Selic chega ao maior nível em cinco anos, no maior arrocho monetário desde 1999. “Metade da inflação é por preços que o governo pode controlar e não está controlando”, diz Lula
Na terceira reunião deste ano, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) elevou a taxa básica de juros da economia (Selic) em um ponto percentual, para 12,75%, o patamar mais elevado desde fevereiro de 2017, quando a taxa estava em 13%. Os analistas do mercado financeiro, que já esperavam o reajuste, agora apostam que o ciclo altista só deverá se finalizar em agosto, com a Selic podendo chegar a 14% diante de uma inflação oficial que já passou de 12% na prévia de abril.
Este foi o décimo reajuste consecutivo do arrocho monetário iniciado em março de 2021, quando a inflação começou a subir e a Selic estava no piso histórico de 2%. É o maior choque de juros desde 1999. Naquele ano, em meio à crise cambial, o BC aumentou a taxa básica em 20 pontos porcentuais de uma só vez.
O Copom justificou a nova alta com o “ambiente externo que seguiu se deteriorando” e voltou a afirmar que a inflação “continuou surpreendendo negativamente”. O relatório do órgão do BC ressaltou que “permanecem fatores de risco em ambas as direções” para a inflação, com destaque para as pressões inflacionárias no exterior e “uma desaceleração da atividade econômica mais acentuada do que a projetada” no Brasil.
“Este novo aumento da taxa de juros deve comprometer ainda mais a atividade econômica, que já dá claros sinais de fraqueza. Para a indústria, a intensificação do ritmo de aperto da política monetária piora as expectativas para o crescimento econômico em 2022, com efeitos adversos sobre a produção, o consumo e o emprego”, disse o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, em nota divulgada pela entidade.
A conta desse arrocho monetário, é claro, vai para o bolso da população, pois a alta da Selic tem reflexo direto no custo da dívida pública, paga com recursos que poderiam ser utilizados em investimentos para reaquecer a economia. Também eleva o já exorbitante custo do crédito, retraindo investimentos e contratações por parte das empresas e encarecendo ainda mais o crédito para famílias já endividadas em níveis históricos.
Conforme dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o endividamento das famílias atingiu novo pico histórico em abril, de 77,7%. E dados do BC apontam que o comprometimento da renda das famílias com dívidas chegou a 52,6% — maior patamar desde o início da série, em janeiro de 2005.
Fabio Bentes, economista sênior da CNC, prevê mais uma ou duas altas da Selic. “E ainda temos a deterioração das condições econômicas”, lembra. “O emprego tem recuado lentamente e o rendimento do trabalhador está caindo. Isso significa um estímulo a menos para a ampliação do consumo, que também se retrai diante de um cenário com juros cada vez mais altos”, finaliza o economista.
Pelas estimativas de Bentes, o consumo das famílias, principal motor do Produto Interno Bruto (PIB), não subirá neste ano. Mesmo com a ampliação de 25% para 35% do corte no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) recém anunciado pelo desgoverno Bolsonaro, o principal beneficiado pela inflação descontrolada, que leva ao aumento da arrecadação. Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes já estão gastando com medidas eleitoreiras por conta desse efeito perverso.
Redução de impostos não vai funcionar
“Essa redução no IPI não vai refrescar, basicamente, nada, porque a inflação está comendo a renda, o desemprego continua elevado e os juros estão altos e vão continuar subindo”, afirmou Miguel José Ribeiro de Oliveira, diretor executivo de Estudos e Pesquisas Econômicas da Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade (Anefac), ao Correio Braziliense.
“Infelizmente, a queda do imposto não propicia o crescimento do consumo, mesmo baixando o preço dos produtos. A redução do IPI não deve compensar a alta dos juros. Sem falar que os bancos estão cada vez mais restritivos para a concessão de crédito”, acrescentou Humberto Barbato, presidente da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee).
Para completar, também nesta “super quarta dos juros” o Federal Reserve Bank (FED), o banco central dos Estados Unidos, aumentou em meio ponto percentual os juros para os títulos norte-americanos, para conter a maior inflação em mais de 40 anos. Essa alta tem o poder de atrair o fluxo de capital que iria para outros países, com reflexos na cotação do dólar em relação ao real.
O CEO da iHUB Investimentos, Paulo Cunha, disse à Istoé Dinheiro que quando começaram os receios sobre o aumento do Fed ser maior, esse movimento enxugou o ingresso de dólares no Brasil e o país teve saldo negativo em abril. “Isso gera uma aversão ao risco e ocasiona uma queda em ativos de risco, que ocorreu até mesmo nas bolsas norte-americanas”, disse.
