Em artigo, o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação denuncia a ação deletéria do governo e o desmonte criminoso da educação brasileira. “Dois terços dos eleitores até 24 anos reprovam o projeto antinacional de Bolsonaro”, aponta
“Universidade Federal do Rio de Janeiro! É do Rio de Janeiro ou é federal? Ou assume a atribuição ou devolve tudo, e normalmente se empurra a conta para a União. A União são nossos filhos e netos. A União não é um ser abstrato.”
Suprimi algumas palavras da delirante reflexão de Paulo Guedes para torná-la menos desconexa. Na visão do ministro, o Rio de Janeiro é um ser mais abstrato do que a União. Investir a receita de impostos na educação de nossos filhos e netos é empurrar-lhes a conta. Guedes, no fundo, quer apenas se livrar das universidades federais.
O historiador Eric Hobsbawn destacou o quanto os projetos nacionais europeus foram tributários do progresso educacional de pessoas oriundas das classes menos favorecidas, que passaram a ocupar posições até então reservadas a uma pequena elite. “O progresso das escolas e universidades dava a dimensão do nacionalismo”, resumiu.
Inspirado nessa premissa, Benedict Anderson descreveu a última onda desse processo nas ex-colônias da Ásia que culminaram com a formação de Estados nacionais. De comum, o papel da educação da juventude. Suwardi, por exemplo, contava 24 anos quando publicou seu famoso artigo contra o domínio holandês sobre a Indonésia, em julho de 1913.
A universidade pública brasileira é um pequeno milagre. Último país do continente a criar uma universidade, o Brasil, mesmo com os recentes cortes orçamentários, responde, ainda hoje, por 50% da produção científica da América Latina. Entretanto, só no século 21 as portas da universidade se abriram para os “filhos e netos” do trabalhador, sob a liderança de um sem diploma. Hoje, felizmente, 70% dos estudantes das universidades federais são egressos da escola pública; mais de 50% são negros.
Além disso, o fim do vestibular, com a reformulação do Enem, permitiu à juventude uma mobilidade inédita pelo território. Uma consciência nova vai se formando. Em cada universidade federal há estudantes de praticamente todos os estados, realidade que passa a milhas de distância da concepção de país de Paulo Guedes.
A inédita expansão do acesso à educação superior pode criar as condições subjetivas para que essa geração faça história. Nosso século 20, ao contrário do asiático, foi marcado pelo descaso com a educação. Causa e consequência disso, pelo menos em parte, o Estado nunca se emancipou dos particularismos da elite econômica.
Dois terços dos eleitores até 24 anos reprovam o projeto antinacional de Bolsonaro. É o segmento mais crítico ao governo. Virá deles a energia para construir o Brasil a partir dos escombros do bolsonarismo.
Publicado originalmente na Folha de S.Paulo, em 17 de outubro de 2020.