Em uma análise sobre o discurso de posse do ministro interino do Ministério das Relações Exteriores, José Serra (PSDB-SP), o assessor da Bancada do PT no Senado Marcelo Zero destrincha ponto a ponto as falas do tucano em que ele não apenas desvirtua a política externa adotada pelos governos do PT desde a era Lula, como também demostra total desconhecimento da conduta diplomática do Brasil ao longo de sua história. “Em suma, foi um começo previsível para uma gestão que estará baseada em visões equivocadas do Brasil, de sua política externa recente e do mundo”, pontua Zero.
Em um dos trechos, o assessor demonstra o equívoco de Serra ao fazer uma abordagem que apenas reproduz conceitos superficiais e leituras atabalhoadas de conservadores, repetindo críticas desinformadas e ideológicas sobre a política externa adotada nos governos do PT. Marcelo Zero revela ainda que, nesse sentido, existe um esforço de desqualificar a política externa anterior, acusando-a de partidarizada.
Segundo o especialista, Serra, ao mesmo tempo, quer fazer parecer que essa “nova” política – que, na verdade, é a repetição das diretrizes neoliberais de FHC – seria uma “política de Estado”, que obedeceria aos “interesses do país”. “Esse é um velho estratagema epistemológico dos conservadores: tentar desqualificar as políticas progressistas como “ideológicas e partidarizadas” e defender as políticas da direita como políticas embasadas em suposta cientificidade ou em interesses “amplos e verdadeiros” da sociedade”, explica Marcelo Zero.
Leia a seguir a íntegra do artigo.
Breve Análise das Diretrizes de José Serra para a Política Externa
Marcelo Zero
Em seu discurso de estreia, o chanceler do governo golpista repetiu os mesmos clichês desinformados sobre a política externa dos governos do PT que a mídia vem repetindo há mais de 10 anos. No plano propositivo, não acrescenta nada de novo à agenda já disseminada, há tempos, nos discursos da direita e em documentos da FIESP e outras associações empresariais.
Seguem os comentários sobre as diretrizes contidas em seu discurso.
1. A diplomacia voltará a refletir de modo transparente e intransigente os legítimos valores da sociedade brasileira e os interesses de sua economia, a serviço do Brasil como um todo e não mais das conveniências e preferências ideológicas de um partido político e de seus aliados no exterior. A nossa política externa será regida pelos valores do Estado e da nação, não do governo e jamais de um partido. Essa nova política não romperá com as boas tradições do Itamaraty e da diplomacia brasileira, mas, ao contrário, as colocará em uso muito melhor. Medidas que, em outros momentos, possam ter servido ao interesse nacional, quero dizer, podem não ser mais compatíveis com as novas realidades do país e com as profundas transformações em curso no cenário internacional.
Comentários
Nesta primeira diretriz, Serra repete as velhas críticas desinformadas e ideológicas sobre a política externa adotada nos governos do PT.
Na realidade, há aqui uma tentativa de desqualificar essa política anterior, acusando-a de partidarizada, e de afirmar que a “nova” política, repetição das diretrizes já adotadas nos tempos do neoliberalismo de FHC, seria uma “política de Estado”, que obedeceria aos “interesses do país”.
Esse é um velho estratagema epistemológico dos conservadores: tentar desqualificar as políticas progressistas como “ideológicas e partidarizadas” e defender as políticas da direita como políticas embasadas em suposta cientificidade ou em interesses “amplos e verdadeiros” da sociedade.
Ora, embora tenha que ter como horizonte as perspectivas de longo prazo do país, a política externa, como qualquer política, é instituída com base nos anseios da sociedade aferidos por eleições democráticas. É esse processo democrático periódico que baliza a definição dos interesses de longo prazo do Estado. A política externa nunca existiu num vácuo político. Por isso, é bom assinalar a óbvia redundância de que a política externa é uma política, mutável em sua essência, e não um conjunto de programas e ações definido por uma casta tecnocrática, que se mantém imutável ao longo do tempo.
Assim, a política externa é, ao mesmo tempo, uma política de Estado e uma política de governos. Nesse sentido, ela é sempre braço auxiliar de uma “estratégia de desenvolvimento”, estratégia essa que muda periodicamente.
Ao longo de sua história, o Brasil passou por vários períodos diferentes em suas articulações externas. Desde a política pendular, adotada no getulismo, até a Política Externa Independente (PEI), do início dos anos 60, passando pelo alinhamento automático aos interesses dos EUA do presidente Dutra. Mesmo no regime militar, houve forte contraste entre a política externa dos governos Castelo Branco, Costa e Silva e Médici, e o pragmatismo responsável do governo Geisel, que nos aproximou a regimes africanos marxistas, em plena Guerra Fria.
Em período mais recente, não podia ser diferente. A política externa mudou porque o país mudou. Foi escolhido, mediante eleições livres, um novo governo que propôs ao país mudanças de paradigmas, tanto no campo das políticas internas, quanto na área da política externa.
Mas não é apenas o país que experimenta câmbios. O Mundo também muda. E muda muito. Nas últimas décadas, por exemplo, o planeta passou por rápidas e profundas mudanças geoestratégicas e geoeconômicas, que conformaram um cenário internacional bastante diferente do que tínhamos no início da década de 1990. Obviamente, uma política externa inteligente precisa adaptar-se a tais mudanças.
