Na mesma semana em que a OMS e a OMC, duas das mais importantes agências da ONU, reconheceram o fracasso na distribuição de vacinas às economias mais pobres, o presidente Lula voltou a enfatizar a necessidade de uma reestruturação das Nações Unidas. Para Lula, ela está no cerne da construção de uma nova governança global. O primeiro passo está na quebra das patentes das vacinas, insiste o ex-presidente, em entrevista ao programa italiano Sky tg24, nesta sexta-feira (23). “Vacina não deve ser só para quem pode comprar, mas para todos os seres humanos”, define o petista. Na entrevista, Lula enalteceu as relações do Brasil com a União Europeia, em especial a Itália, e condenou a atuação nefasta de Bolsonaro na pandemia e o embargo americano a Cuba.
“Acho que falta uma governança global que leve em conta a realidade do mundo de hoje, apontou Lula. “As Nações Unidas hoje não representam mais a geopolítica atual”, observou. Na avaliação do ex-presidente a solução para a pandemia deve ser global, com os países mais ricos assumindo a responsabilidade no enfrentamento da crise.
“Há muito tempo venho dizendo que a vacina deve ser um bem para a humanidade”, justificou Lula, ao abordar a quebra das patentes das vacinas. “Os países ricos devem ser capazes de garantir que todos os países – independentemente de sua condição econômica, possam receber vacinas. Porque todos os habitantes do planeta têm o direito de serem tratados com dignidade”, pontuou, lembrando que, no atual mundo globalizado, “sempre há uma maneira de marginalizar uma parte da humanidade”.
“Já mandei mensagem a Biden, a Macron, a Angela Merkel, para a China… As vacinas devem chegar a quem não tem chance”, cobrou. “Então, se eu pudesse enviar uma mensagem ao Draghi [primeiro-ministro da Itália], eu diria que é importante que na reunião do G20, em outubro, a decisão [de quebrar parentes] seja tomada por todos os países, para compensar as deficiências de vacinas nos países mais pobres. O apelo que gostaria de fazer é o seguinte: a vacina não é só para quem pode comprar, mas para todos os seres humanos”, sentenciou.
Embargo a Cuba
Lula voltou a criticar a recente ofensiva dos EUA contra Cuba, com o endurecimento dos embargos. Ele assinou nesta semana um manifesto, ao lado de mais de 400 lideranças e personalidades mundiais, para pedir o fim do bloqueio econômico ao povo cubano.
“Sobre os protestos em Cuba, toda sociedade tem o direito democrático de se manifestar”, defendeu Lula. “Mas para mim o problema dos cubanos deve ser resolvido pelos cubanos. Esse embargo causa tantos danos aos cubanos que eles não conseguem construir uma vida melhor. Isso precisa acabar. Depois de 60 anos de revolução, não há explicação para um embargo como esse em curso contra Cuba”, lamentou.
O negacionismo de Bolsonaro
Lula também foi veemente ao condenar a atuação negacionista de Jair Bolsonaro na pandemia de Covid-19. A omissão do presidente em comprar vacinas e não adoção de medidas não farmacológicas de proteção causaram a morte de 545 mil brasileiros.
“A verdade é que nosso presidente deve ser responsabilizado porque não levou a sério a pandemia”, declarou Lula. “Ele não acreditava no coronavírus, apesar de todas as informações do que estava acontecendo na Itália, apesar das informações da China. Ele disse que era apenas um resfriado, uma gripe que só matava pessoas mais velhas”, observou.
Para Lula, em vez de esforçar-se na compra de imunizantes, como os 70 milhões do consórcio Covax, da OMS, Bolsonaro preferiu investir em remédios ineficazes contra a doença. “Ele acreditava na cloroquina, um medicamento usado contra a malária. Morreram centenas de milhares de brasileiros, homens e mulheres”.
O líder petista reiterou que Bolsonaro deve ser julgado por seus atos. “Uma comissão de inquérito já está investigando a compra de vacinas no Brasil por corrupção. Esperamos para ver o que sairá da CPI”, aposta Lula. “E se nada acontecer até as eleições, o Bolsonaro será, de qualquer forma, julgado pelo povo nas próximas eleições”.
Lava Jato e EUA
Além de expressar descontentamento com as recentes retaliações de Joe Biden aos cubanos, Lula lembrou do papel dos EUA na Lava Jato. A operação, iniciada em 2014, impulsionou o golpe que tirou Dilma Rousseff da Presidência em 2016, para em seguida, levar Lula à prisão em 2018, ano em que concorreria ao Planalto.
‘Temos provas da participação do Departamento de Justiça dos EUA, temos provas da participação de procuradores americanos”, disse. Podemos dizer que houve interferência do Departamento de Justiça em meu encarceramento porque uma mentira foi contada a meu respeito. Eu disse ao juiz que era mentira, mas ele não acreditou”, contou. “Fiquei 580 dias na prisão e demorei quase três anos para provar que estava certo”, relatou.
O ex-presidente considera urgente uma mudança de postura dos EUA nas relações internacionais. “Se eu pudesse enviar uma mensagem ao presidente Biden, diria que é importante que os EUA aprendam a trabalhar com seus aliados de forma mais democrática”, advertiu. “Os EUA não são o xerife do mundo, não devem espionar outros países. Devemos tentar transformar este mundo em um mundo mais humano e solidário. Não devemos estar subordinados: primeiro foi a guerra fria e agora a guerra comercial contra Brasil e China”.
Lula frisou que é importante que os países da América Latina possam exercer suas políticas de forma soberana, sem interferências estrangeiras.
Relações com a União Europeia
Lula reforçou que reconstrução das relações internacionais passam pela manutenção de um amplo diálogo entre a América Latina e União Europeia, que possuem laços históricos profundos. “O estado de bem-estar europeu é um exemplo para nós na América Latina”, destacou.
“Se eu voltar ao governo do Brasil irei recuperar as relações democráticas que tivemos e tentaremos concluir um acordo entre a América Latina e a União Europeia, um acordo que permita aos dois blocos conviverem pacificamente, em uma situação comercial bem sucedida para todos”, garantiu.
E reafirmou sua simpatia pelos vínculos do Brasil com a Itália, em particular, inclusive no processo de formação do povo brasileiro. “O Brasil deve construir uma relação cada vez mais estreita, somos o maior país italiano fora da Itália”, afirmou Lula, para quem as relações com a Itália são uma “necessidade cultural”. “Quando a democracia voltar ao Brasil, nossas relações voltarão a ser muito boas”, prometeu.
Da Agência PT de Notícia