“Quando o banco central norte americano sobe os juros e oferece uma rentabilidade maior para os treasuries (títulos públicos) americanos, via de regra, os investidores passam a procurar ativos de menor risco a uma rentabilidade maior. Ou seja, fluxo saindo de países emergentes e voltando para os Estados Unidos, assim como, o fortalecimento do dólar”, explica Cunha.
No Brasil, todos os segmentos sofrem os impactos, inclusive os de commodities como minério de ferro e petróleo. “Esse aumento de juros é uma tentativa de controlar a inflação norte-americana. Portanto, esse aumento é uma arrefecida na demanda mundial, pois acontece uma puxada de freio da economia. Como o Brasil é um país exportador de commodities, existe um receio de impactar o mercado como um todo”, finaliza Cunha.
Beneficiado pela inflação, desgoverno Bolsonaro não quer acabar com a carestia
Em artigo, a economista Maria Lucia Fattorelli, coordenadora da entidade Auditoria Cidadã da Dívida, afirma que o aumento da Selic é uma medida inócua. Ela lembra que “é público e notório que a inflação existente no Brasil decorre principalmente da elevação de preços administrados e de alimentos, os quais não se reduzem quando o Banco Central eleva os juros”.
Segundo Fattorelli, a principal causa da inflação no Brasil é a política do Preço de Paridade de Importação (PPI) da Petrobras, um “preço fictício”, pois a maior parte dos combustíveis consumidos no país é produzida aqui. “O fictício PPI tem provocado elevação brutal do preço dos combustíveis, afetando os demais preços de bens e serviços em cadeia”, aponta.
“Não temos inflação de consumo. É energia elétrica, gasolina, óleo diesel e gás. Ou seja, preços que o governo poderia controlar e que não está controlando. São de responsabilidade do governo, então, que trate de baixar esses preços”, afirmou Lula em entrevista recente
“O aumento no preço de alimentos decorre de graves erros de política agrícola e agrária. Demais preços administrados têm aumentado por outras razões que também não estão atreladas a excesso de demanda, mas a custos, e não são afetados com aumento dos juros”, finaliza a economista.
Em entrevista à rádio Jangadeiro, de Fortaleza, Luiz Inácio Lula da Silva destacou que os preços administrados pelo governo federal são responsáveis por cerca de 50% da inflação. “Não temos inflação de consumo. É energia elétrica, gasolina, óleo diesel e gás. Ou seja, preços que o governo poderia controlar e que não está controlando. São de responsabilidade do governo, então, que trate de baixar esses preços”, afirmou.
Lula defende a ampliação das competências do Banco Central para incluir, além da meta de inflação, metas de crescimento econômico e de emprego. “O mesmo BC que pode estabelecer a meta de inflação, por que a gente não pode colocar também para discutir as metas de crescimento, as metas de geração de emprego? Porque dá a impressão de que só uma coisa tem importância”, afirmou em entrevista à mídia independente.
Entidades e federações patronais também se manifestaram contra a decisão do Copom. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) considerou “equivocada” a medida. “Este novo aumento da taxa de juros deve comprometer ainda mais a atividade econômica, que já dá claros sinais de fraqueza. Para a indústria, a intensificação do ritmo de aperto da política monetária piora as expectativas para o crescimento econômico em 2022, com efeitos adversos sobre a produção, o consumo e o emprego”, disse o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, em nota divulgada pela entidade.
A Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) considera que, apesar de esperado, o décimo aumento consecutivo da Selic é “ineficiente e pouco efetivo”. “A desorganização das cadeias de produção provocada pela pandemia e os impactos derivados da guerra na Ucrânia reforçam que a inflação advém de choques externos e temporários de oferta, e não de demanda. A nova alta de juros penaliza ainda mais o nível de atividade e reforça a perspectiva de desaceleração econômica em 2022”, avalia.
A entidade afirmou ainda que “nesse contexto, vale ressaltar que os gargalos da cadeia de insumos mostraram a necessidade de diversificar fornecedores e fortalecer indústrias estratégicas, trazendo a urgência de políticas de longo prazo para a indústria. Além disso, as incertezas relacionadas ao arcabouço fiscal mantêm elevada a percepção de risco nas contas públicas, que continuam sendo fator de risco para a economia brasileira”.
Redação da Agência PT, com agências