Justiça reage ao incentivo de Bolsonaro para invadir hospitais

A fala irresponsável do presidente Jair Bolsonaro na live da última quinta (11) foi parar na Justiça. O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a abertura de investigação sobre a invasão a hospitais de campanha e agressões a profissionais de saúde ocorridos recentemente. Em ofícios assinados no domingo (14), ele solicitou a cada unidade do Ministério Público nos estados a instauração de procedimentos para apurar eventuais responsabilidades pelas transgressões.

Os ofícios foram endereçados aos procuradores-gerais de Justiça dos estados onde houve casos de invasão relatados pela imprensa. Os documentos pontuam que “condutas dessa natureza colocam em risco a integridade física dos valorosos profissionais que se dedicam, de forma obstinada, a reverter uma crise sanitária sem precedentes na história do país”.

Os primeiros ofícios têm como destinatários os chefes dos MPs em São Paulo e no Distrito Federal, Mario Luiz Sarrubbo e Fabiana Costa. Em São Paulo, a invasão ocorreu no Hospital de Campanha do Anhembi, em 4 de junho. No DF, houve registro no Hospital Regional de Ceilândia em 9 de junho. Outros estados serão notificados em seguida.

No Distrito Federal, a investigação também deverá apurar ameaças e agressões contra profissionais de saúde. No dia 1º de maio, o ato de um grupo de enfermeiros na Praça dos Três Poderes por melhores condições de trabalho e pela manutenção do isolamento social acabou em confusão. Apoiadores de Bolsonaro tentaram interromper o ato e agredir os profissionais.

Ainda conforme os ofícios, os episódios de invasão narrados pela imprensa são graves. “Observadas as condições de procedibilidade, os eventos narrados podem ensejar, em tese, a responsabilidade criminal ou por ato de improbidade dos seus autores, razão pela qual solicito a Vossa Excelência a adoção das medidas que compreender necessárias ao enfrentamento da questão”, argumentou Aras no ofício.

Por isso, Augusto Aras solicita que o respectivo procurador-geral de Justiça distribua o documento como notícia-crime, conforme as regras da unidade, para que o promotor natural adote as medidas necessárias.

 

Bolsonaro incentiva violência

Os documentos foram protocolados nesta segunda (15) após Bolsonaro pedir que “arranjassem uma maneira de entrar” em hospitais públicos e filmassem leitos de UTI para comprovar se as estruturas estão realmente ocupadas. A incitação foi cometida na live de quintas-feiras pelo Facebook. Segundo ele, as imagens enviadas como “denúncias” para as suas redes sociais seriam analisadas e enviadas à Polícia Federal ou à Agência Brasileira de Inteligência (Abin).

“Tem um hospital de campanha perto de você, tem um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer, para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não”, pregou o presidente.

Um dia depois da declaração, na sexta (12), um grupo de pelo menos seis pessoas entrou no Hospital municipal Ronaldo Gazolla, unidade de referência no tratamento da Covid-19 no Rio de Janeiro, e invadiu alas restritas a médicos e pacientes. Uma mulher teria chutado portas, derrubado computadores e até tentado invadir leitos de pacientes internados, querendo confirmar se os leitos estavam de fato ocupados. Em nota, a administração afirmou que eles eram familiares de uma vítima da doença.

Também na sexta, um homem bateu boca com uma profissional da saúde na porta do Hospital Regional de Ceilândia (HRC). O vídeo que mostra a discussão circulou nas redes sociais e é possível ver o homem criticando a mudança no fluxo do pronto- socorro. O HRC foi tornado unidade referência no tratamento à Covid-19 no início de junho, após a cidade tornar-se o epicentro da doença no DF.

Entre os registros de episódios de invasão de hospitais pelo país também constam algumas protagonizadas por parlamentares, como no caso de um grupo de vereadores de Fortaleza que invadiu o hospital de campanha do estádio Presidente Vargas (PV), na última sexta (12).

No sábado (13), deputados estaduais do Espírito Santo fizeram “visita surpresa” ao Hospital Dório Silva, no município de Serra, região metropolitana de Vitória. Segundo um deles, Torino Marques (PSL), que divulgou a ação em suas redes sociais, o objetivo era mostrar a “realidade da situação por dentro”.

Em Cubatão (SP), o vereador Antonio Vieira da Silva, conhecido como Toninho Vieira (Progressistas), foi acusado de agredir uma enfermeira em uma carreta para atendimento de pacientes com Covid-19. O caso foi parar na Delegacia Sede de Cubatão, onde foi registrado como injúria e ameaça. Segundo a ocorrência, a trabalhadora estava realizando o atendimento quando o vereador chegou ao local filmando os pacientes e, em tom de ofensa, passou a xingar a enfermeira e os colegas de trabalho.

Em entrevista ao G1, a profissional, que não se identificou, disse que a cena causou impacto entre pacientes e profissionais. “Quando eu subi na carreta, todos os profissionais estavam chorando, os pacientes ficaram indignados com aquela cena. Eu desci e falei que ele era a vergonha do Brasil, que estava usando a pandemia para se colocar em algum lugar de poder”, descreveu.

“Quando nos reunimos para bater o ponto, estava todo mundo chorando, falando que não sabia se voltava para o próximo plantão, porque estava muito difícil ficar sem ver a família e ainda ser humilhada. Foi constrangedor. Nos sentimos oprimidas”, finaliza a enfermeira.

Hospital de campanha

Hospital de Campanha em Manaus – reprodução

Autoridades rebatem fala criminosa

A medida da PGR foi tomada após o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pedir publicamente a interferência do Ministério Público. “Invadir hospitais é crime – estimular também. O Ministério Público (a PGR e os MPs Estaduais) devem atuar imediatamente. É vergonhoso – para não dizer ridículo – que agentes públicos se prestem a alimentar teorias da conspiração, colocando em risco a saúde pública”, escreveu o ministro domingo (14) no Twitter.

O vereador pelo Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (Republicanos) foi à rede social defender o pai. “Só um bandido ou um doente mental para minimamente crer que o presidente incentivou invasão a hospitais ao invés de entender que o citado foi para que cidadãos cumpram seu direito de fiscalizar os gastos públicos!”, argumentou o propalado chefe do gabinete do ódio.

Em nota, o Conselho Nacional de Saúde afirmou que a declaração agrava ainda mais o contexto de crise na saúde pública. Segundo o conselho, o posicionamento demonstra “total desprezo pela vida da população, não expressando qualquer sentimento de solidariedade, empatia e compaixão”. No documento, os conselheiros concluem que “essa atitude representa constrangimento aos pacientes que se encontram internados”.

Em carta, os governadores do Nordeste afirmaram que a declaração “choca a todos, contraria protocolos médicos, desrespeita profissionais e coloca a vida das pessoas em risco”. Para os governadores, Bolsonaro “segue o mesmo método inconsequente que o levou a incentivar aglomerações por todo o país, contrariando orientações científicas bem como a estimular agressões a jornalistas e veículos de comunicação”.

Profissionais de saúde que atuam no Ceará também responderam a Bolsonaro. Divulgada sábado (13) nas redes sociais, a mensagem usa palavras duras e xingamentos já proferidos pelo presidente. Segundo o texto lido pelos trabalhadores da linha de frente da pandemia, é adotado o “linguajar chulo e autoritário” de Bolsonaro para que ele entenda, mesmo com “seus simplórios atributos intelectuais”. “Exigimos respeito”, destaca a mensagem, organizada pelo Coletivo Rebento – Médicos em Defesa da Ética.

Da Agência PT de Notícias

 

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