Relatório de 1.300 páginas apontou ex-presidente como autor intelectual e moral do movimento que levou ao 8 de janeiro e indiciou 60 integrantes do núcleo duro do bolsonarismo
Depois de quatro anos de atentados contra a democracia e inúmeros ataques à Constituição, o Brasil finalmente agarrou a chance de um real acerto de contas com sua história.
Iniciada dia 6 de junho, a CPMI dos Atos Golpistas de 8 de janeiro terminou no dia 18 de outubro com a aprovação e entrega do relatório de 1.300 páginas à Procuradoria Geral da República (PGR) e ao Supremo Tribunal Federal (STF). O documento apontou o ex-presidente Bolsonaro como o autor intelectual e moral do movimento golpista e indiciou 60 integrantes do núcleo duro do bolsonarismo.
O ex-presidente foi também acusado de associação criminosa, violência política e abolição violenta do Estado Democrático de Direito. Entre os indiciados, 30 são militares e oito deles, generais.
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Enquanto o presidente Lula viajava pelo mundo para resgatar a diplomacia brasileira, atrair investimentos e recolocar o país no patamar de respeitabilidade obtida em seus dois mandatos anteriores e também com a presidenta Dilma, a bancada de deputados e senadores petistas, junto com outros parlamentares progressistas, atuava com afinco no exame de vasta documentação, provas dos crimes e oitivas dos acusados da tentativa frustrada de ruptura institucional.
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A CPMI teve o grande mérito de expor as vísceras do bolsonarismo e suas nefastas consequências para o país, que sofreu um reiterado, planejado, financiado e orquestrado atentado à democracia protagonizado pelo ex-presidente e companhia.
O Brasil vive agora a expectativa de punição dos culpados pela tentativa de golpe de Estado pois a PGR e o STF têm em mãos um farto e rico documento com provas cabais dos crimes contra a democracia, as instituições e a Constituição.
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Além de Bolsonaro, aparecem na lista de indiciados seus ex-ministros Walter Braga Neto, da Defesa; Augusto Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e Anderson Torres, da Justiça; integrantes do GSI e da Polícia Militar do Distrito Federal; Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária Federal, Luiz Eduardo Ramos, general da reserva do Exército, ex-ministro da Casa Civil, da Secretaria-Geral da Presidência e de Governo; Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, general do Exército, ex-ministro da Defesa; e Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e ajudante de ordens de Bolsonaro; empresários acusados de financiar manifestantes contrários ao resultado das eleições de 2022 e a deputada Carla Zambelli (PL-SP), que intermediou o contato com o hacker que fez tentativa de invasão de urnas eletrônicas, entre outros ilícitos.
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CPMI golpeou o bolsonarismo
Foram horas e horas de depoimentos que comprovaram que as instituições sofreram um dos maiores ataques da história. Mas a democracia brasileira resistiu, as instituições se reergueram e o bolsonarismo sofreu uma grave e profunda derrota política com a CPMI.
Restou ao grupelho seguir gerando fake news para tentar manter alguma base de apoio enquanto os poderes da República fizeram investigações à altura da gravidade dos fatos.
A aprovação do relatório configurou um momento histórico e de cumprimento de dever com a democracia, segundo a presidenta nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR). “Que sejam punidos para que nunca mais sequer pensem em repetir o 8 de janeiro. É assim que a democracia se fortalece”, escreveu Gleisi na rede social X.
Mentores, articuladores e financiadores, civis e militares, foram identificados e responsabilizados pelos seus atos. Os golpistas se perderam nas explicações da minuta do golpe de Estado encontrada na casa de Anderson Torres e do envolvimento do GSI nas ações golpistas que culminaram com os atos antidemocráticos do 8 de janeiro, entre outras tantas estratégias golpistas fracassadas e devidamente identificadas pela CPMI.
Tiro de canhão no pé do bolsonarismo
O que se viu logo após os ataques terroristas em Brasília dia 8 de janeiro foi patético. Deputados bolsonaristas defenderam a instalação da CPMI sob a acusação de que tudo fora armado pelo governo do presidente Lula. Em poucos dias eles perceberam que essa narrativa desastrada resultaria num enorme “tiro de canhão no pé”, segundo o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), e tentaram voltar atrás. Tarde demais.
O país viveu cinco meses de intenso e competente trabalho da CPMI, que contou com o empenho vigoroso dos parlamentares do campo progressista, com destaque para os deputados petistas Rogério Correia (MG), Rubens Jr (MA) e Zeca Dirceu (PR) e senadores Fabiano Contarato (ES) e Rogério Carvalho (SE).
Os congressistas examinaram ações e documentos de uma trama que envolveu nada menos que membros do alto escalão do antigo governo: militares, chefes de forças armadas, policiais, generais, coronéis, tenentes-coronéis, almirantes, ministro da Justiça, chefe da Ajudância de Ordem da Presidência da República, diretor da PRF e o próprio presidente da República. O Brasil presenciou cada um desses personagens sendo responsabilizados por suas ações e omissões criminosas.
