Certa feita Darcy Ribeiro disse que o governo João Goulart tinha sido derrubado mais em razão de suas virtudes do que por seus defeitos, como alardeavam seus detratores à direita e à esquerda. Em certa medida – guardadas as devidas proporções históricas – pode-se dizer o mesmo das críticas a política fiscal do governo Dilma Rousseff.
Na semana passada, a agência de classificação de riscos Moody’s promoveu o México, que recebeu o grau A para títulos da dívida do governo, honraria que até agora, na América Latina, era concedida apenas ao Chile. O Brasil, cujo rating está em “BBB” – uma escala acima do grau de investimento, obtido em maio de 2008 –, teve sua nota colocada em perspectiva negativa pela agência Standard & Poors em junho último. Será que essas avaliações são objetivas?
Vejamos a questão mais de perto. Os principais motivos alegados pela Moody’s para promover o México são as recentes reformas do governo, como a abertura no setor petrolífero; a tentativa de quebrar monopólios privados nas telecomunicações, o aperfeiçoamento do sistema de ensino e a nova lei fiscal. Com isso, a expectativa da agência de classificação é que o México cresça 4% este ano. A Mood’s acredita, com alto grau de subjetividade, que as reformas mexicanas poderão impulsionar uma mudança estrutural no país. Trata-se de um “otimismo tão exuberante quanto temerário”, como lembrou o jornal Valor em editorial desta semana.
Senão, vejamos alguns números. O México tem um PIB (US$ 1,2 trilhão) que é metade do PIB brasileiro; uma dívida externa bruta (US$ 372 bilhões) bem maior que a do Brasil (US$ 312 bilhões), e que em 2013 equivaleu a 29% do PIB, contra 3,1% da dívida do Brasil. E nós ainda temos US$ 375 bilhões de reservas cambiais, enquanto que o México tem apenas US$ 184 bilhões.
A situação fica mais evidente na questão fiscal. Entre 2010 e 2012, por exemplo, enquanto nós alcançamos um superávit fiscal médio de 2,6% do PIB, o incensado México amargou um déficit fiscal primário médio de 1,3% do PIB. Mesmo nos anos em que conseguiu produzir superávit fiscal, entre 2006 e 2009, o México atingiu uma média de 1,6%, enquanto que o Brasil, neste mesmo período, obteve um superávit fiscal médio de 3,6% do PIB, segundo dados do Monitor Fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI).
E, quando se compara o Brasil às demais economias em desenvolvimento, os números novamente evidenciam a boa condução da política fiscal do país. Vamos ficar apenas em um caso, o do Chile, outro ‘queridinho’ das agências de classificação. No período entre 2009 e 2012, o Chile obteve um déficit primário médio de 0,6% do PIB, enquanto que o Brasil alcançou superávit de 2,5%. A própria América Latina como um todo teve um superávit fiscal inferior ao do Brasil, no período 2006-2012, ainda segundo o FMI.
A análise dos dados referentes ao resultado fiscal do governo geral (União + Estados + Municípios), nos últimos dez anos, mostra que a política fiscal levada a cabo pelos governos Lula e Dilma foi conduzida com base em claro compromisso com a manutenção da sustentabilidade da dívida pública. Ou seja, o governo gerenciou suas contas de modo compatível com a manutenção da capacidade de pagamento dos seus compromissos.
Entre 2003 e 2008, o superávit primário observou uma média da ordem de 3,5% ao ano. Nos últimos cinco anos, entre 2009 e 2013, período marcado por fortes turbulências financeiras e baixo ritmo de crescimento da economia mundial, o compromisso foi mantido e, apesar da necessidade de desenvolver políticas anticíclicas (orientadas para a manutenção do emprego e da renda), os resultados primários permaneceram positivos, observando uma média da ordem 2,4% ao ano. Isso foi decisivo para redução da dívida líquida do setor público (diferença entre a dívida financeira e os haveres financeiros do setor público). Em 2003, essa dívida era igual a 54,8% do PIB; em 2013, com dez anos de declínio, a dívida passou para 33,8% do PIB.
Vivemos, portanto, um momento curioso, onde os indicadores econômicos definitivamente não dão razão para tanto mau humor de setores importantes do empresariado, das agências de avaliação de risco e, consequentemente, da imprensa especializada. É o caso de nos perguntarmos se uma certa ideologia do “único receituário correto” (em contraposição aos resultados concretos) que tanto contaminou o FMI et caterva em um passado recente, não estaria turbando, mais uma vez, a vista do especialistas de plantão.
Publicado em Jornal O Liberal – Poder em 16/02/2014