Em silêncio, Bolsonaro mantém fidelidade ao derrotado Trump

A vitória do democrata Joe Biden, anunciada no sábado (7), encerra a era Trump em Washington e levanta dúvidas sobre que postura o governo brasileiro adotará em relação ao novo ocupante da Casa Branca a partir de 2021. A despeito de quase todos os chefes de Estado já terem enviado congratulações ao novo “homem mais poderoso do mundo”, o presidente Jair Bolsonaro demonstra dificuldade em digerir a derrota de seu “amigo e irmão”, e desde sábado mantém silêncio sobre o tema.

O Ministério das Relações Exteriores também não se pronunciou, embora o ministro Ernesto Araújo, que já escreveu artigos dizendo que Trump é o “salvador do Ocidente”, no fim de semana tenha pedido informações a diferentes áreas do Itamaraty para avaliar os impactos de uma administração democrata na política externa brasileira. Diplomatas ouvidos pela Folha de S. Paulo consideraram a requisição de informações tardia mais um sinal de que Ernesto sequer traçou cenários que considerassem a eleição de Biden.

Até o mesmo o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, um dos principais aliados de Trump na arena internacional, parabenizou Biden pela vitória. “Joe, temos um relacionamento pessoal há quase 40 anos, sei que você é um grande amigo de Israel”, escreveu o mandatário no Twitter. Em seguida, fez ainda um agradecimento a Trump “pela amizade que você demonstrou ao Estado de Israel e a mim pessoalmente, por reconhecer Jerusalém e Golã, por enfrentar o Irã, pelos acordos de paz históricos e por levar a aliança americano-israelense a patamares sem precedentes”.

Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff saudaram a vitória do democrata. “O mundo respira aliviado com a vitória de Biden neste momento tão importante em que o povo norte-americano se manifestou contra o trumpismo e tudo o que ele representa, de rejeição de valores humanos, ódio, abandono da vida e agressões contra nossa querida América Latina”, afirmou Lula em seu perfil de Twitter.

Dilma foi na mesma linha: “A vitória de Biden é uma vitória do povo americano, e representa um alento para aqueles, no mundo, que lutam contra a extrema-direita, a intolerância e o ódio”.

Com a derrota de Trump, o desgoverno Bolsonaro perde seu principal aliado internacional, e Bolsonaro perde o líder em quem se espelhava. Agora, terá que lidar com maior pressão por conta de sua política de devastação ambiental e também com o freio na onda nacional-populista mundial puxada por Trump.

O silêncio de Bolsonaro é interpretado como um sinal de que ele ainda não pretende abandonar o trumpismo. O vice-presidente, Hamilton Mourão, afirmou nesta segunda (9) que o presidente irá cumprimentar Biden “na hora certa”, e que deve esperar o final de processo de judicialização do resultado que Trump promete promover.

“Eu julgo que o presidente está aguardando terminar esse imbróglio aí de discussão se tem voto falso, se não tem voto falso, para dar o posicionamento dele. Eu acho que… É óbvio que o presidente na hora certa vai transmitir os cumprimentos do Brasil a quem for eleito”, disse Mourão.

Os presidentes da Rússia, Vladimir Putin, e do México, Andrés Manuel López Obrador, e o líder da China, Xi Jinping, três países com relações intensas com os Estados Unidos, também não cumprimentaram o presidente eleito norte-americano. Nos três casos, no entanto, os governos reconheceram o processo eleitoral e informaram que aguardarão o final de todos os procedimentos.

O comportamento de Trump diante do resultado divulgado pela mídia é o que mais influência Bolsonaro a manter o silêncio. O agora ex-chefe da Casa Branca não admite que perdeu as eleições e já prometeu acionar a Suprema Corte dos Estados Unidos e o Judiciário de alguns estados para que a apuração dos votos seja refeita. Nas redes sociais, Trump continua contestando a eleição, mesmo sem apresentar provas.

Dessa forma, Bolsonaro vai esperar ou o veredito da Justiça americana ou que o republicano aceite o triunfo de Biden para se posicionar. Trump não deu sinais de que pretende fazê-lo tão cedo. E não existe nos Estados Unidos um órgão central de apuração que consolide votos. O anúncio oficial é feito depois da apuração dos votos do Colégio Eleitoral, apenas no início de janeiro.

