Mangabeira Unger: Brasil tem tudo para iniciar novo ciclo de desenvolvimento

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Em artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, nesta terça-feira (5), o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Roberto Mangabeira Unger, diz que o País “tem tudo para iniciar um novo e duradoura ciclo de desenvolvimento”. Ele lembra que o País conta com “os recursos mais importantes: vitalidade assombrosa, unidade nacional, abertura de espírito para o novo e recursos naturais sem par. O Brasil é o único país do mundo com que se podem comparar os EUA’’. Abaixo, a íntegra do artigo:

Bê-á-bá do novo modelo de desenvolvimento

O Brasil tem jeito?
A despeito das dificuldades que enfrentamos, o Brasil tem tudo para iniciar um novo e duradouro ciclo de desenvolvimento. Contamos com os recursos mais importantes: vitalidade assombrosa, unidade nacional, abertura de espírito para o novo e recursos naturais sem par. O Brasil é o único país do mundo com que se podem comparar os EUA.

O que precisamos fazer para aproveitar esse potencial?
Organizar uma estratégia de desenvolvimento baseada em ampliação de oportunidades econômicas e de capacitações educacionais. Democratizar consumo e demanda exige só dinheiro. Democratizar a produção e a oferta requer inovação institucional, inclusive na maneira de organizar a economia de mercado.

Qual o maior defeito do modelo econômico existente?
É a baixa produtividade do trabalho. Empregamos expressiva maioria de nossa força de trabalho em serviços de baixa produtividade. E usamos as riquezas da natureza para disfarçar as consequências.

Quais são as partes centrais do novo modelo?
São duas. A parte econômica é o produtivismo includente: conjunto de iniciativas destinadas a equipar o tremendo dinamismo empreendedor que continua a se afirmar no país. A parte intelectual é a qualificação do ensino básico: a substituição do enciclopedismo raso por ensino analítico.

Qual o conteúdo do produtivismo includente?
Seu primeiro componente é ampliar o acesso ao crédito, à tecnologia e às práticas inovadoras em favor das médias e pequenas empresas, protagonistas de nossa economia. Até nossas maiores empresas precisam de choque de ciência e de tecnologia: a especialização em recursos naturais estreitou o espectro de tecnologias e práticas que dominam.
Seu segundo elemento é apostar na valorização do trabalho e do trabalhador. A precarização crescente dentro da própria economia formal é inimiga do desenvolvimento. Precisamos governar as realidades emergentes da produção.
Sua terceira parte é derrubar travas ao impulso produtivista que resultam da confusão jurídica. Tem de haver regra. Em vez de regra, costuma haver delegação de poderes discricionários a burocratas, juízes e procuradores –por exemplo, em nosso pseudodireito ambiental (que não estabelece normas claras para reger situações diferentes) ou em nossa legislação de controle (que presume a desonestidade e sufoca a inovação).

O que devemos fazer para qualificar o ensino básico?
Implantar o federalismo cooperativo na educação, redefinir o currículo como sequência de capacitações analíticas ligadas a conteúdos variáveis e aprofundados, pôr a cooperação na maneira de ensinar e de apreender no lugar da combinação de individualismo e autoritarismo que marca nossas salas de aula.
É preciso também lançar mão de numerosas iniciativas destinadas a qualificar os professores e diretores e usar tecnologias, como o ensino a distância e os softwares interativos, para prover os professores de melhores instrumentos e para acelerar a mudança.

Qual é a relação entre ajuste fiscal e produtivismo includente e capacitador?
Ajuste fiscal não é agenda. É preliminar de agenda. Precisamos acertar as contas públicas, inclusive para assegurar ao Estado margem de manobra. O objetivo maior do ajuste fiscal não é ganhar confiança financeira –é não depender da confiança financeira. A alternativa produtivista e capacitadora consolida a primazia dos interesses do trabalho e da produção sobre os interesses do rentismo financeiro.

Não precisamos fazer a reforma política antes de reorientar o rumo do país?
Nenhuma sociedade reforma suas instituições políticas para só depois decidir o que fazer com elas. A reforma política ocorre no meio de luta para reorientar o rumo, não antes. Há exceção a esse princípio: reordenar desde já o financiamento eleitoral para tirar a política da sombra corruptora do dinheiro.

Mas como fazer tudo isso em meio às confusões atuais da política?
As pequenas desavenças entre políticos são desimportantes. Importante é o Brasil ter projeto forte. Pode. Precisa. Terá.

(*) ROBERTO MANGABEIRA UNGER, 68, professor da Universidade Harvard (EUA), é ministro de Assuntos Estratégicos, cargo que ocupou no governo Lula

Foto: Enric Vives-Rubio/Pùblico

 

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