Em recente entrevista a Kennedy Alencar, da BBC, o ex-presidente Lula voltou a desafiar seus acusadores a apresentarem uma prova contra ele no processo em que foi condenado. E disse mais: “Eu duvido que você encontre na sentença afirmação de que o apartamento é meu”. Revisamos as três horas de depoimento do principal delator no processo e o resultado é claro: ele jamais afirma que o apartamento foi entregue a Lula.
Tanto o ex-juiz Sérgio Moro como a 8ª turma do TRF-4 basearam-se essencialmente na palavra de um único delator, Léo Pinheiro, ex-presidente da construtora OAS. O empreiteiro testemunhou como réu, portanto, poderia mentir sem sofrer nenhuma penalidade judicial. Ainda assim, os juízes deram preferência à palavra do delator, ainda que em contradição com outros testemunhos e provas.
Mesmo com tudo isso, nas três horas de seu depoimento, Léo Pinheiro jamais afirma que Lula recebeu apartamento algum. Tampouco diz que o ex-presidente pediu ou aceitou o imóvel. O que ele diz, sim, é que Lula nunca usou o apartamento, como foi confirmado por todas as provas e testemunhas.
No depoimento do empreiteiro, o que mais se aproximou da tese da acusação, que também virou a tese de Moro, é sua afirmação de que “tinham lhe dito” que o imóvel pertencia a Lula, e que uma terceira pessoa (João Vaccari, ex-tesoureiro do PT) teria falado com ele, supostamente em nome do ex-presidente, solicitando algum tipo de vantagem indevida relacionada ao tríplex. Vaccari diz que Léo mente. É a palavra de um contra a do outro.
Apartamento nunca foi de Lula
Como, então, é possível sustentar a farsa de um apartamento que Lula nunca teve?
Simplesmente não é possível. O apartamento nunca foi de Lula e jamais haverá prova alguma. Por isso Lula vem desafiando Moro, o TRF-4 e o Ministério Público há mais de dois anos a apresentar qualquer prova que o incrimine. Na condenação, o então juiz Sergio Moro não trata da questão da aceitação ou recebimento do apartamento. Impedido pelas provas, Moro jamais afirma que Lula recebeu ou pediu o apartamento. Para contornar a questão, o ex-juiz usou termos vagos e não-jurídicos na sentença, como “atribuído” e “propriedade de fato”.
Contradições
É verdade, Lula poderia ter cometido crime mesmo sem ter recebido nenhuma vantagem. Segundo o artigo 317 do Código Penal, é vedado também pedir vantagem ou aceitar promessa. Mas Léo Pinheiro tampouco apresentou elementos para sustentar a condenação por esses motivos.
Léo Pinheiro disse que a OAS jamais deu o apartamento ao presidente: “O apartamento já era dele quando a OAS assumiu a obra”. Ora, Lula é acusado justamente de receber vantagem indevida da OAS. O próprio delator afastou essa hipótese.
Além de confirmar que o apartamento não foi entregue ao ex-presidente, Léo Pinheiro confirmou que jamais discutiu com Lula ou com ninguém como seria feita a entrega e transferência da suposta propina a Lula. Uma lacuna que pareceu desimportante aos juízes.
Léo Pinheiro confirmou os documentos que provam que o apartamento estava alienado, dado como garantia a empréstimos da OAS. Ou seja, ninguém pode oferecer como propina um imóvel que está comprometido com um empréstimo. Afinal, o que o credor faria se a OAS não conseguisse honrar os pagamentos? Despejar o morador que recebeu a propina?
A própria Justiça federal de São Paulo reconhece que o imóvel nunca foi entregue à família de Lula. Por isso, a OAS e a Bancoop foram condenadas a devolver valores pagos por Lula e Dona Marisa por uma cota-parte no mesmo empreendimento em que foi construído o tríplex.
O que diz a sentença?
A decisão do então juiz Moro tampouco afirma que Lula recebeu ou aceitou o apartamento. No parágrafo 598 da sentença condenatória, Moro diz: “Com efeito e como já se adiantou em relação aos depoimentos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as provas documentais sintetizadas no item 418 confirmam a tese da acusação de que o apartamento 164-A, tríplex, foi atribuído ao ex-Presidente e a sua esposa desde o início da contratação e que as reformas no imóvel foram feitas para atendê-los especificamente.” No parágrafo 898, ele volta a usar o mesmo termo: “O imóvel foi atribuído de fato ao ex-Presidente desde a transferência do empreendimento imobiliário da BANCOOP para a OAS Empreendimentos em 08/10/2009, com ratificação em 27/10/2009. Repetindo o que disse José Adelmário Pinheiro Filho, “o apartamento era do Presidente Lula desde o dia que me passaram para estudar os empreendimentos da BANCOOP, já foi me dito que era do Presidente Lula e de sua família, que eu não comercializasse e tratasse aquilo como uma coisa de propriedade do Presidente”. A partir de então, através de condutas de dissimulação e ocultação, a real titularidade do imóvel foi mantida oculta até pelo menos o final de 2014 ou mais propriamente até a presente data.”
Trocando em miúdos, tampouco o juiz afirma que o apartamento foi dado a Lula pela OAS. Pelo contrário, diz — baseado em uma história que um único delator diz ter ouvido — que o apartamento já era da família de Lula desde a Bancoop. O termo “atribuído” não é explicado ou traduzido em terminologia jurídica em nenhum outro lugar da sentença.
Lula jamais recebeu propina alguma. Além de sem provas, a condenação de Lula desafia a lógica e o bom senso.
Por Instituto Lula