O roteiro é conhecido e, de tão recorrente, cada vez mais se parece com os filmes da “Sessão da Tarde” ou com as novelas da “Vale a pena ver de novo”, dois formatos da Globo que ao longo do tempo se tornaram metáforas para descrever algo extremamente repetitivo.
As urnas do 2º turno apontaram a vitória na eleição presidencial do Equador, neste domingo (2), de Lenín Moreno, candidato da Aliança País, partido que comanda o governo com Rafael Correa, desde 2007, e vem promovendo a Revolução Cidadã neste pequeno país andino banhado pelo Pacífico. O administrador de empresas e ex-vice de Correa, no seu primeiro mandato, será o primeiro cadeirante a presidir um país da América Latina.
Com 99,38% dos votos apurados até 16h50 desta segunda-feira (3), Lenín tinha 51,16% do total de sufrágios válidos contra 48,84% do opositor, Guillermo Lasso, banqueiro neoliberal que teve participação direta – era o Superministro de Economia – na grave crise que afundou o país em 1999.
Embora sem chances matemáticas de reverter o resultado, Lasso não reconheceu a derrota, pediu recontagem dos votos e denunciou fraude no processo eleitoral. “As provas de irregularidades”, observou, em comunicado em sua página no Facebook, “são muitas”, afirmou, sem apresentar qualquer indício ou informação adicional. “Por isso, não podemos reconhecer os ilegítimos resultados. Esgotaremos todas as vias políticas e jurídicas, no Equador e no exterior, para que se respeite a vontade popular que pediu uma mudança. A luta continua amigos. Não baixemos os braços nem um segundo”, acrescentou, num texto em que também exorta seus apoiadores a se dirigirem à sede do Conselho Nacional Eleitoral, no centro da capital Quito.
Numericamente, Lenín tinha na última parcial 5.052.769 votos contra 4.822.807, quase 230 mil eleitores de diferença. O enredo é exatamente o mesmo que ocorreu no Brasil e em El Salvador em 2014, na Venezuela em 2015: a esquerda venceu o pleito por pequena margem e a direita extrapolou o famoso “jus esperniandi”, o direito de reclamar, passando a atuar de forma sistemática e permanente para desestabilizar o governo eleito.
Antes da apuração oficial ter início, a postura arrogante de Lasso já se manifestou. Dois institutos de pesquisa deram resultados opostos, ainda que ambos por pequena margem. Enquanto a empresa Perfiles de Opinión cravou Lenín Moreno como vencedor, a Cedatos* declarou o triunfo de Lasso. A resposta dos candidatos aos números apresentados também foi muito distinta: Moreno disse que esperaria a confirmação oficial dos resultados “até a última hora”, ao passo que Lasso se autodeclarou vencedor e iniciou uma enorme série de publicações nas redes sociais dando como fato consumado a vitória, estratégia que se repetiu em entrevistas aos meios de comunicação concedidas antes sequer do CNE divulgar os primeiros boletins. “A partir de hoje há um presidente que vai promover a unidade nacional, a unidade de todos os equatorianos. Deixamos para trás o Equador do ódio, da divisão”, afirmou o banqueiro em sua conta no Twitter, num discurso comum de todas as direitas latino-americanas contra as políticas igualitárias aplicadas por governos progressistas.
Nesta segunda, Lasso seguiu atacando duramente o processo eleitoral e o Aliança País. “A maioria do povo equatoriano votou pela mudança e não vamos permitir que continue a ditadura de um partido político no Equador. Está só nas mãos da OEA evitar a fraude a salvar a democracia no Equador”, afirmou, fazendo referência à missão oficial de observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA), à qual apresentou queixas formais e da qual participou o ex-presidente uruguaio e agora senador José “Pepe” Mujica.
Em meio ao esperneio do candidato derrotado, o presidente eleito adotou um discurso conciliador. “Com o coração na mão, agradeço a todos que em paz e harmonia foram votar. Serei o presidente de todos e vocês vão me ajudar. Daqui por diante vamos trabalhar pelo País, por nosso amado Equador, em paz e harmonia”, disse Lenín no ato público no qual celebrou a vitória, minutos antes de cantar junto com seus eleitores a célebre canção “O povo unido jamais será vencido”, justamente 100 anos após Vladimir Lenin comandar a Revolução Russa do outro lado do planeta.
*A Cedatos foi objeto de escândalo durante a campanha por ter sido contratada pelo Banco de Guayaquil, que foi presidido por Lasso entre 1994 e 2012, salvo nos períodos em que este se dedicou à carreira política.
Rogério Tomaz Jr.
Fotos: Agência Andes