Foi exatamente isso que o PT fez. A política externa anterior estava fortemente vinculada aos cânones do neoliberalismo ou paleoliberalismo, modelo que entrou em colapso em quase toda a América do Sul, no início deste século. O país mudou a sua estratégia de desenvolvimento, o que impunha, necessariamente, uma mudança significativa em sua política externa. Além disso, a política externa anterior não se adaptava mais às significativas mudanças geoeconômicas e geoestratégicas que estavam ocorrendo, com celeridade, no início deste século.
Em suma, uma política externa rígida e imutável é, sobretudo, uma política externa ineficiente, incapaz de lidar com as novas realidades internas e externas que se apresentam à nação.
Pois bem, a política externa “ativa e altiva” dos governos do PT, que foi pragmática e muito exitosa, adaptando-se bem ao mundo em mutação, aumentou exponencialmente o protagonismo internacional do Brasil.
Por isso, David Rothkopf, editor da prestigiada revista Foreign Policy, uma das mais importantes sobre relações internacionais em todo o mundo, diz que Lula “fez mais para aumentar o peso do Brasil no cenário mundial do que qualquer presidente do Brasil”. Ele também deu o merecido crédito ao ex-chanceler Celso Amorim – a quem chegou a chamar de “provavelmente o melhor chanceler do mundo”, em um artigo em 2009, pelo papel em transformar o país em um ator de peso no cenário internacional.
Apesar de certo imobilismo recente, deve-se salientar que, no segundo governo Dilma, face ao agravamento da crise e ao colapso do ciclo das commodities, o ministro do MDIC vinha fazendo um grande esforço para redinamizar o comércio internacional do Brasil, que, combinado com o câmbio mais competitivo, já estava apresentando resultados positivos extraordinários.
Resta ver se as mudanças que Serra pretende instituir em nossa política externa poderiam, de fato, atender aos interesses de toda a sociedade, ou se estão destinadas somente a defender interesses de uma pequena minoria, destruindo o grande legado positivo da política externa que tanto aumentou nosso protagonismo mundial.
2. Estaremos atentos à defesa da democracia, das liberdades e dos direitos humanos em qualquer país, em qualquer regime político, em consonância com as obrigações assumidas em tratados internacionais e também em respeito ao princípio de não ingerência.
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Está embutida, nessa segunda diretriz, oura crítica desinformada sobre a política ativa e altiva dos governos do PT.
É que a emergência do Brasil no cenário internacional, propiciada justamente pela política externa adotada nos governos do PT, levou nosso país a se aproximar mais de países em desenvolvimento, alguns dos quais têm regimes que nem sempre agradam as grandes potências, como os EUA.
Assim, o Brasil procurou estreitar suas relações com todos os países, inclusive aqueles que têm problemas em seus regimes políticos, ou que são classificados, por alguns, como “não-democráticos”. Tal aproximação provocou imediatamente as críticas toscas e desinformadas sobre as visitas a “ditadores”, o perigo das “más companhias” e o abandono dos “históricos valores” da nossa diplomacia.
De fato, a recente reaproximação do Brasil à África e ao Oriente Médio, inclusive a países como o Irã, provocou um festival de críticas parvas em nossa imprensa conservadora, as quais apenas reproduzem, em geral, os “argumentos” simplórios do Departamento de Estado norte-americano.
O mesmo acontece quando o país se abstém de votar resoluções que condenam países específicos, normalmente propugnadas por outros países interessados em derrubar regimes que não são de seu agrado.
Na realidade, e ao contrário do que a mídia conservadora propaga, a diplomacia do Estado brasileiro tem uma já longa e notável tradição de apoio aos direitos humanos no cenário internacional.
Essa posição do Brasil fica bem evidenciada nas votações que ocorrem Conselho de Direitos Humanos da ONU, relativas às resoluções que aquela alta instância adota para reforçar a arquitetura internacional dos direitos da pessoa humana. Em 2010, por exemplo, o Brasil, ao contrário de muitos países, votou favoravelmente a todas as 28 resoluções que o Conselho de Direitos Humanos adotou em seu 15º período de sessões. Os EUA, diga-se de passagem, se abstiveram ou votaram contrariamente a todas as resoluções que foram a voto. O mesmo aconteceu em outros anos.
Ademais, devemos destacar que o Brasil é signatário responsável de todos os instrumentos multilaterais e regionais que dizem respeito ao reforço aos direitos humanos e à proteção da democracia e suas instituições.
O Brasil, dessa forma, tem tido participação ativa e positiva em todas as esferas regionais e mundiais que se dedicam à causa universal da afirmação progressiva de todos os direitos humanos, sejam eles políticos, sociais ou econômicos.
Apesar desse firme compromisso com os direitos humanos, o Brasil evita condenações formais a países específicos, que normalmente servem apenas para a promoção de interesses políticos, que nada têm a ver com a promoção efetiva da democracia e com a proteção aos direitos humanos fundamentais.
