Misture no mesmo caldeirão complexo de inferioridade, o chavão de que o Brasil é um lugar de corrupto e dê às pessoas uma causa que não é delas, mas parece ser uma batalha justa e capaz de ‘limpar’ um país. Pronto, está construído um cenário favorável à manipulação e que resultará, ironicamente, num golpe contra os direitos de quem o defende.
A avaliação é do presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Jessé Souza, que foi detalhada em entrevista ao Portal da CUT. Para ele, a construção desse cenário de luta pela moralidade envolve um trabalho sedutor e constante dos meios de comunicação, que só podem ser combatidos por movimentos organizados a partir das bases.
Jessé explica por que a luta pelo impeachment, sob o argumento do combate à corrupção, não é um exemplo de cidadania. Ele parte da premissa de que a corrupção é um dado do capitalismo, do mercado, que não é exclusividade do caso brasileiro, já que existe um “jeitinho” também nos Estados Unidos, onde se maquiam balanços, se cometem fraudes, se inventam mentiras.
“Foucault [filósofo Michel Foucault] dizia que, a partir do momento em que o capitalismo se instala, o crime passa a ser algo cometido pelo pobre. É o cara que bate carteira, rouba galinha do vizinho, mas se você acaba com a economia de um país inteiro, como aconteceu com Argentina, Tailândia, Malásia e quase aconteceu com o Brasil, esse cara ganha uma capa na Time como um grande financista”, detalha.
Ele argumenta que a ideia de combate à corrupção, de maneira seletiva e não por acaso, volta-se sempre contra o Estado e, mais especificamente, ao Estado quando ele está sendo ocupado por partidos de esquerda. Por causa dessa ideia, ele afirma que a corrupção só vira problema em determinados momentos históricos: com Getúlio, em 1954; com Jango, em 1964; e com Lula e Dilma agora.
“Não é corrupção quando os ricos no Brasil não pagam impostos e fazem evasão em paraísos fiscais? É muito mais dinheiro que qualquer esquema já descoberto. Temos a maior taxa de juros do mundo, tudo que compramos traz isso embutido e significa que todos os trabalhadores estão pagando juros para meia dúzia de banqueiros. Isso é corrupção? Para mim é, mas é legal, porque esse pessoal compra deputados, partidos inteiros para que nunca passem leis que são ruins para eles”, explica.
O presidente do Ipea diz que essa ideia de que a corrupção tem a ver com o Estado e com os partidos de esquerda é corroborada pela mídia. “Não temos uma mídia plural, que traz opiniões divergentes, como na Alemanha, na França, onde qualquer programa de TV mostra debates em que há pessoas defendendo diferentes pontos de vista. Por aqui isso não existe, vivemos com uma mídia ditatorial, não podemos ter debate público efetivo. Democracia não é só voto, é voto com consciência e você só consegue montar sua opinião sobre o assunto quando tem opiniões divergentes e distintas”, defende.
Nesse contexto, segundo Jessé, só aos mais ricos interessa demonizar o Estado. “Às outras classes não interessa, porque é por meio dele que você tem um mínimo de acesso à saúde e educação. A classe média também é feita de tola, porque precisa da universidade pública, ao contrário do filho do rico. Quando o plano de saúde não paga uma operação difícil, é o SUS quem custeia o tratamento”.
Jessé Souza também fala da existência de uma parte da classe média que é muito conservadora e sempre teve raiva de pobre. “Esse pessoal odeia pobre, mas não podia dizer isso porque pegava mal, mas quando você monta algo dizendo que o governo que ajudou os pobres é corrupto, esse cara pode até ter orgulho do ódio dele guardado que não poderia expressar. Ele pode odiar o pobre odiando o governo que o representou. Os fascistas da classe média, que estão montados no ódio, acreditam ser os donos da moralidade e podem fazer a limpeza ética no país. A gente não pode se deixar fazer de imbecil pela mídia, há interesse econômico por trás do discurso”, explica.
Segundo o presidente do Ipea, até porções da classe trabalhadora estão comprando esse discurso do golpe que é ruim para eles mesmos. “A classe média conservadora está sendo usada pelos ricos, é uma espécie de tropa de choque dos ricos, sai às ruas para defender os interesses dos ricos que não são iguais aos dela. Ao contrário, ela perde com isso. Mas ganha moralmente, se vê como campeã moral. Na cabeça dela é isso que importa, a raiva dos pobres foi transformada em uma luta virtuosa. Já os pobres não têm nem isso, porém, são metralhados e recebem um bombardeio da mídia”.
PT na Câmara com Portal da CUT
Foto: Agência Brasil