Representantes de várias entidades que defendem a agroecologia e a produção de alimentos orgânicos afirmaram na Câmara, nesta segunda-feira (16), que o Brasil precisa adotar a transição do atual modelo com uso intensivo de agrotóxicos para o da produção de alimentos saudáveis. O tema foi debatido no plenário da Casa, durante Comissão Geral, com diversos especialistas que se revezaram na defesa de duas propostas antagônicas que tramitam na Câmara: A Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PL 6.670/2016) e o Pacote do Veneno (PL 6.299/2002).
Os defensores da redução do uso de agrotóxicos apontaram que o atual modelo é prejudicial à saúde humana e ao meio ambiente. A representantes da Campanha Permanente Contra o Uso do Agrotóxico e Pela Vida, Juliana Acosta Santorum, informou que apenas entre os anos de 2007 e 2017 foram registradas cerca de 57 mil intoxicações por uso de agrotóxicos no País. “Esse aumento acompanhou o crescimento de 165% no uso de agrotóxicos nos últimos dez anos”, apontou.
O médico toxicologista, Sérgio Graff, explicou que a exposição ou ingestão de alimentos contaminados por agrotóxicos durante muitos anos pode ocasionar até mesmo o desenvolvimento de algum tipo de câncer. “Por exemplo, se uma criança bebe uma dose de agrotóxico ela pode desenvolver um câncer no futuro? Não, mas pode morrer devido a uma intoxicação. Porém, a exposição a longo prazo, mesmo em doses consideradas pequenas pode evoluir para câncer ou outras doenças”, alertou.
Ao também comentar a gravidade do problema a nutricionista e apresentadora de TV, Bela Gil, lembrou que apenas neste ano – desde o início do governo Bolsonaro – quase 300 tipos de agrotóxicos foram liberados no País. O representante da Unisol Brasil (Central de Cooperativas e Empreendimentos Solidários) e presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Leonardo Pinho, explicou que dos 300 novos tipos de veneno, 41% são considerados extremamente tóxicos, e 32% deles são proibidos na União Europeia.
Novo modelo de produção
Favorável a adoção de um novo modelo de produção agrícola no País, Bela Gil, reconheceu que não é possível alterar o sistema de uma só vez. Porém, cobrou a implementação de uma “política séria de estímulo a sistemas sustentáveis de produção agrícola”.
“Não estamos pedindo que isso ocorra do dia para a noite, mas precisamos avançar nesse sentido com incentivo e pesquisa. E Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA) vai nesse sentido”, ressaltou. Na mesma linha, o representante Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Antônio do Valle, disse que a sua entidade reconhece que “a adoção da Agroecologia e a produção orgânica é um processo de médio e longo prazo”, e que depende, além do governo, também da “mudança de consciência de agricultores e também de consumidores”.
A representante do MST, Sandra Cantanhede, ressaltou que a adoção da agroecologia e da produção orgânica é possível. “Essa transição não é uma ideologia, é real. O MST, por exemplo, se tornou o maior produtor de arroz orgânico da América Latina e produz alimentos nesse modelo em todo o País”, observou.
Para a representante do Greenpeace, Marina Lacorte, tanto o exemplo do MST quanto outros no País provam que “é possível implementar a agroecologia, reduzindo cada vez mais o uso de agrotóxicos e produzindo alimentos saudáveis para a população”.
Entrave
O deputado Nilto Tatto (PT-SP), coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, disse que o maior entrave a redução do uso de veneno não são os agricultores, mas sim a indústria química, fabricante dos agrotóxicos. Segundo ele, esse setor é único que lucra com o atual sistema que estimula o uso de veneno na agricultura.
“Por isso, temos que repensar esse modelo construído nos últimos 40 anos, concentrador de terra, da monocultura e uso intensivo de agrotóxicos. Precisamos de distribuição de terra por meio da reforma agrária, de mais recursos para a agricultura familiar diversificar a produção e produzir sem veneno, reduzindo o preço dos produtos orgânicos nas prateleiras dos supermercados”, explicou.
Outro lado
Já em defesa do uso de agrotóxicos e a favor da aprovação do Pacote do Veneno, representantes do atual governo – do ministério da Agricultura e Relações Exteriores – e de entidades ligadas ao agronegócio, repetiram o mesmo mantra de que não é possível a adoção de um novo sistema. Contrários a qualquer inovação, e sem considerar os efeitos nocivos à saúde e ao meio ambiente, para eles o uso do agrotóxico é a forma mais barata de aumentar a produção agrícola no País.
Héber Carvalho