O espaço em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC paulista, ficou pequeno neste sábado (9) para abrigar milhares de militantes, parlamentares, lideranças políticas, intelectuais e sindicalistas que foram participar da festa da democracia. Todos queriam se solidarizar com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que foi colocado em liberdade ontem, depois de 580 dias de prisão política em Curitiba. Feliz, emocionado e bem humorado, Lula agradeceu a todos, e fez um discurso duro contra Jair Bolsonaro (PSL), defendeu as medidas de distribuição de renda de sua gestão e convocou a esquerda a se mobilizar contra o desmonte do Brasil.
“Não tem ninguém que conserte esse País, se vocês não quiserem consertar. Não adianta ficar com medo das ameaças que ele (Bolsonaro) faz na tevê, que vai ter miliciano, que vai ter AI-5. A gente que ter a seguinte decisão: esse País é de 210 milhões de habitantes e não podemos permitir que os milicianos acabem com esse País que construímos”, afirmou.
O ex-presidente Lula questionou a capacidade de Bolsonaro e Paulo Guedes (ministro da Economia) em dar respostas à economia que o Brasil precisa. “O que vejo é que o povo ficou mais pobre, com menos saúde, menos casa, menos emprego. Mais de 40 milhões – 50% da população – está ganhando R$ 413 por mês. Seria importante que ele fizesse o que vocês fazem: pegar R$ 413 e sustentar a família, pagar transporte para trabalhar. Queria que ele fosse para o médico, comprar remédio”, desafiou.
Lula também criticou a postura de Bolsonaro em seus pronunciamentos públicos e lamentou o desrespeito do atual presidente com mulheres, negros, LGBTs e com as pessoas mais frágeis da sociedade. “Essa postura de Bolsonaro também se traduz em suas ações de governo. “Quero saber porque esse cidadão que se aposentou muito jovem quis tirar aposentadoria do povo brasileiro. Quero saber porque esse cidadão que nunca ganhou salário mínimo quer congelar o salário, que nunca teve a carteira profissional azul quer criar a carteira verde amarela que vai ter empregos intermitentes”?”, indagou.
O ex-presidente alertou que o governo Bolsonaro está apresentando ao País um projeto econômico que vai empobrecer cada vez mais a sociedade brasileira. E reafirmou que o povo brasileiro “não merece o governo que tem”. Ele relembrou as políticas sociais e econômicas do seu governo e enfatizou: “A única coisa que me motiva nesse País é que nós já provamos que é possível governar para o povo mais necessitado. É possível colocar pobre na universidade, o povo nas escolas técnicas. Provamos que em 12 anos geramos 22 milhões de empregos com carteira assinada”, apontou.
580 dias na solitária
Lula citou a rotina que tinha durante o período em que foi preso político em Curitiba. “Foram 580 dias numa solitária”, afirmou, citando as poucas visitas de advogados, familiares, religiosos e amigos a que tinha direito. Também relembrou a decisão de se entregar à Polícia Federal naquele dia 7 de abril de 2018. “Quero repetir algo que falei: o homem e a mulher, quando tem clareza do que quer na vida, do que eles representam e que seus algozes estão mentindo – e eu poderia ter ido a uma embaixada, outro país –, mas eu tomei a decisão de ir lá. Preciso provar que o juiz Sérgio Moro não era um juiz, era um canalha. Dallagnol não representa o Ministério Público, que é uma instituição séria. Ele montou uma quadrilha na força-tarefa da Lava Jato. Quem fez inquérito contra mim, mentiu em cada palavra. Se eu saísse, seria um fugitivo”, explicou.
Defesa
Lula agradeceu os advogados Valeska e Cristiano Zanin – presente na festa da democracia – e lembrou que sua luta agora é para que os processos contra ele sejam anulados. “O que nós queremos é que seja julgado o habeas corpus que demos entrada nos STF (Supremo Tribunal Federal) anulando todos os processos feitos contra mim. Existe argumento suficiente para provar que (Sérgio) Moro é mentiroso, (Deltan) Dallagnol é mentiroso. Não é por causa do que foi publicado pelo The Intercept, é pelo que escreveram desde o início lá na minha defesa. Só tem uma explicação para o que fizeram no processo, foi para me tirar da disputa eleitoral”, observou.
Sem ódio
Lula reafirmou a posição de não agir movido pelo ódio. “Aos 74 anos, eu não tenho direito mais de ter ódio em meu coração. Eu estou de bem com a vida e vou lutar por esse País”, garantiu. Ele disse ainda que se preparou “espiritualmente” para não ter ódio. “Sabia que quando eu saísse daqui eu tinha uma missão. Fiquei numa solitária e durante 580 dias eu me preparei. Me preparei para não odiar meus algozes. Eu dormia com a consciência tranquila”, enfatizou.
“Eu não posso ver, aos 74 anos de idade, ver essa gente destruindo o país que nós construímos”, completou. Em seguida, Lula voltou a dizer que “está disposto a voltar a andar por esse país”.
Marielle e Queiroz
O ex-presidente cobrou justiça no caso do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL). Lula disse que Bolsonaro foi eleito para governar para o povo brasileiro e não para os milicianos do Rio de Janeiro. “Não é a gravação do filho dele que vale. É preciso que haja uma perícia séria para que a gente saiba definitivamente quem matou Marielle”, defendeu. Ele também enfatizou que Bolsonaro precisa explicar onde está o Queiroz, se referindo a Fabrício Queiroz, tido como tesoureiro da família Bolsonaro.
Eleições de 2022
Lula explicou que hoje, em São Bernardo, ele estava apenas conversando com a militância, com os sindicalistas e trabalhadores, e anunciou que fará, em breve, um pronunciamento ao povo brasileiro. “Vou rabiscar”, disse. E antecipou a retomada do poder pela esquerda: “Um povo como vocês não depende de uma pessoa, dependem do coletivo. Cassaram Lula e (Fernando) Haddad quase é eleito presidente da República. Tenho certeza de que se a gente tiver juízo, se souber trabalhar direitinho, em 2022 a esquerda, que Bolsonaro tem tanto medo, vai derrubar a ultradireita. Esse País não merece o governo que tem. Não merece um governo de um presidente que manda os filhos todos os dias contar mentiras, através das fake news”.
Vânia Rodrigues