Mourão foi questionado sobre se essa demora não coloca o Brasil em uma posição difícil frente a uma nova administração com quem o presidente já começa com problemas. Desde o início do processo Bolsonaro deixou clara sua torcida por Trump, em um movimento pouco usual nas relações internacionais.

“Não julgo que corra risco. Acho que vamos aguardar, né? É uma questão prudente. Acho que essa semana define as questões que estão pendentes e aí a coisa volta ao normal e a gente se prepara para o novo relacionamento que tem que ser estabelecido.”

Freio de arrumação

O fato de Biden ter anunciado que em seu primeiro dia na Casa Branca pedirá o reingresso dos Estados Unidos ao Acordo de Paris indica que a política ambiental e o combate às mudanças climáticas, nas quais a Amazônia desempenha um papel fundamental, são prioridades para a próxima presidência. Este compromisso é uma má notícia para o desgoverno Bolsonaro porque se prevê que aumente notavelmente a pressão para que interrompa de modo decisivo o crescente desmatamento na maior floresta tropical do mundo.

“A política para o meio ambiente será a prioridade de Biden em política externa e também estará ligada à política comercial”, alertou Christopher Garman, diretor para as Américas da consultoria de riscos Eurasia, em entrevista ao ‘ El País’.

O desdém de Bolsonaro por tudo relacionado à preservação do meio ambiente já afeta o Brasil em termos diplomáticos e políticos, mas sua tolerância com as críticas continua baixa. Quando o candidato democrata se referiu em um debate eleitoral com Trump à necessidade de o mundo se envolver na missão de preservar a Amazônia, Bolsonaro reagiu com fúria: “Lamentável, Senhor Biden”, disse ele, para lembrar em letras maiúsculas no Twitter que “nossa soberania é inegociável”.

Sem Trump na Casa Branca, o Brasil também terá que se equilibrar ainda mais na relação com a China, seu principal parceiro comercial depois de Washington. A última diatribe sinofóbica de Bolsonaro, a respeito da vacina do laboratório chinês Sinovac contra a Covid-19, desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan, azedou a relação bilateral. Mas, segundo adverte o analista da Eurásia, com uma relação mais fria com os Estados Unidos, o custo da belicosidade com a China aumenta para Brasil.

O fato de o republicano não ter conseguido se reeleger é também um forte golpe para a onda nacional-populista mundial da qual o magnata é o grande símbolo e que também levou Bolsonaro ao poder há dois anos. Com a perda dos Estados Unidos, os amigos internacionais do brasileiro ficam reduzidos a um elenco em que se destacam Israel, Polônia e Hungria.

Proximidade pessoal com Trump “foi um erro”

Ex-ministro das Relações Exteriores (2003-2011) e da Defesa (2011-2015) nas gestões de Lula e Dilma, Celso Amorim prevê que o isolamento internacional do Brasil, “que já era enorme”, deve aumentar com a chegada de Biden à presidência. O alinhamento “servil” de Bolsonaro a Trump, com a recusa em parabenizar Biden, impede que o Brasil possa ser visto como um interlocutor preferencial dos norte-americanos na região.

“Os Estados Unidos não vão romper relações com o Brasil. Não vão desprezar o mercado brasileiro. Mas tudo aquilo que depender de boa vontade do governo norte-americano, não se pode contar com ela”, afirmou Amorim, em entrevista ao programa ‘Revista Brasil TVT’, no domingo (8).

Amorim afirmou que a “submissão total” do governo brasileiro a Trump trouxe “grande prejuízo” para o Brasil. Como exemplo, ele citou o estremecimento das relações do Brasil com a China. Além disso, nos organismos internacionais, o Brasil se afastou dos países em desenvolvimento, preferindo atuar como “cão de guarda” dos interesses norte-americanos.

Ele prevê que o governo Biden deve privilegiar mais o multilateralismo e o diálogo nas relações com os outros países, na comparação com Trump. Na América Latina, o ex-chanceler acredita que, num primeiro momento, é “improvável” que a nova administração adote postura menos intervencionista na região.

“Estamos assistindo a um movimento e a um momento de recuperação das forças progressistas da América Latina. Primeiro foi a Argentina, depois a Bolívia. E também o plebiscito no Chile. Tudo isso prevê que seja menos provável uma intervenção norte-americana, no sentido de apoiar um golpe. Pelo menos, não agora”, detalhou.

