O recuo no programa Bolsa Família pode superar o número de 1 milhão de pessoas que aguardam pelo benefício, alerta a doutora em Economia Tereza Campello diante do levantamento, divulgado na segunda-feira (10), pelo jornal Folha de S. Paulo, denunciando crescimento exponencial da fila por atendimento, que estava extinta há pouco mais de dois anos.
Ex-ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome no governo de Dilma Rousseff, Tereza calcula que, na verdade, há mais meio milhão de brasileiros que estão em situação de extrema pobreza e desassistidos pelo governo de Jair Bolsonaro, que entra para a história por protagonizar o maior período de baixo índice de cobertura. Não por menos que essa população que está nas filas, aguardando o benefício estando habilitadas e sendo comprovadamente pobres, têm uma face ainda mais evidente: “são as vítimas do governo Temer e Bolsonaro, com o desmonte”, destaca Tereza.
Em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual, a ex-ministra inclui em seu cálculo o número de membros de cada família cadastrada – uma média de 3,6 em 2015 –, somando ainda as “outras filas do País”, que, na prática, sugerem um número maior do que o divulgado, mas ainda refém da falta de transparência do governo, que se recusa a revelar os dados oficiais.
“A situação é ainda mais dramática porque não é só a fila do Bolsa Família. Tem a fila da licença à maternidade, a fila do INSS, tem a fila do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que são pessoas com deficiência. Faz essa conta e a gente vê o tamanho da tragédia que esse governo está criando no país”, adverte Tereza Campello.
Confira abaixo um trecho da entrevista na íntegra:
O governo Bolsonaro travou o Bolsa Família em 200 municípios pobres e a fila já chega a 1 milhão. Desde 2017 a fila estava extinta, podemos afirmar que o governo promove um retrocesso?
Na verdade, em minha avaliação, essa fila já chega a 1,5 milhão. O governo se recusa a revelar o tamanho da fila, o que é aliás uma ilegalidade. Tem uma fila de pedidos de informação também, de deputados, da imprensa, jornalistas de vários lugares e cidadãos perguntando.
E uma coisa muito importante é que, quando a gente fala em fila, fila de espera, a impressão que as pessoas têm é que são pessoas que entraram pedindo o Bolsa Família, mas não é isso. É muito mais grave. Essas pessoas que entraram na fila para pedir o Bolsa Família já tiveram seus dados checados, não têm nenhum problema técnico ou de qualquer outra ordem, elas são extremamente pobres, têm filhos, têm direito a entrar no Bolsa Família. Elas não entram porque o governo resolveu trancar as entradas, desde maio que não entra ninguém, só saem.
Isso é semelhante ao que acontece no INSS, que as pessoas estão habilitadas, têm o direito, o tempo de contribuição e tudo mais, mas ficam esperando o benefício e o benefício não sai. É isso que também está acontecendo no Bolsa Família. E se fizer uma conta por cima, o Bolsa Família tem em torno de 3,6 pessoas por família, dá mais de cinco milhões. A maioria são crianças.
Então a situação é gravíssima em um momento em que o país vive também o desemprego, o desmonte das políticas públicas e que o Bolsa Família seria mais necessário”.
Uma face dessa situação gravíssima a gente já percebe nas ruas, onde há famílias inteiras, com crianças, desabrigadas, em situação de rua. Quem são as pessoas que engrossam essas taxas sociais?
Essas pessoas que a gente vê nas ruas, hoje famílias, crianças na rua, que não víamos há muito tempo, é a ponta do iceberg. Porque na verdade elas são aquelas famílias que já perderam a casa, já perderam tudo e estão na rua. Agora, a situação de pobreza e extrema pobreza são muito maiores do que essa visível que a gente vê embaixo dos viadutos, que é a que mais incomoda, porque a gente está vendo, mas tem aquela pobreza que ninguém vê.
As pessoas estão lá, já desempregadas, no desalento, no meio rural e isso se soma a outras filas. A situação é ainda mais dramática porque não é só a fila do Bolsa Família.
Ontem, por exemplo, a CUT revelou a fila da licença à maternidade, são 108 mil mulheres que deveriam estar recebendo a licença, que estão esperando há mais de 45 dias. Quer dizer, não é tiveram o bebê ontem, tiveram há um mês e meio, umas até mais do que isso. E quem são essas mulheres? São exatamente as mulheres pobres, negras, no momento onde elas mais precisam ser acolhidas, que mais precisam ter esse apoio, porque é ela e o bebê, e ela não pode trabalhar…
Então tem a fila da licença à maternidade, a fila do INSS, tem a fila do Benefício de Prestação Continuada (BPC), que são pessoas com deficiência. Quando a gente olha essas filas, a gente fica pensando em uma pessoa, mas não são. A pessoa com deficiência, por exemplo, na verdade é ela e a pessoa que cuida dela, que em geral é um familiar que não pode trabalhar. Então se você vai somando isso, você está falando em milhões e milhões de brasileiros completamente desassistidos e desesperados.
O governo não só esconde os números, não revela, quando você pergunta ele fala ‘mas tem a fraude’. Esse ministro está aí há quatro anos e continua falando da fraude, do PT. Quer dizer, não é problema técnico, não é fraude, é um problema político, eles querem excluir os pobres do orçamento e o Bolsa Família virou variável de ajuste fiscal. O Bolsa família caiu de 14,3 milhões para 13 milhões. O que aconteceu? Só sai gente, não entra mais, é o jeito que eles arranjaram de enxugar o Bolsa Família.
Confira a íntegra da entrevista da Rede Brasil Atual:
Por Rede Brasil Atual