A entrevista coletiva de Lula, após condução coercitiva abusiva e ilegal, revelou não apenas a indignação de quem está sendo alvo de uma perseguição política capitaneada pela grande mídia e por parte da Polícia Federal, do Ministério Público e do Judiciário. A fala de Lula foi mais que um recado à militância, foi mais que um esclarecimento sobre pontos obscuros para a maioria da população aceca dos supostos crimes que lhe são imputados. A fala de Lula foi o posicionamento político de um ex-presidente seguro e pronto para o bom combate. “Quero dizer que não vou baixar a cabeça”, disse Lula.
Nos trechos a seguir, Lula esclarece os motivos da sua indignação com a decisão desnecessária do juiz Sérgio Moro, critica o espetáculo midiático protagonizado pela mídia em torno da ação policial e, dentre outros pontos, detalha o que os investigadores procuraram saber durante seu depoimento. “Mas eu me senti prisioneiro hoje de manhã. Eu sinceramente já passei por muita coisa na minha vida. Não sou homem de guardar ressentimento e guardar mágoa, mas acho que nosso país não pode continuar assim.”
[Confira aqui a fala do Lula com relação ao contexto político]
CONDUÇÃO COERCITIVA
“Era só eu ter me convidado para prestar depoimento, que eu iria. Se vocês não sabem, este ano eu já fui prestar três depoimentos. Um [deles] inclusive eu já estava de férias e fui a Brasília, prestar depoimento de seis horas, para me fazerem as mesmas perguntas que já tinham me feito antes e que me fizeram hoje. Eu não me recusei ir a Brasília prestar depoimento três vezes e eu jamais me recusaria a prestar depoimento aqui. A minha briga com o Ministério Público estadual era porque o procurador já tinha feito o pré-julgamento, e se ele já tinha pré-julgado não havia porque eu ir prestar depoimento no Ministério Público estadual.”
ESPETÁCULO DE PIROTECNIA
“Lamentavelmente, eles preferiram utilizar a prepotência, a arrogância. Um show e um espetáculo de pirotecnia, porque enquanto os advogados não sabiam nada alguns meios de comunicação já sabiam. Então, é lamentável. É lamentável que uma parcela do Poder Judiciário brasileiro esteja trabalhando em associação com a imprensa. Antigamente, você tinha a denúncia de um crime, você ia investigar se existia aquele crime e prender aquele criminoso. Hoje, a primeira coisa que você faz é determinar quem é o criminoso. Depois que você nominou o criminoso, colocou a cara dele na imprensa, você então vai criar os crimes que ele fez.”
CRIMINALIZAÇÃO DO PT
“É preciso criminalizar o PT, criminalizar o Lula, porque esses caras podem querer continuar no governo. Eu só consigo entender uma explicação para tudo isso. Porque não há outra coisa para incomodá-los a não ser a gente ter trabalhado durante todos esses anos para fazer com que as pessoas do andar de baixo subissem um degrau na perspectiva de chegar ao andar de cima. O velho [Octávio] Frias, dono da Folha de São Paulo, quando era vivo, dizia assim pra mim: “Ô Lula, você precisa parar de querer subir degrau. Os do andar de não vão deixar vocês chegarem no andar de cima. Não vão. A elite brasileira é muito conservadora. Ela tem complexo de vira-lata. Ela não vai permitir que vocês cresçam”. E nós crescemos. Chegamos à Presidência. E nós provamos que os pobres que eram a razão da desculpa deles para não fazerem nada neste país não eram o problema. Os pobres viraram a solução deste país.”
MÍDIA X JUDICIÁRIO
Mas eu me senti prisioneiro hoje de manhã. Eu sinceramente já passei por muita coisa na minha vida. Não sou homem de guardar ressentimento e guardar mágoa, mas acho que nosso país não pode continuar assim. Não pode continuar amedrontado. O nosso país não pode ver qualquer juiz que pune alguém receber um prêmio da Rede Globo, da revista Veja, um prêmio não sei de quem e a partir do prêmio todo dia ter que prestar contas. Antes dos advogados saberem que o seu cliente vai ser chamado, a imprensa recebe (a informação).
PALESTRAS PELO MUNDO
“Eu virei um conferencista importante, ninguém queria que eu discutisse sobre o sexo dos anjos, o cosmos, ninguém queria nada… O que queriam? Queriam que o Lula falasse das coisas que ocorreram no Brasil. (…) E por isso eu me transformei no conferencista mais caro do mundo, junto com Bill Clinton. Aliás, ele foi meu paradigma. É importante dizer isso, porque eu falo com orgulho. Várias empresas que agenciam vários presidentes – Kofi Annan, Tony Blair, Gordon Brown, [Nicolas] Sarkozy, [Jacques] Chirac – queriam me empresariar. Aí a Clara Ant [diretora do Instituto Lula] disse… “Não. Aqui quem vai agenciar somos nós do instituto. Você é um produto nacional. Não tem multinacional aqui. Somos nós que vamos empreseriar você”. Quanto vai cobrar? Quem é que cobra mais? É o Clinton? Então vai ser igual ao Clinton. Paga quem quiser, contrata quem quiser. E tem mais: para contratar tem que pagar transporte e assessoria. Tem que pagar, porque não somos pouca coisa. Eu não tenho complexo de vira-lata, eu sei o que eu fiz neste País. Eu sei o orgulho e a autoestima desse povo”.
