Em artigo, o deputado Leo de Brito (PT-AC) analisa proposta que chegou a ser discutida pelo governo golpista de Michel Temer, que trata da Escola sem Partido. O programa se coloca como uma afronta ao professor, visto como subversivo, e à Constituição, que enfatiza a importância do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e da liberdade de pensamento.
“Para educadores republicanos, como eu, o nome disso é censura. Na contramão da história, os defensores do Escola sem Partido se perdem num delírio conservador que faz da sala de aula um difusor de ideologias.
Nesse embalo, eles comprometem a pluralidade de ideias e incentivam, em nome da moral e da ética, discriminações por motivos étnicos, culturais, religiosos ou de gênero. Os princípios fundamentais da educação brasileira encontram-se sob forte ataque”, alerta o deputado. Leia a íntegra:
O AI 5 da educação no Brasil
Leo de Brito*
Em 13 de dezembro de 1968, o general Artur da Costa e Silva jogou a última pá de cal sobre a democracia brasileira com o Ato Institucional 5 (AI-5). Este instrumento permitiu aos golpistas da época decretar a intervenção em estados e municípios, suspender direitos políticos, cassar mandatos, invalidar habeas-corpus e confiscar bens – tudo “sem as limitações previstas na Constituição”.
O AI-5 se ancorou nos “fundamentos e propósitos” lançados pelos articuladores da ditadura militar. Textualmente: “Dar ao País um regime que, atendendo às exigências de um sistema jurídico e político, assegurasse autêntica ordem democrática, baseada na liberdade, no respeito à dignidade da pessoa humana, no combate à subversão e às ideologias contrárias às tradições de nosso povo”.
A marcha a ré engatada pelo governo interino de Michel Temer tende a aproximar o Brasil, cada vez mais, dos patamares (nada) democráticos instituídos pelo golpe de 64. Felizmente, os protestos da sociedade têm conseguido, muitas vezes, brecar este processo.
Na segunda semana de julho, o economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Adolfo Sachsida, foi nomeado assessor especial do ministro da Educação interino, Mendonça Filho (DEM), e exonerado 24 horas depois. Sachsida é apoiador ferrenho do movimento “Escola sem Partido”, que prega o fim da “doutrinação ideológica” nas salas de aula. Em maio, a mesma pauta foi discutida em encontro entre Mendonça, o ator Alexandre Frota e ativistas do grupo “Revoltados Online”, que esteve à frente das manifestações pró-impeachment da presidenta Dilma Rousseff.
Curiosamente, o programa autoproclamado ‘escola sem partido’ é abraçado por partidos políticos que defendem o governo interino de Temer, como o DEM, o PSC e o PSDB. Vale lembrar que ele foi levado ao Legislativo em março do ano passado, com o Projeto de Lei nº 867/2015, do Deputado Izalci (PSDB-DF).
Outros governistas de plantão também defendem o projeto. O deputado tucano Rogério Marinho (PSDB-RN) é autor do PL 1411/2015, que tipifica e estabelece punições para o crime de “assédio ideológico”. Essa obsessão dos tucanos em promover a censura em diversos meios é no mínimo curiosa. Quem não lembra do PL 84/1999, de autoria do ex-senador Eduardo Azeredo, apelidado de AI-5 digital, que visava censurar a internet? Esse fantasma ainda ronda o debate legislativo.
De forma oportunista, em razão da conjuntura sofrível que vivem os partidos no Brasil, o movimento se aproveita para atacar um dos princípios basilares da educação: a liberdade de cátedra. Segundo o próprio site do movimento, em leitura de 13 de julho, a proposta é “descontaminar” o sistema de ensino da “doutrinação” que “a imensa maioria dos educadores promove ou apoia”.
Mal comparando, em 68 o ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, reintroduziu o atestado de ideologia como requisito para a escolha dos dirigentes sindicais. Nas palavras do então ministro do Exército, Aurélio de Lira Tavares, o governo precisava ser mais enérgico no combate a “ideias subversivas”.
Para educadores republicanos, como eu, o nome disso é censura. Na contramão da história, os defensores do “Escola sem Partido” se perdem num delírio conservador que faz da sala de aula um difusor de ideologias.
Nesse embalo, eles comprometem a pluralidade de ideias e incentivam, em nome da moral e da ética, discriminações por motivos étnicos, culturais, religiosos ou de gênero. Os princípios fundamentais da educação brasileira encontram-se sob forte ataque.
Deliberadamente ou não, o movimento repete o discurso da ditadura, que pregava o combate a “ideologias contrárias às tradições de nosso povo”, sem se dar conta da rica diversidade que é a população brasileira. Seus defensores esquecem que toda a opinião é política, inclusive a ‘escola sem partido’. O programa se coloca como uma afronta ao professor, visto como subversivo, e à Constituição, que enfatiza a importância do pluralismo de ideias e concepções pedagógicas e da liberdade de pensamento.
*Leo de Brito é deputado federal pelo PT/AC e presidente da Comissão de Fiscalização Financeira e Controle da Câmara
Assessoria Parlamentar
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