Governados pela crise  

Governados pela crise. Essa talvez seja a expressão que melhor define os primeiros 30 dias da aventura da extrema-direita à frente do executivo da maior economia da América Latina. Para responder às expectativas difusas de uma ampla base eleitoral que ainda não teve oportunidade nem meios para conhecer – e, portanto, cobrar – um programa de governo para os próximos quatro anos, os novos titulares do Palácio do Planalto promoveram um espetáculo de variedades para manter fixos os olhos da plateia, enquanto operam na velocidade que podem a agenda de destruição sistemática dos direitos assegurados pela Carta de 88 e a entrega do patrimônio nacional.

Os prestidigitadores se desdobraram a partir de iniciativas do próprio Presidente e seu vice, do chanceler, dos ministros da educação, justiça, meio ambiente e direitos humanos e a contribuição excepcional dos filhos do capitão. O vexame de Davos; a goiabeira e o rosa e azul da ministra da família; a Embaixada em Jerusalém que não deve ter merecido aplausos dos vendedores de frango aos países árabes; a retórica belicista contra a Venezuela não entusiasmou a cúpula militar solidamente instalada no governo.  E o Fabrício que não compareceu à intimação do Ministério Público, mas se exibiu dançando nos aposentos hospitalares, todos estes eventos ocuparam por vários dias a cena e a atenção da sociedade.

É perceptível um ágil e eficiente manejo da produção em escala industrial da mentira (fake news) com a tática da afirmação e do pronto desmentido para escapar a qualquer questionamento da cidadania que reclama informação qualificada, que mereça algum resquício de credibilidade, numa vertiginosa fuga para a frente.

Essa engrenagem que funcionou de forma espetacular durante o processo eleitoral, segue sendo utilizada como mecanismo relevante de relação entre o governo e a sociedade. O que significa que “Essa loucura tem método…” (Hamlet). Entretanto, para sustentar seu próprio jogo, ela exige a produção de uma crise por semana, para encobrir os efeitos da crise imediatamente anterior. Por quanto tempo funcionará?

O conflito de interesses aberto pelo próprio Presidente da República contra a mídia convencional que deu sustentação ao golpe de 2016, reposicionou em dias alguns grandes grupos frente ao novo governo, particularmente a família Marinho, mas também, ainda que por motivos de outra ordem, o Grupo Folha, Estadão e Abril. Aplaudindo o governo, o grupo Record – novo veículo oficial (possível associado da CNN) – e Silvio Santos. Este conflito gira em torno da distribuição das verbas públicas para a comunicação social, no caso das TVs abertas, o conhecido BV, que confere enormes vantagens à Globo sobre suas concorrentes.

Instalado o conflito, as famílias prejudicadas abriram suas baterias contra o que, nesses dias se converteu, aparentemente, no elo mais vulnerável do governo: o senador Flávio Bolsonaro. A sociedade passou a ser informada mais amplamente sobre os vínculos tradicionais e notórios da família do capitão com as milícias, ou seja, uma face do crime organizado do Rio de Janeiro; da existência do motorista Fabrício Queiroz, de quem o senador aparentemente foi porta-voz enquanto exercia mandato parlamentar na Assembleia Legislativa do Rio, e do curioso – embora não inédito – sistema de pagamentos efetivados pelos depósitos bancários nos caixas eletrônicos da própria Alerj.

Uma pauta confortável, de combate à corrupção, mantida pelos veículos de comunicação para desgastar a imagem dos estreantes e levá-los a negociar um acordo na distribuição das verbas, além de evitar o tratamento adequado dos temas substantivos da agenda ultraneoliberal que trata da abolição dos direitos dos assalariados, sobre os quais não há conflito algum entre as iniciativas do governo e os pontos de vista dos grandes grupos de mídia: Reforma da Previdência, direitos trabalhistas, férias, 13º salário, etc.

Avançando sobre o sensível tema da violência, o Brasil precisa ser esclarecido de forma urgente se, de fato, os principais ocupantes do Palácio do Planalto, representam os interesses do crime organizado e das milícias. O Decreto de 15 de janeiro regulamenta a posse de armas, modificando artigos do Decreto 5.123/ 2004, para facilitar o acesso às armas de fogo, em um país que registra em média 62 mil assassinatos por ano, nos últimos 10 anos. O Lançamento do Decreto, quinze dias depois da posse, elucida para uma opinião pública mais ampla o processo de produção institucional que resultou nessa norma: o fabricante organiza suas finanças para investir nas campanhas eleitorais para o legislativo e para o executivo. Elege há alguns anos o que se denomina no Congresso a “Bancada da Bala”. Contribui com seus escolhidos para a composição do governo eleito em 2018 e “assessora” a redação do Decreto logo nos primeiros dias de governo, antes que despertem os setores mais conscientes da sociedade para a perspectiva nefasta que se anuncia.

Com a flexibilização da posse de armas, institucionalizada pelo Decreto Presidencial, a empresa colhe dois resultados: bomba com a venda de ações na bolsa de valores e amplia as possibilidades de negócios do seu mercado. Subproduto não menos relevante: reduzidos os controles da norma, as milícias podem montar legalmente seus arsenais para realizar seu trabalho nas periferias e favelas das grandes metrópoles, extorquindo a população que é obrigada a conviver em meio a uma aparente guerra civil de todos contra todos. Assim, o Brasil institucionaliza e parte alegremente para sua guerra de extermínio contra os pobres.

