Especialistas em Previdência do Brasil, Chile e Argentina afirmaram durante seminário sobre a Reforma da Previdência na Câmara, na quarta-feira (20), que o modelo previdenciário que o governo Bolsonaro quer instituir no País está fadado ao fracasso. Segundo os estudiosos do Chile e da Argentina, o sistema de capitalização – defendido pelo ministro Paulo Guedes -, ao privatizar a Previdência instituindo contas individuais para garantir a aposentadoria futura de cada trabalhador vai gerar milhões de idosos miseráveis, caso seja adotado. Já os especialistas brasileiros apontaram retrocessos sociais e econômicos para o Brasil se a proposta de Bolsonaro prosperar.
Sobre o modelo de capitalização que Bolsonaro quer instituir, substituindo o atual sistema de repartição solidária – quando os trabalhadores da ativa contribuem para financiar a aposentadoria de todos os futuros aposentados – o especialista previdenciário chileno e cientista social Recaredo Galvez demonstrou que a experiência em seu país demonstra que o Brasil deve manter o seu sistema previdenciário atual.
“O modelo de capitalização implantado no Chile pelos Golden Boys de Chicago (entre eles Paulo Guedes) durante a ditadura de Pinochet, aumentou a pobreza entre os idosos. A pobreza atinge 37,6% entre os trabalhadores com mais de 60 anos enquanto o índice é bem menor entre os trabalhadores das demais idades. A população começa a se rebelar contra o atual sistema previdenciário chileno”, revelou.
Segundo ele, “o curioso é que enquanto organizações sindicais estão propondo no Chile a adoção do atual modelo brasileiro, o Brasil (leia-se governo Bolsonaro) quer adotar o nosso sistema”. O comentário gerou risos no auditório. Recaredo Galvez destacou ainda que, apesar dos prejuízos sociais, a privatização da Previdência chilena revelou-se um ótimo negócio para o mercado financeiro.
“A capitalização (da Previdência chilena) chega a US$ 200 bilhões, mas é administrado por apenas 10 empresas e bancos”, observou. Ele revelou ainda que 41% desse montante, US$ 85 bilhões, é investido no exterior. “Grande parte nos Estados Unidos”, demonstrou. Recaredo condenou a tentativa de capitalização da Previdência brasileira ao afirmar que o mundo está tomando o sentido contrário. “Segundo estudo da OIT (Organização internacional do Trabalho- ONU), de 30 países que privatizaram a Previdência 18 deles já aprovaram reformas para reverter a situação”, explicou.
Argentina
Já o especialista argentino Júlio Durval Fuentes, que é Presidente da Confederação Latino-Americana de Trabalhadores Estatais (Clate), destacou que durante os 14 anos em que o sistema previdenciário argentino esteve privatizado, foi o período que o país portenho mais sofreu com a desindustrialização. “Portanto é falso o argumento de que a privatização gera fundos para serem aplicados no desenvolvimento do País”, detalhou.
Ainda sobre o modelo de capitalização da Previdência, o diretor técnico do DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), Clemente Ganz Lúcio, disse que a simples menção sobre essa mudança é uma demonstração de que o atual governo não quer financiar o bem-estar do povo brasileiro na aposentadoria. “Eles estão dizendo, nós (governo Bolsonaro) não queremos gastar com vocês. Vamos destinar os recursos do País aos ricos, ao setor financeiro”, observou.
O diretor do DIEESE destacou ainda que a proposta de reforma de Bolsonaro, ao dificultar o acesso à aposentadoria e aliada à precarização do trabalho como resultado da Reforma Trabalhista, “vai transformar a Previdência Pública em pó”. “A Previdência Pública não vai se sustentar apenas com as contribuições sobre a folha de pagamento das empresas. Alguém tem dúvida do impacto de tirar R$ 1 trilhão da renda das aposentadorias nas regiões mais pobres do País?”, questionou Clemente Lúcio. Segundo ele, a solução para manter o atual sistema previdenciário brasileiro passa por uma reforma tributária mais justa.
Mais ricos devem pagar mais
Sobre este tema, o doutor em Economia e mestre em Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Eduardo Fagnani defendeu que os mais ricos contribuam mais para manter a aposentadoria dos mais pobres.
“É possível aumentar a renda taxando mais a renda e o patrimônio e ao mesmo tempo reduzindo a tributação sobre o consumo e a folha de pagamento das empresas, preservando o estado social da Constituição de 1988”, disse.
Como exemplo da tributação dos mais ricos, Fagnani citou a cobrança progressiva do Imposto de Renda. “A alíquota máxima do imposto de Renda nos países da OCDE chega a 50%, e aqui no Brasil o máximo é de 27%. Quem ganha 240 mil reais no Brasil, tem 70% de sua renda isenta de tributação”, explicou.
O professor ressaltou ainda que é possível arrecadar US$ 160 bilhões apenas com o aumento nas alíquotas do IR, sem aumentar as faixas para a classe média. “Podemos atingir esse montante isentando do IR quem ganha até 4 salários mínimos (38% dos contribuintes), desonerando quem ganha entre 4 e 15 salários mínimos (27% dos contribuintes), mantendo a alíquota máxima atual entre 15 a 30 salários mínimos e aumentando apenas para quem ganha acima de 60 salários mínimos com duas novas alíquotas, atingindo apenas 2% dos contribuintes”, detalhou.
O professor da Unicamp defendeu ainda maior taxação do Imposto Territorial Rural, responsável hoje por apenas 0,1% da arrecadação federal. “Isso em um setor responsável por 50% das exportações, que já é isento de impostos”, lembrou. Ele disse ainda que outras fontes de financiamento da Previdência podem ser o combate à sonegação (R$ 500 bilhões) e isenções fiscais da União e Estados (R$ 406 bilhões).
PT
Diante do que foi exposto pelos especialistas, o líder do PT, deputado Paulo Pimenta (RS), declarou no encontro que o partido seguirá na luta contra a Reforma da Previdência.
“Essa reforma tem um erro conceitual de tratar a Previdência Pública como uma questão fiscal, desrespeitando a Constituição de 1988 que a trata como seguridade social. O PT tem lado, sempre esteve ao lado dos trabalhadores, e nesse momento crítico e delicado do País estará ao lado de vocês, mobilizando a sociedade para derrotar essa reforma que prejudica os trabalhadores do País”, garantiu.
Também participaram do debate os representantes da Contag, Evandro Morello, e o consultor de entidades sindicais, Vladimir Nepomuceno.
Héber Carvalho