Mais uma corporação multinacional encerra parte de suas operações no Brasil de Jair Bolsonaro e seu ministro-banqueiro Paulo Guedes. Dessa vez é o grupo holandês SHV Holdings, que contratou o banco espanhol Santander para liquidar os pontos comerciais remanescentes da rede atacadista Makro no país, após 50 anos de atuação local.
Há dois anos, o Makro já havia vendido 28 lojas para o Carrefour, restando os 24 pontos de venda de São Paulo. A exemplo do que ocorreu com a rede Extra Hiper, também vendida pelo grupo Pão de Açúcar, o chamado “atacarejo” tomou público dos hipermercados nos últimos cinco anos.
Redes regionais e os gigantes Atacadão (do grupo francês Carrefour) e Assaí (do também francês Casino) operam com maiores escalas e menores preços. Na era da inflação de dois dígitos, desemprego persistente e defasagem de salários, o consumo se resume ao essencial. Com a população atolada em dívidas e sem emprego e renda, nem o “pacote de bondades” eleitoreiro de Bolsonaro e Guedes é capaz de estimular o consumo.
Ao Estado de São Paulo, um executivo do setor disse que o Makro já considerava deixar o negócio desde que se desfez dos 28 pontos. “Eles sabem que o atacarejo ainda é uma mina de ouro, só que o timing deles agora não é bom. Não há muitos compradores na praça”, apontou Alberto Serrentino, fundador da Varese Retail.
A SHV Holdings, no entanto, manterá a operação da SHV Gás Brasil, dona da Supergasbras Energia, que atua na exploração e distribuição de gás liquefeito de petróleo (GLP), o gás de cozinha – outra “mina de ouro” desde a dolarização dos preços dos combustíveis, sob Michael Temer. Com mais de 11 mil pontos de venda, a Supergasbras atende dez milhões de famílias e 40 mil clientes comerciais e industriais.
Em um ano, o botijão de 13 quilos ficou 35% mais caro. Desde o início do desgoverno Bolsonaro, o produto já sofreu alta de 64%, conforme dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Com o valor recorde de R$ 130, o salário mínimo compra apenas 9,32 botijões. Quase 11% do salário é destinado a esse item.
Em plena crise econômica mundial, em 2008, com Luiz Inácio Lula da Silva presidente, um salário mínimo comprava 12,57 botijões. O produto custava R$ 33 e o gasto com o item correspondia a 7,95% do salário mínimo. Em 2015, com Dilma Rousseff, o mínimo comprava 17,51 botijões. O botijão, a R$ 45, correspondia a 5,71% do salário mínimo.
Fuga do empobrecimento da população e das crises bolsonaristas
Com a despedida do Makro, a lista de empresas em fuga do país de Bolsonaro e Guedes ganha mais um nome. Entre 2019 e 2021, pelo menos 15 multinacionais de diversos setores deixaram o Brasil, agravando o desemprego. Em 2020, mais de cinco mil indústrias fecharam as portas, segundo pesquisa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC).
A grande maioria das empresas estrangeiras alega fugir dos riscos da economia brasileira, instabilidade política e jurídica e do “custo Brasil”, cada dia mais alto. Os empresários reclamam dos altos custos de produção e da alta carga tributária. Também destacam o total desinteresse em um mercado com consumidores de renda mais baixa, preferindo países com economia mais robusta.
Apesar das falas demagógicas de Bolsonaro e Guedes sempre que se encontram diante de uma plateia de empresários, sua “gestão” fez do Brasil o segundo país que mais tributa as empresas, dentre 111 pesquisados pela plataforma CupomValido. Sob Bolsonaro e Guedes, o país só não cobra mais impostos que Malta.
Ao considerar todos os impostos, as empresas brasileiras pagam, em média, uma alíquota de imposto de 34%. Este valor é 70% maior que a média mundial e somente 1% menor que a ilha-nação do sul da Europa. As micro e pequenas empresas são as mais atingidas, embora sejam as que mais empregam no Brasil atualmente.
“Essas empresas são as mais oneradas. Tudo isso é devido à complexidade da política tributária que temos, onde existe uma guerra fiscal entre os estados e não existe um imposto único e igualitário para estimular as micro e pequenas empresas”, avalia a economista e analista de mercado Greice Guerra Fernandes.
A especialista também explica que, toda vez que o imposto aumenta, a empresa é obrigada a repassar a alta ao custo de produção, elevando o preço dos bens finais de consumo. “Encarecendo o custo Brasil, o que se gera é uma falta de atratividade do país em investidores, principalmente estrangeiros”, finaliza.
A degradação econômica fez o Brasil despencar de importância na agenda das grandes empresas. Se em 2013 o País ocupava a terceira posição entre os maiores mercados estratégicos para os CEOs globais, neste ano caiu para a décima posição, ultrapassado por Canadá e Austrália. Apenas 5% dos entrevistados ainda o consideram um dos mercados potenciais. Os dados são da pesquisa anual da consultoria PwC.
O presidente da organização, Marco Castro, diz que apesar de o Brasil estar “barato”, o que poderia estimular investimentos, também está mais pobre e sem perspectivas de crescimento. “O Brasil perdeu relevância em todos os sentidos: o crescimento não está grande e a representatividade para as empresas ficou ainda menor em dólar. O país continua sendo uma aposta de consumo, mas já não está mais como prioridade nos investimentos”, conclui.
“Empreendedorismo de necessidade” move abertura de CNPJ
No ano passado, mais de 4 milhões de companhias estrearam no Brasil, conforme o Mapa de Empresas do Ministério da Economia. O avanço de 20%, ou 670 mil novos empreendimentos em relação a 2020, no entanto, foi movido pela categoria Microempreendedores Individuais (MEIs), que representou 80% desse crescimento.
“Por esses números, parece que o Brasil virou um celeiro de empreendedores”, ironiza o economista Luiz Rabi, da Serasa Experian, à Agência Estado. Na verdade, diz ele, o que vem impulsionando a abertura de empresas é a fraqueza do mercado de trabalho para gerar vagas formais, com carteira assinada.
“A dificuldade de encontrar um emprego formal e obter renda aparece não só na taxa de desemprego, mas nas marcas recordes de 12,5 milhões de trabalhadores no setor privado sem carteira e em 25 milhões que exercem atividades por conta própria. E parte dessas pessoas acabam virando empreendedores para sobreviver”, explica Rabi.
O avanço do “empreendedorismo de necessidade” é nítido tanto nos dados de abertura de empresas da Serasa como na pesquisa do Ministério da Economia. Em ambos os levantamentos, a maior parte das companhias abertas é de uma pessoa só ou, no máximo, com mais um funcionário. Sem emprego, sem renda e sem proteção do governo federal, empreender para sobreviver é o que resta para a população.
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