DEPOIMENTO
“Vocês não imaginam as perguntas… Um delegado de polícia que quer saber sobre medida provisória não tem que perguntar para um presidente. Ele tem que ir ao Congresso Nacional e perguntar para todos os deputados e senadores que votaram a favor. Tem que procurar todos os relatores das comissões, e não [perguntar] para o Lula, para a Dilma. Porque o presidente é o último que sabe, porque a medida provisória vem passando por ministérios até chegar para o presidente assinar. Vai para o Congresso e volta para o presidente vetar ou sancionar. E você tem que responder a essas coisas.”
ACERVO PRESIDENCIAL
“Poderiam ter querido saber do acervo antes de eu me comprometer com essas tranqueiras todas. Vocês sabem o que é sair da Presidência com 11 contêineres de acervo sem ter onde por? Vocês sabem o que é sair com cadeira, com trono, com papel, com tudo o que vocês possam imaginar? Se somarem todos os presidentes da história desse País, desde Floriano Peixoto, eu fui o que mais ganhei presente, porque viajei mais, porque trabalhei mais. Eu tenho até trono da África. O que é que eu faço com isso? É uma coisa do presidente, mas é de domínio público, é do presidente, mas ninguém me paga”.
BARCO, PEDALINHOS E TRIPLEX DA GLOBO
“Não é possível ver o País sendo vítima de um espetáculo midiático em que coloca como corrupção um barco de quatro mil reais da dona Marisa. Se eu pudesse, eu dava era um iate para ela e não um barco de quatro mil reais. Se preocupando com pedalinho de dois mil reais que ela comprou para os netos. Se preocupando porque eu estou utilizando a chácara de um amigo, eu uso a do amigo porque os inimigos não me oferecem. Bem que a Globo poderia me oferecer o tríplex de Parati. Poderia me oferecer. Quem tem casa em Nova Iorque, em Paris, nunca me ofereceu. Se me oferecesse, eu ia.”
VINHOS
“Partem do pressuposto que pobre nasceu para comer em cocho. E eu aprendi que não, que pobre tem que comer comida boa. Vocês não imaginam hoje a preocupação com o vinho. Vinho que eu nunca comprei uma garrafa, porque ganhei. E vinho que eu não sei diferenciar um miolo gaúcho de um Romanée-Conti. Não sei diferenciar porque não faz parte do meu gosto. Meus gostos são outros. Mas estavam preocupados: “Mas tinha uma vinho seu… Quem levou o vinho? Tem vinho lá?” Eles mesmo que ficam indignados com meus vinhos, quando vão à casa da elite brasileira, ficam boquiabertos: “nossa que adega maravilhosa, que não sei das quantas”. Eu gosto tanto de vinho, estou tão habituado a vinho, que um dia um companheiro meu chamado Marco Aurélio Garcia me deu uma coisa chamada “decanter”. Eu achava maravilho falar decanter, decanter… Então o Marco Aurélio de tanto eu falar em decanter me deu um decanter. Cheguei no Palácio [da Alvorada] de noite e a dona Dalina [camareira do Palácio] tinha colocado flores. Pensou que era um porta-flores, do tanto que eu gosto de decanter. Não sei como eles não me perguntaram do meu decanter.”
JULGAMENTO PRECIPITADO
“Não estou indignado com os jornalistas, estou indignado com o comportamento de determinados meios de comunicação, estou indignado com o julgamento precipitado. Hoje, quem condena as pessoas são as manchetes. Hoje, amedronta o Poder Judiciário, hoje amedronta o Ministério Público, hoje amedronta a Polícia Federal e hoje amedronta os políticos.
CHÁCARA E APARTAMENTO
“Eu às vezes vejo 18 minutos [de reportagem] sobre a chácara do companheiro Fernando Bittar, filho do Jacó Bittar, meu companheiro de 35 anos, companheiro da fundação do sindicato, em 1975. Não é da fundação do PT. Eu conheço o Fernando desde quando ele tinha sete anos de idade, companheiro que passou muitos fins de semana comigo jogando mexe-mexe. Esse companheiro comprou uma chácara na perspectiva de permitir que eu usasse. Eu não posso usar porque é crime. Um apartamento que não é meu, eles dizem que é meu. Eu quero saber quem vai me dar o apartamento quando esse processo terminar. Eu quero saber se vai ser a Globo que vai me dar, se vai ser o Ministério Público que vai me dar. Não é meu, porque eu não comprei e não paguei. Se eu não comprei e não paguei, não é meu. Então, eu quero saber quem vai me dar o apartamento. Alguém vai ter que me dar e alguém vai ter que me dar já. Eu espero que, quando isso tudo acabar, alguém me dê a chácara e alguém me dê o apartamento. Aí, quando eu pagar, que tiver uma escritura no meu nome, eu vou dizer é meu. E terei orgulho de ter.”
PT na Câmara