Entidades propõem plano de acolhimento para órfãos da Covid-19

Uma das consequências nefastas causadas pela pandemia é a orfandade precoce. Segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o Brasil já registra cerca de 45 mil crianças e adolescentes que perderam pai, mãe, avós para o coronavírus. Essa devastação familiar causada pelo vírus foi tema de debate na Comissão Externa de Enfrentamento à Covid-19, nesta terça-feira (13).

Durante a audiência pública, os debatedores defenderam como medidas urgentes e necessárias, o fortalecimento dos Centros de Referências de Assistência Social (CRAS), dos Centros de Referências Especializados de Assistência Social (CREAS) e dos Conselhos Tutelares. Eles defenderam também a adoção de um Programa Nacional Especial de Acolhimento Familiar.

“O que nós estamos propondo de imediato? Primeiro, que se evite que ocorra a separação entre as crianças e seus familiares, que seja garantida a elas a convivência familiar e comunitária”, sugeriu Benedito Rodrigues dos Santos, consultor do Unicef Brasil para proteção das crianças e adolescentes.

Para isso, o representante da Unicef defendeu que o Programa Nacional Especial tenha linhas de financiamento que melhorem a política de acolhimento familiar, “para que permita a essas crianças não serem separadas dos seus entes queridos, dos que restaram”.

Benedito Santos disse ainda que, em que pese a importância do programa especial, ele precisa ser incorporado na política pública do município e do estado. Nesse sentido, ele sugeriu que o programa tenha um forte apoio dos Conselhos Tutelares, dos CREAS e dos CRAS, “para que esses órgãos possam garantir a essas crianças o direito de que sejam atendidas não só de imediato, mas que sejam atendidas também na vida delas”.

ECA

Para reforçar seu entendimento, Benedito dos Santos destacou os princípios do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) na proteção para aqueles que perderam seus entes queridos à Covid. Um desses princípios destacados reza que “as crianças não devem ser separadas das suas famílias extensas por motivo de pobreza”.

“É importante proteger os órfãos, mas é importante também fazer com que essa proteção se dê de acordo com as instâncias internacionais, com os princípios estabelecidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente”, destacou o consultor do Unicef.

Planos plurianuais

O consultor do Unicef lembrou que se aproxima o período em que as prefeituras começam a elaborar seus planos plurianuais. Nesse contexto, ele destacou a importância de as prefeituras inserirem a proteção das crianças e adolescentes órfãos da Covid – e todo o seu impacto – no plano plurianual. “Essa resposta ao impacto deve ser mais longa do que esperamos, desafortunadamente”, lamentou.

Pobreza e vulnerabilidade

O advogado e especialista em direitos humanos pela PUC-SP e membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Ariel de Castro Alves relatou que todas as tragédias, ou epidemias ou guerras geram orfandade. E, por isso, segundo ele, é necessário o Estado estar devidamente preparado para atender essas crianças e adolescentes.

“E nós temos que pensar o cenário do Brasil, em que números do próprio Unicef, relatórios da Fundação Abrinq já demonstram que 60% das crianças e adolescentes, das 54 milhões de crianças brasileiras, vivem em situação de pobreza e de miséria, já vivem em vulnerabilidade”, apontou.

Ele citou que com o falecimento de avós, de pais, de mães, de responsáveis, essa vulnerabilidade se amplia, “não só em relação à orfandade efetivamente, porque certamente a grande maioria dessas crianças e adolescentes tem tios, tem avós, tem pessoas que podem acolhê-las”.

“A prioridade precisa ser de manter essas pessoas junto às suas famílias. Essas crianças e adolescentes acolhidos por suas famílias é importante para cumprir o próprio Estatuto da Criança e do Adolescente e a legislação internacional”, argumentou.

Cadastro dos acolhidos

Ariel de Castro salientou que é necessário que o governo federal, através do Ministério da Cidadania e da Secretaria Nacional de Assistência Social possam também fazer um levantamento atualizado sobre os serviços de acolhimento, sobre a quantidade de crianças e adolescentes acolhidos.

Segundo ele, há controvérsia entre os números apresentados pelo Conselho Nacional do Ministério Público e o próprio Conselho Nacional de Justiça, que mantêm um cadastro de acolhidos. “Ao destacar esse tema, vimos que temos aí números imprecisos de acolhidos no Brasil. Alguns números do CNJ mostram que são 35 mil acolhidos em 4.760 serviços de acolhimento de crianças e adolescentes. Outros números dizem que são 47 mil acolhidos, através de pesquisas, de relatórios do Conselho Nacional do Ministério Público”

“Vendo esse cadastro, aparentemente houve até uma diminuição de acolhidos entre o ano passado e este ano. Então, isso também é preocupante. Como essas crianças e adolescentes estão sendo acolhidos, estão sendo protegidos? Porque houve, aparentemente no cadastro do CNJ, uma diminuição de 35 mil para 31 mil crianças e adolescentes acolhidos nos serviços de acolhimento”, apontou.

Óbitos de gestantes

Ao se pronunciar, o representante da ONG Internacional Aldeias Infantis SOS informou que dados da OPAS revelam efeitos devastadores, e que o Brasil tem o maior número absoluto de mortes de grávidas pela Covid-19.

“Nós temos a maior média entre os nove países da América do Sul. Isso é muito grave e nos leva a questionar toda a estrutura que nós temos para dar atendimento às crianças e adolescentes que estão sendo indiretamente ou diretamente afetadas pela pandemia, para que nós possamos encontrar soluções”, afirmou.

Para ele, é preciso encontrar soluções para minimizar esse impacto cada vez maior nas famílias brasileiras. “É triste ter uma percepção como a que estamos tendo. Nós estamos órfãos. O art. 227 da nossa Constituição, do nosso dever como família e como Estado de garantir, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à profissionalização e a tudo aquilo que é essencial para que crianças e adolescentes possam se desenvolver e ter os seus direitos assegurados”.

Políticas públicas

Sérgio Marques disse ainda que para fazer o enfrentamento nos graves problemas é preciso adoção de políticas públicas. Ele contou que o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), está desativado, sem reuniões. “As reuniões ocorreram no ano passado e, mesmo assim, mediante uma decisão judicial”, criticou.

O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente é importantíssimo nessa deliberação de políticas públicas, principalmente numa situação tão emergencial como a que estamos enfrentando em nosso País. Nós precisamos revisitar as nossas políticas públicas, nós precisamos revisitar a tipificação dos nossos serviços, para que eles possam ir ao encontro das necessidades das crianças, dos adolescentes e de suas famílias”, destacou.

Ações

Durante sua fala, o ex-ministro da Saúde, e membro da Comissão, deputado Alexandre Padilha (PT-SP) defendeu a necessidade de iniciativas concretas como a de reunir os projetos de lei apresentados sobre o tema para que a Casa debata e aprove com urgência. O ex-ministro defendeu também a implantação imediata de um programa nacional de acolhimento.

“A primeira questão que eu diria que é fundamental, me coloco à disposição e tenho construído projeto de lei sobre esse tema, de que a gente pudesse aproveitar essa audiência pública, reunir todos os parlamentares, que apresentaram propostas, precisamos ter de imediato um programa nacional de acolhimento a essas crianças, de apoio às famílias, à entidade, às instituições, políticas públicas que possam suportar, aliviar o sofrimento e reconstruir o projeto de vida para essas crianças”, sugeriu Padilha.

Benildes Rodrigues

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