O Brasil entende, corretamente, que tal “singularização” não contribui para resolver as questões relativas aos direitos humanos, até mesmo porque todos os países têm, em graus variados, problemas relativos à promoção de tais direitos.
A bem da verdade, a posição histórica da diplomacia brasileira tem sido a de evitar as condenações oportunistas, hipócritas e inúteis a certos países que não são do agrado dos EUA e aliados. Assim, o Brasil normalmente se abstém nas votações que visam condenar e isolar nações como Cuba, por exemplo. Tal posição não foi inventada ou introduzida pelos governos Lula e Dilma, como parecem acreditar alguns. É uma posição já tradicional do Estado brasileiro. Para o nosso país, o tema dos direitos humanos é demasiadamente importante para ser usado, de forma oportunista, por interesses políticos específicos.
Por isso, o Brasil prefere apostar na cooperação, na integração e no estrito respeito à soberania dos países, como forma de promover, progressivamente, o aperfeiçoamento das democracias e o reforço contínuo dos direitos humanos em todo o mundo.
Contudo, Serra pode estar sinalizando que, a partir de agora, o Brasil deverá se associar a essas condenações políticas de regimes que não são do agrado dos EUA e aliados, com base numa suposta defesa dos direitos humanos e da democracia.
Isso seria um desastre para o Brasil, que tem uma atitude equilibrada e justa sobre esse tema. Afinal, o que mais há, no mundo, são agressões e violações aos diretos humanos, realizadas com base numa suposta defesa da democracia e seus direitos. As experiências recentes e desastrosas do Iraque, da Líbia e da Síria demonstram isso cabalmente.
3. O Brasil assumirá a especial responsabilidade que lhe cabe em matéria ambiental, como detentor na Amazônia da maior floresta tropical do mundo, de uma das principais reservas de água doce e de biodiversidade do planeta, assim como de matriz energética limpa e renovável, a fim de desempenhar papel proativo e pioneiro nas negociações sobre mudança do clima e desenvolvimento sustentável. Lembro que, se fizermos bem a lição de casa, poderemos receber recursos caudalosos de entidades internacionais interessadas em nos ajudar a preservar as florestas e as reservas de água e biodiversidade do planeta, uma vez que o Brasil faz a diferença nessa matéria.
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Essa é uma diretriz um tanto surpreendente, vinda de Serra, que sempre teve uma cética e crítica em relação ao tema ambiental.
Contudo, não é nova para o Estado brasileiro. Desde o governo Lula que o Brasil assumiu, no plano internacional, uma “especial responsabilidade” quanto ao meio ambiente e às mudanças climáticas.
Na já famosa Conferência de Copenhague, em 2009, todos reconheceram o protagonismo do Brasil em assumir voluntariamente metas ambiciosas de redução das emissões de carbono, na busca de soluções para o grave problema do aquecimento global. Com efeito, o nosso país saiu de uma posição defensiva nesse tema e passou a colocar-se na vanguarda da luta ambiental entre os países emergentes. Para isto, contribuíram muito a redução drástica do desmatamento da Amazônia, a liderança internacional do país na geração de energia limpa e a ampliação considerável das áreas de proteção ambiental.
Esses avanços internos permitiram essa notável mudança de posição do Brasil no cenário internacional. Com efeito, no plano externo o protagonismo brasileiro no tema havia sido marcado historicamente pela defesa da responsabilidade dos países ricos e industrializados sobre as emissões históricas dos gases de efeito-estufa e do direito dos países pobres de crescerem economicamente e superarem as limitações impostas pelo subdesenvolvimento, conforme o conceito de “desenvolvimento sustentável”. Essa postura eminentemente defensiva era, na época, necessária para se contrapor à postura essencialmente neomalthusiana e conservadora dos ambientalistas dos países desenvolvidos, que propugnavam pela redução do crescimento econômico, como única forma de assegurar o equilíbrio ambiental.
Entretanto, na já citada COP-15 de Copenhague, o Brasil saiu dessa posição histórica eminentemente defensiva e levou na bagagem propostas concretas: uma Política Nacional sobre Mudança do Clima, um Fundo para financiar ações de mitigação e adaptação às mudanças climáticas e, ainda mais importante, o compromisso de redução de 36,1% a 38,9% das emissões de gases de efeito-estufa, juntamente com o compromisso de reduzir o desmatamento da Amazônia em 80%.
Mais recentemente, o Brasil teve papel decisivo, liderando países em desenvolvimento, na negociação do Acordo de Paris, concluído na COP-21. Nessa ocasião, o Brasil assumiu novos e ambiciosos compromissos internacionais, como o de restaurar e reflorestar 12 milhões de hectares de florestas, 15 milhões de hectares de pastagens degradadas e promover a integração de cinco milhões de hectares na relação lavoura-pecuária e florestas.
Portanto, nesse ponto, Serra está apenas dizendo que continuará a obra de Lula e Dilma.
4. Na ONU e em todos os foros globais e regionais a que pertence, o governo brasileiro desenvolverá ação construtiva em favor de soluções pacíficas e negociadas para os conflitos internacionais e de uma adequação de suas estruturas às novas realidades e desafios internacionais; ao mesmo tempo em que se empenhará para a superação dos fatores desencadeadores das frequentes crises financeiras e da recente tendência à desaceleração do comércio mundial. O comércio mundial está se contraindo a galope, eu diria.
