Fascismo em tempos de coronavírus

Nesses tempos difíceis de isolamento social, de muita ansiedade e incertezas sobre o futuro do nosso país, tenho refletido bastante sobre os rumos da nossa jovem e cambaleante democracia, todos os dias açoitada por um presidente da República que escancara sua face autoritária e não honra o cargo que ocupa.

Muito antes dos absurdos que Jair Bolsonaro tem protagonizado diante da gravíssima crise sanitária que estamos vivenciando, nós já defendíamos a necessidade de arrancar a faixa presidencial do peito do fascismo, algo que, agora, vem ganhando cada vez mais densidade e apelo no conjunto da sociedade brasileira.

Classificar Bolsonaro como fascista pode parecer apenas um bordão, um clichê, ou mesmo um modo de adjetivá-lo de forma negativa, mas não é. Bolsonaro tem todos os atributos de um fascista.

São assustadoras as semelhanças do modo de ser, agir e pensar de Bolsonaro com as características do fascismo trazidas por Umberto Eco, em seu livro “Fascismo Eterno”, publicado a partir de um discurso proferido pelo autor, em 1995, na Universidade de Columbia, em Nova York.

Vocês verão que os sinais da emergência do fascismo no Brasil são inequívocos. No entanto, vou traçar aqui apenas um breve paralelo de algumas das evidências do “Ur-Fascismo” de Eco, com as atitudes e reações do presidente diante da crise do coronavírus.

O escritor diz que o fascismo italiano não tinha uma filosofia própria. Segundo ele, Mussolini tinha apenas uma retórica. Bolsonaro tampouco tem uma filosofia. Cercado por terraplanistas e indigente do ponto de vista intelectual, seria impossível tê-la. Mas resta-lhe uma retórica, que se retroalimenta de ódio e mentiras.

Um outro aspecto que salta aos olhos, do ponto de vista da similitude entre Mussolini e Bolsonaro, é exatamente o uso político do nome de Deus. Mussolini gostava da alcunha de “homem da Providência”. Bolsonaro encarna para os mais fanáticos a figura do “Messias”.

Eco nos apresenta de forma bastante didática o “Ur-fascismo” ou “fascismo eterno”, a partir de características muito bem definidas. “Tais características não podem ser reunidas em um sistema, mas é suficiente que uma delas se apresente para fazer com que se forme uma nebulosa fascista”.

A primeira delas por ele apresentada é o culto da tradição. Aqui não pode existir o avanço do saber. E nesse quesito o governo Bolsonaro é emblemático, pois promove um ataque reiterado às universidades, às evidências científicas e ao conhecimento. Quando ataca a ciência, a educação e a cultura, busca eliminar todo tipo de consciência crítica. Não podemos esquecer que estamos falando de um governo anti-intelectualista por natureza, que se gaba do culto à ignorância.

A exemplo disso temos o negacionismo de Bolsonaro e de sua claque radical à gravidade do novo coronavírus, um vírus com alto potencial letal, mas que o presidente insiste em dizer que é mera “gripezinha”, um “resfriadinho”, declarações que se chocam com a Organização Mundial de Saúde (OMS), as evidências científicas e a opinião de especialistas.

A segunda característica é o tradicionalismo, o qual implica a recusa da modernidade. Para os obscurantistas, o iluminismo é uma depravação moderna.

A recusa da idade da razão é nada mais nada menos o que Eco chama de irracionalismo. O irracionalismo depende, segundo o pensador italiano, do culto da ação pela ação. Ou seja, a ação deve ser realizada sem nenhuma reflexão.

E aqui temos uma pérola de ação irrefletida em tempos pandêmicos, quando Bolsonaro cria e sustenta uma narrativa contra o isolamento social e a favor do que ele chama de “retorno da normalidade”. Faz a defesa irracional do fim do confinamento e coloca em risco a saúde pública sem avaliar qualquer consequência.

Ainda no campo do irracionalismo, está a fixação de Bolsonaro em relação à cloroquina. O presidente tem recomendado o uso do medicamento contra o vírus, como se solução mágica fosse, mesmo não tendo qualquer embasamento científico ou estudo conclusivo sobre a sua eficiência e eficácia.

Para o “Ur-Fascismo”, desacordo é traição. Ou seja, é impossível o exercício do espírito crítico. A negação de todo e qualquer saber ou crítica é a marca daqueles que querem poderes absolutos e encaram toda divergência como ameaça que precisa ser extirpada.

Foi por discordar do ególatra que Luiz Henrique Mandetta caiu.

Na raiz da psicologia do “fascismo eterno”, está, ainda, a obsessão da conspiração ou o que eu chamo de criação de inimigos imaginários. Durante a pandemia já observamos a invenção de alguns deles: a China, a imprensa, os governadores e prefeitos, o Congresso e o STF e até mesmo seu então ministro da Saúde.

Aliás, é comum a ideia de guerra permanente na qual todos conspiram contra seu governo, estão em conluio para golpeá-lo e derrubá-lo da presidência. A lógica absolutista do presidente que diz que a “Constituição sou eu” não pode ser mais tolerada.

Na ideologia do “fascismo eterno” também temos o culto ao heroísmo e à morte. O que seria o chamado para ir às ruas, em contraposição ao isolamento social, senão um culto declarado à morte?

A necropolítica de Bolsonaro sempre foi uma ode à morte, seja por sua defesa cega das armas como método de enfrentamento da violência, seja na profunda desvalorização e hierarquização das vidas de mulheres, LGBT´s, negros e pobres.

Em meio à pandemia, o culto à morte ganha novos contornos. O genocida, ao defender o fim do isolamento social, passa a considerar que as vidas são descartáveis. É como se dissesse: “Promova-se o libera geral. Quem sobreviver, sobreviveu!”.

Ao não considerar que todas as vidas importam e que qualquer morte precisa ser evitada, Bolsonaro naturaliza a epidemia como tragédia, como destino inexorável.

Por fim, o “fascismo eterno” baseia-se no populismo. Bolsonaro tem se apresentado como líder de uma minoria radical. Apesar de estar cada vez mais impopular e isolado, considera-se a “voz do povo” que quer voltar a trabalhar.

Umberto Eco nos alerta para o fato de que o “Ur-fascismo” podia voltar sob as vestes mais inocentes. Digo que no Brasil ele está escancarado e já ultrapassou todos os limites.

“Nosso dever é desmascará-lo e apontar o dedo para cada uma de suas novas formas – a cada dia, em cada lugar do mundo”, nos conclamou Umberto.

Portanto, se ainda carecemos de vacina contra o coronavírus para enfrentar o genocida, nós já temos remédio e a Constituição aponta o caminho:

É impeachment já, porque a nossa luta por democracia e liberdade não acaba nunca!

Dep. Erika Kokay (PT-DF)

Artigo publicado originalmente no Congresso em Foco

 

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