Secretários de Saúde municipais e estaduais de todo o Brasil – por meio de suas duas entidades representativas – repudiaram, juntamente com o Ministério da Saúde, o viés distorcido, parcial, tendencioso e depreciativo utilizado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela mídia em geral ao divulgar resultado de pesquisa realizada pelo instituto Datafolha com usuários do Sistema Único de Saúde (SUS). A pesquisa encomenda pelo próprio CFM e pela Associação Paulista de Medicina (APM) apontou vários desafios ainda impostos ao SUS, mas também indicou uma série de aspectos positivos sobre o sistema que foram totalmente omitidos. “A entidade (CFM) induz ao erro quando afirma que 93% da população atribuiu uma nota negativa ao sistema de saúde”, alertam os gestores de saúde.
O Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), que representa os secretários municipais, e o Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (Conass), que representa os secretários estaduais, mostraram por meio de vídeo divulgado na última sexta-feira (22) nas redes sociais, três dias após a publicação da pesquisa, o outro lado revelado por ela. Das pessoas que procuram os postos de saúde, 91,3% conseguiram atendimento, o que demonstra os bons resultados de estratégias como o Mais Médicos. Dos que utilizaram o SUS, 74% avaliam a qualidade do atendimento com notas superior a 5, sendo que um terço dos entrevistados deram notas entre 8 e 10. Em nota, os gestores de saúde municipais, estaduais e federal dizem “lamentar” a interpretação e o esforço do CFM “na tentativa de desconstrução do SUS”.
O deputado Rogério Carvalho (PT-SE), médico sanitarista que milita na saúde pública há mais de 30 anos, avalia que uma pesquisa sobre esse tema divulgada de maneira tendenciosa num período de disputa política tem um caráter claramente eleitoreiro. Ele também destaca que é antigo o esforço de determinados setores da sociedade brasileira que, ao tentarem fazer oposição a um governo, acabam destruindo conquistas históricas do povo, como é o caso do SUS. “Estão atacando o direito à saúde pública e universal, bem como o sistema que garante esse direito. Todos nós sabemos que existem problemas e onde está o principal foco deles, que é o financiamento. Mas nenhuma dessas entidades defende financiamento específico para a saúde ou fonte nova de recursos para a área”, analisa Carvalho, que também foi relator da medida provisória que criou o Programa Mais Médicos.
O deputado Assis Carvalho (PT-PI), que já foi secretário de Saúde do Piauí, também chama a atenção para a necessidade de alguns setores de descontruir o SUS e mostrar que ele é apenas uma fonte inesgotável de problemas. O parlamentar ressalta que nem de longe isso é verdade e aponta a necessidade de o SUS se “vender” para a população de uma maneira mais positiva e resolutiva como é de fato na realidade de quem utiliza o sistema. “O problema é que, por exemplo, se de dez coisas que o SUS realizar, nove forem positivas e uma negativa, o que vai aparecer é sempre o que é negativo”, explica.
A questão é que no SUS que aparece na mídia é apenas o da tragédia. Pouco se fala no SUS resolutivo: o que é responsável pela quase totalidade dos procedimentos de alta complexidade, como transplantes, que exigem tecnologia de ponta e elevado financiamento. Também não se fala no serviço de distribuição gratuita de medicamentos, que envolve desde remédios para diabetes e hipertensão, passando pelos antirretrovirais (contra o HIV), e chegando aos de alto custo.
Pouco se fala ainda no grande desfio que é construir o SUS, já que o sistema público de saúde brasileiro é o único no mundo a se estruturar em um país com mais de 150 milhões de habitantes com a característica de ser universal – ou seja, não excludente, aberto a qualquer cidadão. Antes de 1988, não era assim no Brasil. Só acessava o antigo INAMPS quem era filiado à Previdência Social, ou seja, trabalhava com carteira assinada. Também não se fala que entre os sistemas universais no mundo, o SUS foi o único se capilarizar, se descentralizar, numa extensão territorial tão ampla em tão pouco tempo – são apenas 25 anos. Sistemas universais como o da Inglaterra e o da França têm em média 50 anos a mais de consolidação.
Tarciano Ricarto