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Nesse ponto também não há nada de novo. É conhecida a posição tradicional do Brasil pelas soluções pacíficas e negociadas dos conflitos internacionais, diretriz que está prevista em nossa Constituição. Também já é tradicional e conhecida a posição brasileira favorável à adequação das estruturas da ONU, particularmente de seu Conselho de Segurança, às novas realidades e desafios internacionais. Da mesma forma, desde o governo Lula que o Brasil vem se empenhando, no plano internacional, especialmente no G-20, na superação dos fatores desencadeadores das frequentes crises financeiras. Entre os países emergentes, o Brasil é, provavelmente, o que mais se bate por uma arquitetura financeira internacional mais sólida e segura. Além disso, o Brasil está na vanguarda na reformulação da governança dos bancos multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial. Também são amplamente conhecidas as posições do País pela redinamização do comércio mundial e contra os protecionismos não-tarifários, inclusive o cambial.
5. O Brasil não mais restringirá sua liberdade e latitude de iniciativa por uma adesão exclusiva e paralisadora aos esforços multilaterais no âmbito da Organização Mundial do Comércio, como aconteceu desde a década passada, em detrimento dos interesses do país. Não há dúvida de que as negociações multilaterais da OMC são as únicas que poderiam efetivamente corrigir as distorções sistêmicas relevantes, como as que afetam o comércio de produtos agrícolas. Mas essas negociações, infelizmente, não vêm prosperando com a celeridade e a relevância necessárias, e o Brasil, agarrado com exclusividade a elas, manteve-se à margem da multiplicação de acordos bilaterais de livre comércio. O multilateralismo que não aconteceu prejudicou o bilateralismo que aconteceu em todo o mundo. Quase todo mundo investiu nessa multiplicação, menos nós. Precisamos e vamos vencer esse atraso e recuperar oportunidades perdidas.
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6. Por isso mesmo, daremos início, junto com o Ministério da Indústria, Comércio e Serviços, com a cobertura da CAMEX e em intensa consulta com diferentes setores produtivos, a um acelerado processo de negociações comerciais, para abrir mercados para as nossas exportações e criar empregos para os nossos trabalhadores, utilizando pragmaticamente a vantagem do acesso ao nosso grande mercado interno como instrumento de obtenção de concessões negociadas na base da reciprocidade equilibrada. Nada seria mais equivocado, errôneo, nesta fase do desenvolvimento brasileiro, do que fazer concessões sem reciprocidade. Não tem sentido.
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Aqui entra uma novidade: o abandono prático das negociações multilaterais na OMC e uma nova e potencialmente perigosa ênfase em negociações bilaterais, provavelmente sem o Mercosul.
Para o Brasil, as negociações multilaterais na OMC são estratégicas, pois só elas, como diz o próprio Serra, poderiam efetivamente corrigir as distorções sistêmicas relevantes do sistema internacional de comércio, como as que afetam o comércio de produtos agrícolas. Com efeito, só na OMC é que o Brasil conseguiria superar o seu principal empecilho para obter uma maior participação no comércio mundial: a redução dos gigantescos subsídios agrícolas.
Ademais, na OMC a correlação de forças entre países desenvolvidos e em desenvolvimento é mais equilibrada e as decisões só podem ser tomadas por consenso.
Contudo, é falso se afirmar que, nas últimas décadas, o país só apostou na OMC e ficou “paralisado”.
Somente no âmbito da integração regional, particularmente na Aladi, foram firmados, nos últimos tempos, 10 acordos de liberalização comercial, que envolvem, direta ou indiretamente (via Mercosul), interesses econômicos e comerciais do Brasil. Entre eles, destacamos os seguintes: Mercosul-Chile (Acordo de Complementação Econômica- ACE 35), Mercosul-Bolívia (ACE 36), Mercosul-Colômbia-Equador-Venezuela (ACE 59), Mercosul-Peru (ACE 58), ACE 62 (Cuba-Mercosul), ACE 53 (Brasil-México) e ACE 55 (Mercosul-México) Brasil – Guiana (ACE-38), Brasil-Suriname (ACE-41), Brasil-Venezuela (ACE-69).
Esses acordos possibilitaram que toda a América do Sul e o México façam parte de uma grande área de livre comércio com o Mercosul, que estará praticamente completa em 2019. Portanto, a Aladi e o Mercosul já configuraram o livre comércio com todos os países mais importantes da América Latina, inclusive aqueles que fazem parte da Aliança do Pacífico.
Além de todos esses acordos assinados no âmbito da Aladi, o Mercosul também já assinou, fora dessa esfera geoeconômica, 5 acordos de liberalização comercial, a saber: Mercosul/Índia, Mercosul/Israel, Mercosul/SACU (Southern Africa Customs Union- União Aduaneira da África Austral, bloco que envolve África do Sul, Namíbia, Lesoto, Botswana e Suazilândia), Mercosul/Egito, e Mercosul/Palestina.