A eleição de Biden não apenas reforçaria o isolamento internacional, como deve provocar mudanças, inclusive, nas políticas internas do governo brasileiro, segundo Amorim. Contudo, Amorim disse ser contra eventuais ameaças de retaliação por parte do governo norte-americano. Esse tipo de posição, de acordo com o ex-ministro, ajudaria a reforçar uma postura “pseudonacionalista” de Bolsonaro.

Embaixador do Brasil em Washington entre 2004 e 2007, durante o governo Lula, Roberto Abdenur também acredita que o isolamento do Brasil deverá aumentar. Ele disse não ver como o país possa se mover de maneira a tornar administráveis as várias dificuldades que surgem com o novo governo norte-americano.

“O Brasil está mais isolado do que nunca. E está claro a essa altura que a diplomacia brasileira não será capaz de promover as mudanças de postura que agora se tornam essenciais nessa atmosfera política internacional com a eleição de Biden, porque nossa política externa, baseada em fantasias, visões conspiratórias, maniqueísmos, rejeição ao multilateralismo, está firmemente enraizada na ideologia de extrema direta do Bolsonarismo”, disse o embaixador em entrevista à ‘ BBC News Brasil’.

Abdenur avalia que a importância política do Brasil na América Latina, apesar do desgoverno Bolsonaro, levará os Estados Unidos a buscar algum apoio brasileiro no contexto da confrontação estratégia com a China, que continuará com Biden, “embora de maneira mais hábil, mais equilibrada, mais serena”.

“Um requisito essencial de qualquer política externa é não ser movida por considerações e preferências ideológicas e menos ainda por idiossincrasias pessoais de seus líderes, como é o caso da relação de admiração, submissão e subserviência que Bolsonaro estabeleceu com Trump”, concluiu.

Nas palavras do ex-embaixador americano em Brasília Thomas Shannon a eleição de Biden deixa a relação com o Brasil “em posição delicada”. Em entrevista à ‘BBC News Brasil’, ele disse que “foi um erro” Bolsonaro basear a relação bilateral com os Estados Unidos na sua proximidade pessoal com Donald Trump.

“O presidente Bolsonaro tem um parceiro estratégico importante (EUA) onde ele está mal posicionado politicamente. É triste, porque as relações entre Brasil e Estados Unidos são importantes demais para o Brasil encontrar-se nessa posição”, lamentou Shannon.

Segundo o ex-embaixador, problemas poderão ser evitados “com diplomacia”. “Historicamente, o Brasil e os Estados Unidos desenvolveram um diálogo ambiental positivo e eu acho que isso é possível, mas muito vai depender do Brasil e a maneira como eles querem apresentar o tema ambiental, a maneira como eles mostram um desejo e uma capacidade de cooperar globalmente, multilateralmente na área de meio ambiente”, ressaltou.

Shannon é considerado uma das maiores autoridades americanas em América Latina: além de embaixador em Brasília de 2010 a 2013, atuou como diplomata na Guatemala e na Venezuela e encerrou sua carreira pública em 2018 como subsecretário de Estado para Assuntos Políticos dos Estados Unidos. Atualmente, atua como assessor sênior de política externa no escritório de arbitragem internacional Arnold & Porter, em Washington. Um dos clientes da empresa é o autoproclamado presidente venezuelano Juan Guaidó.

Da Agência PT de Notícias

 

Está gostando do conteúdo? Compartilhe!

Postagens recentes

CADASTRE-SE PARA RECEBER MAIS INFORMAÇÕES DO PT NA CÂMARA

Veja Também

Jaya9

Mostbet

MCW

Jeetwin

Babu88

Nagad88

Betvisa

Marvelbet

Baji999

Jeetbuzz

Mostplay

Melbet

Betjili

Six6s

Krikya

Glory Casino

Betjee

Jita Ace

Crickex

Winbdt

PBC88

R777

Jitawin

Khela88

Bhaggo

jaya9

mcw

jeetwin

nagad88

betvisa

marvelbet

baji999

jeetbuzz

crickex

https://smoke.pl/wp-includes/depo10/

Depo 10 Bonus 10

Slot Bet 100

Depo 10 Bonus 10

Garansi Kekalahan 100