CPMI deu passos firmes rumo à elucidação da trama golpista
O primeiro vexame bolsonarista na CPMI do 8 de janeiro coube ao deputado André Fernandes (PL-CE) que num dia incitou e comemorou o ataque aos Três Poderes e, depois, propôs a comissão de inquérito para investigar o crime que ele mesmo estimulou e celebrou. Ele terminou como investigado pelo STF, a pedido do Ministério Público Federal (MPF).
Dia 7 de junho o jornal O Globo revelou que a Polícia Federal encontrou a minuta de um decreto de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e o planejamento de um golpe no celular do coronel Mauro Cid, o faz-tudo de Bolsonaro preso por fraudar cartões de vacinação para ele mesmo e o ex-chefe. Ele também ficou famoso por ter tentado recuperar as joias sauditas retidas na Receita Federal.
Também no celular de Cid foram achadas conversas em que ele discutia o passo a passo de golpe com Ailton Barros, o “01 de Bolsonaro” e o coronel Elcio Franco, envolvido no escândalo da compra superfaturada de vacinas. Franco foi o número dois do ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello e foi ex-assessor do general Braga Neto, ex-chefe da Casa Civil.
À medida que a CPMI avançava, foi ficando claro que o objetivo dos bolsonaristas era tentar espalhar mentiras para, pateticamente, tentar culpar quem, na verdade, foi vítima. Chegaram até pedir a quebra de sigilo telefônico de ministros do governo que nem sequer estavam em Brasília no dia do ataque.
Os golpistas
Em meados de junho a CPMI desvendou, com o depoimento do ex-diretor da PRF, Silvinei Vasques, toda a trama das operações de fiscalização da Polícia Rodoviária no dia do segundo turno intensamente nas rodovias do Nordeste, para dificultar o acesso dos eleitores às urnas. Vasques mentiu e acabou desmascarado pois ficou provado que o Nordeste teve 2.185 fiscalizações e o Sudeste apenas 571.
O senador Marcos do Val entrou na mira do pedido de afastamento da CPMI após ser alvo de mandados de busca e apreensão pela Polícia Federal por ter vazado em suas redes relatório sigiloso da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) sobre a tentativa de golpe em 8 de janeiro. A PF encontrou foi um documento chamado “Forças Armadas como Poder Moderador”, que descreve passo a passo como um golpe poderia ser dado caso Bolsonaro perdesse as eleições.
Do grupo dos acovardados, George Washington se calou. Ele foi apontado por três policiais civis do Distrito Federal ouvidos pela CPI como responsável pela tentativa de explosão do aeroporto de Brasília na véspera do Natal de 2022 junto com Alan Diego dos Santos Rodrigues e Wellington Macedo, ex-assessor da hoje senadora Damares Alves que chefiava o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que se revelou um verdadeiro ninho de terroristas. Todos depuseram e estão na lista de indiciados.
No final de junho a CPI ouviu o coronel da PM do Distrito Federal Jorge Eduardo Naime, um dos presos por suspeita de facilitar os ataques contra os prédios dos Três Poderes. Seu depoimento ajudou a clarear a atuação, no golpe, do ex-ministro da Justiça Anderson Torres a quem Naime era subordinado.
Já o coronel Jean Lawand Júnior conseguiu um habeas corpus para não se incriminar e declarou que pediu Mauro Cid que orientasse Bolsonaro a dispersar golpistas que estavam acampados em frente ao quartel-general do Exército, mas foi desmascarado. Conversas dele com Mauro Cid expuseram que fez exatamente o contrário.
Mês de julho e agosto tiveram oitivas decisivas
No começo de julho, Mauro Cid foi à CPI e se recusou a responder questionamentos dos parlamentares para proteger Bolsonaro, mas a CPI já tinha fartas provas que o conectavam à tentativa de golpe.
O deputado lembrou que, no celular de Cid apreendido pela Polícia Federal, foi encontrada uma minuta golpista de decretação da garantia da lei e da ordem (GLO), de estado de defesa e de estado de sítio para impedir a posse do presidente Lula. E que esse documento estava com a última página encoberta para não mostrar quem o assinaria.
“Rachadinha, joia, vazamento de inquérito sigiloso, lá está Mauro Cid. Milícias digitais, lá está Mauro Cid. Fake news, lá está Mauro Cid. Atos antidemocráticos, lá está Mauro Cid”, listou o deputado Rubens Jr.
No começo de agosto os bolsonaristas continuaram insistindo na vergonhosa tese de que a tentativa de golpe do 8 de janeiro foi culpa do governo Lula e do ministro Flávio Dino que na verdade fez vários pedidos ao governador do Distrito Federal, à PMDF e à Secretaria de Segurança Pública para agir pois segundo a Constituição, é o governo do DF e a PM do DF que devem garantir a segurança e a ordem.