Estão sendo negociados também os acordos Mercosul-União Europeia, com tratativas em estágio avançado, e Mercosul-Conselho de Cooperação do Golfo (Omã, Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Qatar, Bahrein e Kuwait), que infelizmente está paralisado.
Não há, portanto, falta de iniciativa do Brasil e do MERCOSUL em celebrar acordos de liberalização comercial com outros blocos e países. O que acontece é tais negociações são, em geral, muito complexas, demandando cuidadoso estudo das consequências dessas liberalizações no mercado dos Estados Partes, principalmente quando se trata de livre comércio com economias mais avançadas, configurando um quadro de assimetria pronunciada.
Ademais, muitas vezes as resistências são maiores do outro lado da mesa de negociações. No caso das negociações entre o Mercosul e a União Europeia, por exemplo, o nosso bloco já apresentou recentemente uma ambiciosa proposta, mas, até agora, não recebeu resposta do bloco europeu. Como se sabe, há muitas resistências na União Europeia a abrir aquele mercado aos nossos competitivos produtos agrícolas. O mesmo ocorre nas negociações multilaterais da OMC e em outros foros bilaterais e regionais.
Serra e demais conservadores agem como se o Brasil não tivesse feito nenhum progresso em comércio exterior, ao longo dos governos do PT. Na realidade, foi justamente nesse período que, até recrudescimento da crise internacional, o Brasil mais avançou em seu comércio exterior.
Como se vê, no período considerado, o desempenho do comércio exterior brasileiro foi bem superior ao da média mundial.
Observe-se que, nos primeiros 11 anos deste século, justamente nesse período de suposto de “nefasto isolamento bolivariano”, a participação das exportações brasileiras no comércio mundial cresceu de 0,88% para 1,46%, um aumento de 63%, muito significativo para um período tão curto.
O decréscimo recente nessa participação ocorreu devido essencialmente à crise mundial, bem como à sobrevalorização cambial, mas não em virtude de um isolamento ou de uma paralisia.
Embora turbinado pelo ciclo das commodities, esse desempenho teria sido impossível, sem a política externa que colocou ênfase pragmática nas relações Sul-Sul e nas parcerias com países emergentes, como a China.
É claro que o fim do ciclo das commodities e o recrudescimento da crise mundial impõem uma postura mais agressiva nas negociações comerciais, que já vinha sendo conduzida, com êxito, pelo Ministro Armando Monteiro, mas uma aposta acrítica no bilateralismo comercial acarretaria riscos de monta.
Entre tais riscos, podemos mencionar o de concessões excessivas em negociações assimétricas. Saliente-se que os acordos bilaterais ou regionais que os EUA estão propondo incluem muitas cláusulas extracomerciais, como os dispositivos relativos à abertura do mercado de serviços, à adoção de regras bem mais rigorosas sobre propriedade intelectual, à abertura do mercado de compras governamentais, à criação de privilégios jurídicos para investidores estrangeiros, que poderão a acionar os Estados em arbitragens internacionais, sempre que se sentirem prejudicados por decisões governamentais, à implantação de novas regras trabalhistas e ambientais, etc. Nesse sentido, seria muito difícil, no âmbito de acordos amplos desse tipo, se obter a “reciprocidade equilibrada”.
Mas o risco principal tange à provável implosão do Mercosul, que será comentado na diretriz seguinte.
7. Um dos principais focos de nossa ação diplomática em curto prazo será a parceria com a Argentina, com a qual passamos a compartilhar referências semelhantes para a reorganização da política e da economia. Junto com os demais parceiros, precisamos renovar o Mercosul, para corrigir o que precisa ser corrigido, com o objetivo de fortalecê-lo, antes de mais nada quanto ao próprio livre-comércio entre seus países membros, que ainda deixa a desejar, de promover uma prosperidade compartilhada e continuar a construir pontes, em vez de aprofundar diferenças, em relação à Aliança para o Pacifico, que envolve três países sul-americanos, Chile, Peru e Colômbia, mais o México. Como disse Enrique Iglesias, muito bem observado, não podemos assistir impassíveis à renovação de uma espécie de Tratado de Tordesilhas, que aprofundaria a separação entre o leste e o oeste do continente sul-americano. Em relação ao México, será prioritário aproveitar plenamente o enorme potencial de complementaridade existente entre nossas economias e hoje das nossas visões internacionais.
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Serra nunca escondeu sua ojeriza ao Mercosul, o qual já foi por ele catalogado como “farsa” e “delírio megalomaníaco”, que impediria o Brasil de participar mais no comércio mundial e nas “cadeias globais de valor”.
Em sua visão, o Brasil deveria abandonar a união aduaneira do Mercosul, que obriga os Estados Partes a negociarem acordos extrabloco em conjunto, e a investir num “regionalismo aberto”. Assim, o Mercosul se transformaria em mera área de livre comércio, e outras vertentes importantes do processo de integração, como a da livre circulação de trabalhadores e a da criação de instituições supranacionais, como o Parlasul, perderiam todo o sentido. Sem a união aduaneira, inspirada na experiência da União Europeia, o Mercosul se transformaria numa espécie de Alcasul.