A eleição de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre para as Mesas das duas Casas do Congresso, remete o país aos sombrios tempos da ARENA, curiosamente pelas mãos de um conjunto de forças que anuncia a plenos pulmões se despedir da “velha política”. A vitória sinaliza a blindagem do governo no parlamento, o fôlego para empreender as reformas, particularmente a liquidação da Previdência Pública no Brasil, embora não signifique a garantia automática de sua aprovação nos termos propostas por Paulo Guedes.

O teor inicial da proposta chega anunciando a necessidade de 40 anos de contribuição para que o segurado possa receber o benefício integral e iguala a idade de homens e mulheres em 65 anos. Além de criar o Sistema de Capitalização utilizado no Chile por iniciativa do governo Pinochet, onde alcançou sua meta: o empobrecimento dos segurados e a elevação do número de suicídios entre os idosos daquele país. Objetivamente, o governo do capitão não apresenta uma proposta de reforma, mas de destruição da Previdência Pública no Brasil, em benefício do sistema financeiro nacional e internacional.

O Pacote anticrime do Ministro da Justiça, define a moldura do Estado Policial que o governo deseja impor ao país para viabilizar a agenda neoliberal no curto prazo e, a longo prazo, garantir a conversão do Brasil num vasto arquipélago de neocolônias sob controle das grandes petroleiras, mineradoras, exploradoras de madeira, e das empresas que desejam assumir o controle das maiores reservas hídricas do planeta.

Assim, o ministro da Justiça se reposiciona na disputa interna do governo que se inicia, depois de um mês desgastante para a imagem de paladino anticorrupção que procura vender ao país. Passou janeiro esquivando-se dos questionamentos sobre a dupla Flávio-Queiroz. O pacote anticrime reedita as medidas propostas e rejeitadas pela própria base golpista do governo anterior, de institucionalizar os métodos da Operação Lava-Jato, estranhos ao sistema de justiça brasileiro, conhecidos por serem inconstitucionais e arbitrários – “Para situações excepcionais remédios excepcionais…”

As investidas sobre a educação pública por meio da proposta de militarização das escolas, da anunciada regulamentação da educação domiciliar que fere princípios constitucionais do direito de todos à educação e das crianças e adolescentes, restringindo oportunidades e atingindo de forma mais direta os mais pobres;  a retirada das políticas de inclusão da educação básica e do ensino superior, a caçada ao chamado “marxismo cultural”; a retomada do “Escola Sem Partido” e a defesa explícita pelo Ministro de uma universidade para as elites demonstra que  o governo do capitão pretende criar uma geração de sub cidadãos com acesso reduzido ao conhecimento e aos bens culturais, moldados ideologicamente para a submissão e a subserviência, contribuindo para aprofundar desse modo, as desigualdades históricas do país.

O crime ambiental provocado pela incúria e pela irresponsabilidade empresarial da Vale do Rio Doce, privatizada no governo Fernando Henrique, se converteu na metáfora do que nos espera se aplicadas as políticas defendidas pelo governo Bolsonaro no que toca às normas de segurança e controle ambientais, ancoradas pelo lobby das mineradoras e conduzidas pelo ministro do meio-ambiente Ricardo Sales subordinado aos interesses do novo Ministério da Agricultura comandado pela Ministra Teresa Cristina que de chegada sinaliza o fim das demarcações de terras indígenas e quilombolas em prol do agronegócio.

 

E o judiciário que segue atuando de forma política, se encarregou de protagonizar um dos episódios que seria considerado dos mais vergonhosos em qualquer sociedade que se propõe civilizada, ao negar por meio de contorcionismos verbais e administrativos o direito do Presidente Lula de acompanhar os funerais de seu irmão mais velho. Permanece oferecendo ao país e ao mundo a imagem lamentável de uma instituição que se rendeu à covardia e à mesquinhez ferindo o direito constitucional de um cidadão que, mesmo perseguido e encarcerado nos tempos da ditadura militar, pôde exercer esse direito de ao sepultar sua mãe.

A volta do Presidente capitão ao Albert Einstein a fim de realizar a cirurgia anunciada no seu retorno de Davos e a determinação de abreviar a convalescença e realizar a rotina de despachos dias depois, indica um grau de tensão e desconfiança com relação ao vice. Como o quadro pós-operatório aparentemente não evoluiu como desejado, se instala a sensação de que o país mergulha no limbo, o presidente não reúne as condições físicas de tocar o governo e o vice não pode assumir em razão das desconfianças que brotaram nesses primeiros 30 dias de governo. O hospital pode ter sido um bom refúgio para evitar exposições desgastantes de um candidato inseguro para se conduzir nos debates, durante a campanha eleitoral. Talvez não seja o gabinete mais adequado para comandar um governo. Aparentemente, seguiremos governados pela crise.

 

Brasília, 07 de fevereiro de 2019

Paulo Pimenta Líder da Bancada do PT na Câmara dos Deputados

 

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