A reiterada má vontade e negligência do ministro-banqueiro da Economia, Paulo Guedes, com o auxílio emergencial conduziu a uma nefasta distorção social. Quase um quarto de pessoas das classes D e E não conseguiram se cadastrar para receber o benefício por falta de celular ou acesso de qualidade à internet.
Os efeitos dessa exclusão digital sobre as pessoas mais pobres são constatados em levantamento do Centro de Estudos de Microfinanças e Inclusão Financeira da Fundação Getúlio Vargas (FGV/Cemif) ao qual a ‘Folha de São Paulo’ teve acesso.
Segundo o estudo, 23% dos entrevistados das classes D e E tentaram e não conseguiram receber o auxílio. Nas classes A e B, o percentual é de 17%, e na classe C, de 21%. No total, 20% dos entrevistados das classes D e E que tentaram e não conseguiram o auxílio do governo apontam a falta de celular como uma das razões para não conseguir o benefício —quando consideradas todas as classes, o percentual é de 7%.
Os números também mostram que 22% dos mais pobres alegaram ter tentado e não conseguido o benefício por limitações da internet, e 28% disseram não ter conseguido usar o aplicativo da Caixa.
“Isso acaba sendo um problema, já que as pessoas dessas classes são justamente aquelas que estão em maior condição de vulnerabilidade social e precisam de políticas de transferência de renda”, disse ao jornal o coordenador do FGV/Cemif, Lauro Gonzalez.
Gonzalez e o pesquisador Marcelo Araújo usaram como base os dados da segunda edição do painel TIC Covid-19, do Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), feito entre junho e setembro do ano passado.
Os dados mais recentes da pesquisa TIC Domicílios apontam que um em cada quatro brasileiros não usa a internet. A maioria está situada justamente nas faixas mais vulneráveis: classes D e E e moradores de áreas rurais.
“As pessoas vão arrumando um jeito, criam uma estratégia de sobrevivência. Ainda assim, a impossibilidade de acompanhar o andamento do benefício pode ser suficiente para deixar a família sem o recurso”, diz Gonzalez. Ele lembra que, enquanto o governo discute a digitalização do cadastro do Bolsa Família, brasileiros das classes mais pobres passam por restrições básicas, como a falta de um celular ou de internet de qualidade.
Os pesquisadores ressaltaram que a exclusão digital existe mesmo entre pessoas que têm acesso à internet. Entre os entrevistados mais vulneráveis, 23% não tinham espaço suficiente em seus aparelhos para baixar aplicativos, e 18% não sabiam baixá-los.
Auxílio alcançou 6,5 milhões a menos que o previsto
O desgoverno Bolsonaro superestimou a previsão do número de beneficiários do auxílio em 2021. Em 18 de março, ao divulgar a assinatura de duas medidas provisórias sobre o benefício, o Ministério da Cidadania informou que o “novo” auxílio deveria atender 45,6 milhões de pessoas. No início de maio, ao finalizar o primeiro ciclo de créditos, a pasta informou ter depositado valores para apenas 39,1 milhões de pessoas.
A distorção de 16,6% entre o número divulgado inicialmente e a realidade demonstra que a tesoura usada pelo desgoverno Bolsonaro na lista de favorecidos foi pior do que o esperado. No ano passado, mais de 67,9 milhões de brasileiros chegaram a receber o auxílio.
Ao renovar o programa, após pressão da sociedade e de parlamentares, o governo anunciou que o auxílio em 2021 seria pago apenas a quem já o recebia em dezembro do ano passado. Na ocasião, os recursos eram destinados a 56,7 milhões de pessoas.
Se um pai de família, por exemplo, ficou desempregado em janeiro deste ano, ele não pôde pedir o auxílio. E caso tenha conseguido um emprego, foi considerado inelegível e não recebeu mais o pagamento – ou terá que devolvê-lo se o recebeu. Além disso, é preciso cumprir uma série de regras de inclusão para receber as novas parcelas, que na prática “enxugaram” à força o número de beneficiários.
O “novo” auxílio emergencial é limitado a uma pessoa por grupo familiar. Anteriormente, dois indivíduos podiam se beneficiar. Em 2020, uma família poderia receber até R$ 1,8 mil por mês. Hoje, o máximo é R$ 375.
Outro dado distorcido pelo Ministério da Cidadania se refere à quantia média dos depósitos. A pasta informa que o valor médio é de R$ 250, pagos em quatro parcelas. Mas apenas mulheres chefes de família monoparental têm direito a cotas de R$ 375, e indivíduos que moram sozinhos (família unipessoal) recebem R$ 150 mensais.
Com isso, a maior parte do público deve receber a menor cota do benefício, de R$ 150. São cerca de 20 milhões de pessoas, o equivalente a 43% do total. Já a cota de R$ 250 será paga a 16,7 milhões, e o valor maior, de R$ 375, a 9,3 milhões de mulheres.
PTNacional