Em conjunto com o novo governo argentino, que tem concepção semelhante, Serra parece disposto a arrastar o bloco para essa estratégia de desconstrução.
Entretanto, essa visão mercocética não tem base empírica. Na realidade, esse bloco é um êxito econômico e comercial, de grande relevância estratégica para o Brasil.
Em 2002, exportávamos somente US$ 4,1 bilhões para o Mercosul. Já em 2013, incluindo a Venezuela no bloco, as nossas exportações saltaram para US$ 32,4 bilhões. Isso significa um fantástico crescimento de 617%, mais de sete vezes mais, em apenas 11 anos. Saliente-se que, no mesmo período, o crescimento das exportações mundiais, conforme os dados da OMC, foi de “apenas” 180%. Ou seja, o crescimento das exportações intrabloco foi, no período mencionado, muito superior ao crescimento das exportações mundiais.
Como se vê, o único bloco, entre os mais significativos, que cresceu mais que o Mercosul, em termos de absorção de exportações brasileiras, foi o do BRICS, graças, evidentemente, às gigantescas importações de commodities da China. O Mercosul e a Aladi (que inclui o Mercosul) vêm em segundo e terceiro lugar, respectivamente. Já para os parceiros tradicionais e mais desenvolvidos, Japão, União Europeia e os EUA, as nossas exportações cresceram somente 279%, 205% e 60,3%, respectivamente.
Entretanto, essa importância do Mercosul para o Brasil fica ainda mais evidente, quando se analisa o saldo comercial acumulado no período.
No período considerado, o Mercosul nos deu um extraordinário saldo positivo de mais de US$ 90 bilhões, sendo que com a Aladi, que o inclui, tivemos um saldo de US$ 137, 2 bilhões. Com outras regiões, tivemos um saldo mais modesto. Observe-se que, se somarmos os saldos dos BRICS, da União Europeia e dos EUA, temos um saldo acumulado de aproximadamente US$ 120 bilhões. Portanto, a Associação Latino-Americana de Integração, cujo principal bloco é o Mercosul, nos deu um saldo positivo superior ao obtido com os EUA, a União Europeia e os BRICS, combinados.
Mas a principal característica de nossos fluxos comerciais com o Mercosul e a Aladi tange ao grande percentual de produtos manufaturados que exportamos para a região. Com efeito, esse dinamismo do Mercosul e da integração regional tem, para o Brasil, uma vantagem qualitativa e estratégica. É que as exportações brasileiras para o bloco são, em mais de 90%, de produtos industrializados, com alto valor agregado. Exportamos para o bloco automóveis, máquinas agrícolas, material de transporte, celulares, etc. Em contraste, no que tange às nossas exportações para a União Europeia, a China e os EUA, os percentuais de manufaturados são de 36%, 5% e 50%, respectivamente. Portanto, o Mercosul compensa, em parte, a nossa balança comercial negativa da indústria.
Caso adotemos essa política de regionalismo aberto, com a implosão da união aduaneira, correríamos o sério risco de perder esse mercado estratégico, pois ele ficaria exposto à concorrência de economias bem mais competitivas, no campo industrial e de serviços.
Quanto à Aliança do Pacífico, um fetiche dos nossos conservadores, é preciso lembrar que o Brasil e o Mercosul já têm livre comércio com todos esses países. Não há nenhum novo Tratado de Tordesilhas na nossa região.
8.Vamos ampliar o intercâmbio com parceiros tradicionais, como a Europa, os Estados Unidos e o Japão. A troca de ofertas entre o Mercosul e a União Europeia será o ponto de partida para avançar na conclusão de um acordo comercial que promova maior expansão de comercio e de investimentos recíprocos, sem prejuízo aos legítimos interesses de diversos setores produtivos brasileiros. Como disse o ministro Mauro, houve a troca de ofertas, nós vamos agora examinar quais são as ofertas da União Europeia. Com os Estados Unidos, nós confiamos em soluções práticas de curto prazo para a remoção de barreiras não-tarifárias, que são, no mundo de hoje, as essenciais. No mundo de hoje não se protege, do ponto de vista comercial, com tarifas. Se protege com barreiras não-tarifárias. Quero dizer que o Brasil nesse sentido é o mais aberto do mundo. Nós não temos nenhuma barreira não-tarifária, ao contrário de todos os outros que se apresentam como campeões do livre comércio. Com os Estados Unidos, confiamos em soluções práticas de curto prazo, eu repito, para a remoção de barreiras não-tarifárias, e de regulação que entorpecem o intercâmbio. Daremos igualmente ênfase às imensas possibilidades de cooperação em energia, meio ambiente, ciência, tecnologia e educação.
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Esse regionalismo aberto seria combinado, na visão de Serra, por uma reaproximação aos “parceiros tradicionais”, como Europa, Estados Unidos e Japão.
Dessa forma, se colocaria baixa ênfase na chamada cooperação Sul-Sul e nas parcerias com países emergentes, para se voltar a colocar renovada ênfase nas parcerias tradicionais. Assim, a diplomacia brasileira poderia voltar ao seu “leito natural”.
Ora, o Brasil, ao longo dos governos do PT, nunca abandonou esses parceiros tradicionais. Apenas diversificou, de modo bastante pragmático, suas parcerias mundiais.
