Enquanto a pandemia segue fazendo mais vítimas fatais diárias no país – 842 óbitos somente na terça-feira, 8 –, o governo federal parece mais preocupado em usar a vacina como arma política na guerra contra o governador de São Paulo, João Dória. O ministro da Saúde, General Eduardo Pazuello, sem apresentar qualquer traço de capacidade de gestão, encontra-se desorientado. Um dia após afirmar que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pode demorar até 60 dias para aprovar a utilização de uma vacina e bater boca com Dória sobre a vacina, Pazuello afirmou nesta quarta-feira, em entrevista à CNN Brasil, que “é bem provável” que a vacinação comece entre dezembro e janeiro.
“Se a Pfizer conseguir a autorização emergencial e nos adiantar alguma entrega, isso [o início da vacinação] pode acontecer no final de dezembro ou em janeiro”, disse. “Isso em quantidades pequenas, de uso emergencial”. Para a CNN, Pazuello disse que o contrato com a AstraZeneca prevê 15 milhões de doses a serem entregues em janeiro.
Enquanto isso, o presidente Jair Bolsonaro debocha da dor e da tragédia vivida por famílias que perderam mais de 178 mil pessoas para a doença. Em mais uma desprezível demonstração de homofobia, o presidente apareceu em vídeo nesta quarta-feira fazendo piada sobre a utilização de ozônio. “O prefeito cura a Covid com aplicação de ozônio”, disse Bolsonaro. “Não pergunta onde ele coloca o ozônio, tá?”. E continuou a debochar, com a voz fina: “Estou com Covid”.
O mal encarnado. pic.twitter.com/6nGEVD41Ka
— André Fran (@andrefran) December 9, 2020
A reação a Pazuello veio imediatamente após a reunião com os governadores, quando o ministro anunciou ainda um contrato de “intenção” de compra de 70 milhões de doses da vacina da Pfizer/BioNTech. “Inadmissivel o prazo para aprovação de vacina”, reagiu o deputado federal e ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha (PT-SP). “Hoje descobrimos que o tal acordo de 70 milhões de doses com a Pfizer garantem inicialmente apenas cerca de 4 milhões”, denunciou.
“Sabe quando eu aceitaria um Ministro da Saúde ou Diretor da Anvisa que falasse em um ‘prazo de 60 dias’ para terminar de avaliar uma vacina crucial em meio a uma pandemia que já matou mais de 170 mil pessoas? Nunca”, afirmou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De acordo com ox-mandatário, Pazuello precisa viabilizar um programa nacional, “com segurança e propriedade técnica” e em caráter de urgência.
“Não temos 60 dias para esperar. Precisamos que o governo federal cumpra a sua obrigação: garantir vacina eficazes e seguras para todas e todos pelo SUS”, alertou. “Assistimos emocionados uma senhora de 90 anos ser vacinada pelo Sistema Público de Saúde Inglês e ela dizer comovida que iria poder visitar sua família no Natal”, observou Lula. “Quantas famílias não poderão encontrar os seus porque ainda não temos vacina para todos no Brasil?”, questionou.
A logística do governo não funciona e a esperança de que a população tenha acesso às vacinas em breve pode ser terrivelmente frustrada. A Associação Brasileira da Indústria de Alta Tecnologia de Produtos para a Saúde (Abimed) está preocupada com o atraso na entrega de seringas e agulhas aos setores de saúde. A entidade até agora não recebeu um cronograma do governo federal.
Segundo o presidente da Abimed, Fernando Silveira Filho, os primeiros contatos de órgãos públicos foram feitos na segunda quinzena de julho e de agosto. “E depois foram feitos alguns contatos e não necessariamente avançou. Não temos uma programação”, afirmou à revista Exame. Para Silveira, poderá haver atrasos.
Críticas da ONU ao Brasil
Sem citar diretamente a condução catastrófica do presidente Jair Bolsonaro no combate à pandemia, a Alta Comissária para os Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Michelle Bachelet, cobrou bom senso dos governantes, ouvindo as autoridades de saúde e a comunidade científica.”Muitos governos não atuaram de forma rápida para conter a propagação da Covid-19, […] outros se negaram a levar a pandemia a sério”, afirmou. Bachelet é ex-presidenta do Chile.
“Em qualquer país onde os líderes negaram a existência da Covid-19 e as evidências científicas, isso teve um efeito devastador”, apontou. “Isso ocorreu em muitos países, não apenas no Brasil, mas também no Brasil. Isso é terrível, pois os líderes têm que dar exemplo. Eles devem guiar as pessoas”, criticou Bachelet, sem citar nominalmente Bolsonaro.
Em artigo publicado na Folha, nesta quarta-feira, 11 ex-ministros da Saúde – incluindo os petistas Alexandre Padilha, Arthur Chioro e Humberto Costa – condenaram veementemente a atuação desastrosa do governo. “O país necessita de um plano sólido, abrangente, que contemple todas as vacinas que consigam registro na Anvisa, sem qualquer tipo de discriminação”, apontam. “E que permita, ao longo do ano de 2021, garantir a vacinação para toda a população brasileira, prevenindo o surgimento de doença grave e suas consequências, reduzindo substancialmente a atual pressão sobre nosso sistema de saúde e garantindo o pleno retorno às atividades econômicas e sociais”.
Da Redação, com informações de CNN e Exame