Com o início da vacinação em todo o país, na segunda-feira (18), impõe-se o enorme desafio de imunizar a população brasileira para evitar novos picos de casos graves e mortes. Com atrasos na aquisição dos imunizantes e desorganização logística do governo federal, os efeitos de uma campanha nacional de vacinação devem demorar pelo menos 90 dias para aparecer, avaliam especialistas. O país dispõe hoje de doses para vacinar 2,8 milhões de pessoas, o que representa cerca de 4% dos grupos prioritários, como profissionais de saúde, idosos e pessoas com comorbidades.
“Apesar de finalmente termos o início de uma campanha de vacinação, que ainda vai sofrer com uma série de obstáculos, a maioria deles criado pela inépcia e inoperância do Ministério da Saúde, serão precisos meses para que o efeito das vacinas seja sentido em termos de uma queda significativa na transmissão do coronavírus a nível populacional”, advertiu o coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste, Miguel Nicolelis, em coluna para o jornal ‘ El País’.
De acordo com o governador do Piauí Wellington Dias, que está à frente do Fórum dos governadores, o abastecimento das vacinas deve começar a ser normalizado apenas em abril. “Nós temos uma condição segura de até abril chegar a próximo de 100 milhões de doses. Em janeiro e fevereiro, vamos ter poucas doses; em março deve começar a melhorar e a normalizar lá para abril, quando teremos um volume bem maior, com cerca de 30 milhões de doses por mês”, disse Dias ao site ‘Metrópoles’. A Região Nordeste receberá cerca de 1,4 milhão de doses do primeiro lote.
‘Lockdown’ para evitar colapso mútiplo
Por isso, a comunidade científica é unânime quanto à necessidade de um aumento das medidas de prevenção contra a Covid-19, sob risco de novos colapsos dos sistemas de saúde, a exemplo de Manaus, na semana passada. Nicolelis, em particular, defende a adoção urgente de um ‘lockdown’ para impedir o contágio desenfreado no Brasil.
“Infelizmente, como o colapso estarrecedor e sem precedentes ocorrido na cidade de Manaus ilustrou de forma explícita, o Brasil vai precisar de muito mais do que vacinas eficazes e seguras contra a Covid-19 para escapar dos múltiplos colapsos”, alertou Nicolelis.
O cientista avalia que o risco de falência do sistema de saúde é nacional. “Além da falta de leitos para internação de novos casos graves de covid-19, existe também a possibilidade concreta de que um grande número de municípios sofra um colapso de abastecimento de insumos médicos, fazendo com que a crise de fornecimento de oxigênio de Manaus se transforme numa imagem recorrente em todo o país”, insiste o neurocientista, alertando ainda para outro colapso, o funerário.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) também advertiu que a chegada da vacina não é motivo para relaxar medidas de segurança, visto que, “particularmente na Europa e nas Américas, profissionais de saúde e sistemas de saúde estão se aproximando do limite”, afirmou o diretor da agência, Tedros Adhanom Ghebreyesus.
Gargalos logísticos
Em meio à inoperância do governo, para não falar do negacionismo que se manifesta na guerra de desinformação promovida por Bolsonaro – na segunda, ele voltou a defender o “tratamento precoce” contra a doença – o país ainda precisa lidar com gargalos logísticos. O maior deles, além da importação de doses prontas da vacina, é a aquisição de insumos para a produção local de imunizantes.
O desafio é conseguir viabilizar a importação da China de matéria prima a ser utilizada para as vacinas do Butantan e da Fiocruz, que firmaram parcerias com a chinesa Sinovac e a Universidade de Oxford, respectivamente. O chamado IFA (Ingrediente Farmacológico Ativo) é disponibilizado pelos chineses. Após ataques da família Bolsonaro à China e, diante da total inabilidade do corpo diplomático brasileiro, não se sabe quando o país poderá contar com os insumos chineses.
De acordo com o ‘El País’, a pasta da Saúde espera acumular 354 milhões em 2021, “mas conta com doses que ainda serão fabricadas”. “O que temos hoje são gotas dentro do oceano diante da magnitude territorial e populacional do Brasil”, afirmou uma das coordenadoras da Sociedade Brasileira de Imunizações – Regional São Paulo, Melissa Palmieri. A especialistas defende que o país precisa efetuar compras de vacinas prontas e aprovadas em outros países, a exemplo da russa Sputnik.
Redação da Agência PT, com informações de ‘El País’ e ‘Metrópoles’