: “Um pressuposto desse debate é que a nossa tarefa zero e no MMC, e a gente tem isso muito nítido é eleger o presidente Lula. Essa é a nossa grande tarefa deste ano. É eleger, é organizar para eleger, é organizar para sustentar seu mandato”.

Michela disse que é necessário pensar a conformação do Estado que se quer a partir da eleição do ex-presidente Lula e pensar o projeto de desenvolvimento nacional que deve ser implantado.

Agricultura familiar resiste

Já Marcos Rochinski, dirigente nacional da Confederação Nacional dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura Familiar do Brasil (Contraf-Brasil/CUT), defendeu a reconstrução do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, retomar o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural, retomar a política dos territórios, “como bases para a construção de políticas diferenciadas”.

Para o dirigente sindical, resistência no Brasil é o que a agricultura familiar faz. “Mesmo apanhando, mesmo fora do orçamento, mesmo fora das linhas de créditos e assistência técnica, o povo, concretamente, continua resistindo e desenvolvendo suas atividades, dentro das suas propriedades, dentro dos seus territórios”, destacou.

Benildes Rodrigues

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