Na sequência foi a vez do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, um dos protagonistas da tentativa de golpe de Estado. Ficou provada sua participação no uso da PRF para impedir eleitores do Nordeste de votar no segundo turno no planejamento de um golpe para anular as eleições após a derrota de Bolsonaro e nos próprios atentados de 8 de janeiro, demolindo a tese da extrema direita de que o governo Lula poderia ser responsabilizado pelos atentados.
Em meados de agosto a CPMI confirmou a movimentação de R$ 8,4 milhões em contas do tenente coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, e transações no valor de R$ 2,3 milhões em contas em que ele era procurador do ex-presidente, valores incompatíveis com o que ele declarou no imposto de renda, uma média de R$ 318 mil reais por ano.
O depoimento do hacker Walter Delgatti evidenciou a participação de Bolsonaro no golpe. Ele se tornou próximo da deputada federal Carla Zambelli durante a campanha presidencial de 2022 e relatou, na CPMI que Bolsonaro pediu pessoalmente que ele cometesse crimes para atacar o sistema eleitoral e a democracia do país e prometeu indulto caso o hacker fosse preso.
No final de agosto, a CPMI constatou que, contaminada ideologicamente, a cúpula da Polícia Militar do Distrito Federal esperava uma insurgência popular que poderia assegurar a permanência de Bolsonaro no poder e, para isso, facilitou as ações terroristas dia 8 de janeiro. Os fatos confirmaram por que sete ex-membros do comando da Polícia Militar do Distrito Federal foram presos.
Outro golpista que se acovardou e ficou calado na oitiva foi o sargento Luis Marcos dos Reis, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que contribuiu pouco e mentiu muito, segundo o deputado Rogério Correia. “Ajudância de ordens virou ajudância de crimes”, afirmou o deputado Rubens Jr.
No último dia do mês de agosto, o depoimento do general G. Dias ajudou a aprofundar investigação sobre ação golpista e as sabotagens na segurança do Palácio do Planalto; desmentiu fake news bolsonaristas e reafirmou que a PMDF não cumpriu seu papel no 8 de janeiro.
Na reta final, general Heleno clareou trama golpista
Em meados de setembro a cabo Marcela Pinno, que quase perdeu a vida no dia dos ataques só ocorreram porque foram permitidas por figuras importantes da Segurança do Distrito Federal, especialmente da cúpula da PM.
O general Gustavo Henrique Dutra depôs e ficou claro que não acabou com o acampamento em frente ao QG do Exército em Brasília porque não quis e, assim, ajudou na estruturação da tentativa de golpe de Estado. Ficou evidente também que o conjunto das Forças Armadas não aderiu ao golpe, mas alguns oficiais, sim. “Terão de ser punidos”, defendeu Rogério Correia.
Na sequência foi a vez do blogueiro Wellington Macedo que também ficou calado mas as provas mostradas pelos parlamentares durante a audiência foram cabais. Além de participar da tentativa de explosão de bomba no aeroporto de Brasília, ele se empenhou na disseminação de fake news e de discursos de ódio contra a esquerda e as instituições democráticas. Promoveu arrecadação de recursos via pix e esteve em quatro eventos golpistas que antecederam o 8 de janeiro.
Antes de setembro acabar, o general Augusto Heleno, conhecido como “mentor” e “sombra” de Bolsonaro compareceu à CPMI e não deixou dúvidas de sua participação na trama golpista. Ele mentiu, tentou desacreditar a delação de Mauro Cid, mas acabou vergonhosamente desmascarado. Desde 2021 ele vinha espalhando a mentira de que o artigo 142 da Constituição permitia que as Forças Armadas atuassem como um poder moderador em caso de crise entre os Três Poderes.
Heleno fazia coro com o jurista Ives Gandra, mentor teórico do golpe e da turba bolsonarista que usou sua reputação para distorcer a lei e disseminar a ideia de que a Constituição preveria a possibilidade de as Forças Armadas serem instrumento de um golpe. Gandra fez críticas constantes ao que chamava de “ativismo judicial” do STF, com base no artigo 142 e seu nome apareceu no celular de Mauro Cid num arquivo sobre planejamento do golpe, cuja inspiração foram documentos do jurista que descreviam como a democracia poderia ser mais uma vez derrubada no país e sobre as situações em que o governo poderia decretar a Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Quinze dias antes do fim da CPMI, os deputados petistas pediram o indiciamento de Bolsonaro e também dos apoiadores e mentores da tentativa de golpe. A essa altura dos trabalhos da Comissão, já era óbvio que os atentados de 8 de janeiro foram resultado de um longo processo golpista e, por isso, a culpa não poderia recair apenas nas pessoas que invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes, mas também sobre que conceberam, estimularam e financiaram a tentativa de golpe, incluindo o ex-presidente.
Após a aprovação do relatório da CPMI do 8 de janeiro no dia 18 de outubro de 2023, um grupo de parlamentares saiu em caminhada do Senado até a Praça dos Três Poderes, num ato simbólico para apresentar o documento à sociedade brasileira.
“Sem anistia para golpista” era o enunciado dos cartazes apresentados pelos parlamentares durante a caminhada.
Assista a série completa “A Cara do Golpe” aqui.
PT Nacional