É preciso considerar que, desde meados dos anos 1990, os chamados países emergentes vêm exibindo dinamismo econômico bem superior os dos países desenvolvidos tradicionais. No início dos anos 90, tais países respondiam por somente um terço do comércio internacional. Nos últimos anos, porém, esses países passaram a responder por cerca da metade desse fluxo.
O Brasil aproveitou-se bem, de forma pragmática, dessas mudanças geoeconômicas. No período de 2003 a 2013, as exportações brasileiras para os países em desenvolvimento cresceram fantásticos 515%, ao passo que nossas exportações para os tradicionais parceiros desenvolvidos aumentaram apenas 166%. Quanto aos saldos obtidos, as informações são ainda mais ilustrativas: o saldo acumulado com os países em desenvolvimento, com o Sul geopolítico, foi 9 vezes maior que o obtido com os países desenvolvidos. Esses saldos extraordinários foram de fundamental importância para reverter a vulnerabilidade externa da nossa economia, herdada do período neoliberal.
Surge agora, no entanto, a tese de que, em virtude do arrefecimento do ciclo das commodities, o Brasil deveria reavaliar essa diretriz exitosa de investir na vertente geopolítica Sul-Sul de sua política externa.
Contudo, os dados existentes continuam a recomendar a ênfase nessa diretriz.
O FMI prevê que as economias avançadas, nossos parceiros tradicionais, deverão crescer 2,1% em 2016 e também em 2017, ao passo que as economias emergentes deverão apresentar, mesmo com a crise, um crescimento bem superior: 4,3%, em 2016, e 4,7%, em 2017. Ou seja, as economias emergentes deverão continuar a crescer bem mais, em média, que as economias avançadas.
Isso não significa que o Brasil não deva reinvestir em parcerias tradicionais, mas tem de fazê-lo sem abandonar ou deixar de dar a devida ênfase às novas parcerias com países emergentes, à cooperação Sul-Sul e à integração regional, que ainda podem nos beneficiar muito.
Quanto às “soluções práticas de curto prazo para a remoção de barreiras não-tarifárias” com os EUA, parece pouco provável que isso nos dê algum ganho significativo.
Ao contrário do que acontece no Brasil, nos EUA é o Congresso que tem poder de celebrar tratados comerciais. O legislativo norte-americano apenas delega tal autoridade ao Executivo, mediante a Trade Promotion Authority. Entretanto, essa autorização é condicional. Ela contém uma série de regras bastante abrangentes e rígidas, que extrapolam aspectos meramente comerciais. Ressalte-se que, quando o Brasil, em 2003, fez uma proposta de uma ALCA centrada apenas em temas comerciais e flexível, os EUA rejeitaram, ancorando-se em diretrizes do seu Congresso.
Com toda certeza, os EUA exigirão concessões em outros temas, para retirar suas barreiras não-tarifárias a produtos brasileiros.
9. Será prioritária a relação com parceiros novos na Ásia, em particular a China, este grande fenômeno econômico do século XXI, e a Índia. Estaremos empenhados igualmente em atualizar o intercâmbio com a África, o grande vizinho do outro lado do Atlântico. Não pode esta relação restringir-se a laços fraternos do passado e às correspondências culturais, mas, sobretudo, forjar parcerias concretas no presente e para o futuro. Ao contrário do que se procurou difundir entre nós, a África moderna não pede compaixão, mas espera um efetivo intercâmbio econômico, tecnológico e de investimentos. Nesse sentido, a solidariedade estreita e pragmática para com os países do Sul do planeta terra continuará a ser uma diretriz essencial da diplomacia brasileira. Essa é a estratégia Sul-Sul correta, não a que chegou a ser praticada com finalidades publicitárias, escassos benefícios econômicos e grandes investimentos diplomáticos. É importante ter a noção clara de que os diferentes eixos de relacionamento do Brasil com o mundo não são contraditórios nem excludentes, sobretudo dado o tamanho da nossa nação. Um país do tamanho do Brasil não escolhe ou repele parcerias, busca-as todas com intensidade, inspirado no seu interesse nacional. Vamos também aproveitar as oportunidades oferecidas pelos foros inter-regionais com outros países em desenvolvimento, como por exemplo os BRICS, para acelerar intercâmbios comerciais, investimentos e compartilhamento de experiências. E, com sentido de pragmatismo, daremos atenção aos mecanismos de articulação com a África e com os países árabes.
Comentários
Aqui Serra diz o esperado. Manterá a ênfase nas novas parcerias com a Ásia, particularmente com China e Índia, mas adverte que irá rever ou “atualizar” a nossa relação com a África e a estratégia Sul-Sul como um todo.
Segundo Serra, a “África moderna não pede compaixão, mas espera um efetivo intercâmbio econômico, tecnológico e de investimentos”. E que essa é “a estratégia Sul-Sul correta, não a que chegou a ser praticada com finalidades publicitárias, escassos benefícios econômicos e grandes investimentos diplomáticos”.
