Geopolítica
O que esperar da muito provável vitória de Joe Biden? Há vantagens na derrota de Donald Trump. Devemos esperar mudanças em relação ao meio ambiente, nas dimensões climática e sanitária e em relação aos direitos humanos quanto ao racismo e à xenofobia. Biden parece também ter mais apreço pela democracia, pelo menos no seu próprio país.
O que dizer de mudanças no sistema de poder?
Nesse ponto, tudo é mais estável. A relação entre estados se pauta pela defesa de interesses em torno do fortalecimento do poder bélico e econômico, em geral associados.
Isso depende de fontes de energia (combustíveis e alimentos), do domínio da ciência (sistema de inovação) e da logística (transporte e comunicação). Essas atividades são desenvolvidas no ponto de encontro entre poder e dinheiro, onde o Estado e o capital se reforçam mutuamente.
Quando Adam Smith defendeu as leis inglesas de navegação —que estabeleceram um monopólio conflitante com a liberdade de comércio—, ele invocou um argumento extra econômico, sugerindo que convinha aos ingleses trocar opulência por mais segurança. Omitiu, contudo, as vantagens econômicas que isso trazia para a Inglaterra tanto na disputa com a Holanda —no que toca a indústria naval, o transporte marítimo e a pesca— quanto no intercâmbio mercantil com as suas colônias.
Vejam que o argumento é parecido com o que invocam os Estados Unidos na disputa com a China acerca do 5G. Sob o manto da segurança nacional, há uma rixa econômica empedernida entre grandes potências, antes em torno da navegação marítima, hoje, da virtual.
Em relação à geopolítica, portanto, pouca coisa se altera com Biden. Os Estados Unidos continuarão de olho no petróleo da Venezuela e da Arábia Saudita, dizendo defender a democracia naquele país enquanto apoiam a monarquia absolutista neste outro, sem nenhum constrangimento. Verão com alegria prosperar a dolarização das economias latino-americanas, agora com o apoio do Brasil, prestes a autorizar depósito bancário em moeda estrangeira.
A China, por sua vez, faz seus movimentos. Diante do comportamento errático do governo brasileiro, em que presidente e vice se contradizem diariamente, a China diversifica suas fontes de proteína, comprando soja da Tanzânia e da Argentina. E defende a liberdade econômica no plano internacional, enquanto controla o acesso ao seu mercado interno, praticando, na esteira de Japão e Coreia, uma espécie de desenvolvimentismo 3.0, depois de deixar para trás o despotismo soviético.
O amadorismo de Jair Bolsonaro nos torna uma presa fácil num mundo de predadores profissionais.
Fernando Haddad
- Professor universitário, ex-ministro da Educação (governos Lula e Dilma) e ex-prefeito de São Paulo.
- Artigo publicado originalmente no jornal Folha de São Paulo (07/11/2020)