Ora, o Brasil nunca baseou sua estratégia Sul-Sul ou sua relação com a África na compaixão. Assim como a China, que investe muito na África, e nos países em desenvolvimento de forma geral, nossa relação com aquele continente sempre foi respeitosa e pragmática, justamente no entendimento de que aquela região tem enorme potencial.
Ao contrário do que o desinformado Serra diz, o Brasil teve grandes benefícios econômicos e diplomáticos com a recente aproximação à África, bem como com a estratégia Sul-Sul como um todo, mediante investimentos bastantes restritos referentes à abertura de novas embaixadas.
A partir de 2003, o Brasil abriu novas representações em 44 países. Em todos eles, houve expansão considerável de nossas exportações.
Assim, nos 18 países africanos em que o Itamaraty abriu novas exportações mais que duplicaram, crescendo de US$ 736 milhões para US$ 1,6 bilhão, entre 2004 e 2014. Com o Caribe, outra região na qual abrimos várias embaixadas, o salto no nosso intercâmbio comercial foi ainda maior, tendo passado de US$ 1,4 bilhão para US$ 6,6 bilhões, entre 2003 e 2014.
Ademais, a nossa corrente de comércio com a África saltou de US$ 4,2 bilhões, no início deste século, para US$ 28 bilhões, em 2013. Não bastasse, o Brasil já tem dezenas de bilhões de dólares investidos na África.
A África é a terra das oportunidades, um continente a ser construído. A China, Índia e outros países sabem disso e investem pesadamente lá, sem se importar com o “custo” das embaixadas. Estão sendo criadas oportunidades imensas em várias áreas: agricultura, construção civil, energia, serviços, mineração etc.
Somente o Programa para o Desenvolvimento de Infraestruturas na África (Pida), da União Africana, prevê investimentos de 68 bilhões de dólares até 2020, e de 360 bilhões de dólares até 2040, para melhorar e unificar as infraestruturas do continente.
Mas, além do ganho econômico-comercial, há também o ganho político-diplomático que não pode ser desprezado.
No caso das embaixadas africanas, houve forte contrapartida: de 17 embaixadas em Brasília em 2002, hoje os países africanos saltaram para 34. Nós dobramos, eles dobraram também.
A abertura de embaixadas pode ser comparada à abertura de estradas: elas criam um novo horizonte de oportunidades a serem exploradas. Normalmente, o adensamento das relações que elas proporcionam, inclusive com o aumento do comércio e dos investimentos, paga, com sobras, os seus custos.
Mas Serra parece querer rever essa vertente exitosa da nossa diplomacia, reduzindo nossa presença na África, no Caribe, na Ásia Central e em outras regiões e fechando embaixadas com a desculpa de reduzir custos e colocar a estratégia Sul-Sul em termos mais “pragmáticos”.
Quanto aos BRICS, é sintomático que Serra mencione China e Índia, mas omita Rússia e África do Sul. Isso pode significar que Serra procurará manter a participação do Brasil no BRICS, em seus aspectos econômicos e comerciais, mas tentará reduzir a ênfase geopolítica do grupo, de interesse maior da Rússia.
10. Nas políticas de comércio exterior, o governo terá sempre presente a advertência que vem da boa análise econômica, apoiada em ampla e sólida consulta com os setores produtivos. É ilusório supor que acordos de livre comércio signifiquem necessariamente a ampliação automática e sustentada das exportações. Só há um fator que garante esse aumento de forma duradoura: o aumento constante da produtividade e da competitividade. Se alguém acha que basta fazer um acordo e abrir, que isso é condição necessária suficiente, está enganado. É preciso investir no aumento constante da competitividade e da produtividade. Daí a ênfase que será dada à redução do custo Brasil, mediante a eliminação das distorções tributárias que encarecem as vendas ao exterior e a ampliação e modernização da infraestrutura por meio de parcerias com o setor privado, nacional e internacional. O custo Brasil hoje é da ordem de 25%, ou seja, uma mercadoria brasileira idêntica a uma mercadoria típica média dos países que são nossos parceiros comerciais, custa, por conta da tributação, dos custos financeiros, dos custos de infraestrutura, dos custos tributários, 25% a mais. Imagine-se o desafio que nós temos por diante. E apenas assumi o ministério, eu me dei conta, conversando com nosso embaixador na China, o Roberto Jaguaribe, do esforço de nossas embaixadas para atrair investimentos nestes setores básicos da economia. O Roberto estava trabalhando inclusive para seduzir os capitais chineses a virem ao Brasil, investir em parceria com o Estado brasileiro nas obras de infraestrutura. Esse esforço será multiplicado, tenho certeza, com sucesso.
Comentários
Além das platitudes sobre a necessidade de aumento constante na competitividade e produtividade e da necessidade de rever distorções tributárias e reduzir custos, chama a atenção o fato de Serra se referir, com tanta ênfase, à atração de investimentos chineses na infraestrutura brasileira, particularmente em obras.
Pode-se perguntar se, ante a extrema fragilização do setor da construção civil do Brasil, ocasionada pela Lava Jato, há alguma estratégia para substituir empresas brasileiras por empresas chinesas, nesse campo importante da nossa economia.
Em suma, foi um começo previsível para uma gestão que estará baseada em visões equivocadas do Brasil, de sua política externa recente e do mundo.