“Eles não sabem governar, o país era respeitado e hoje está avacalhado”

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua nesta quarta-feira (23) sua caravana Lula pelo Brasil, agora em Alagoas. Lula entrou no terceiro estado nordestino de seu roteiro, depois de passar pela Bahia e Sergipe. Ainda na terça-feira, pela manhã, reuniu-se com militantes da Frente Brasil Popular em Aracaju para fazer um balanço da viagem e organizar os próximos momentos. Ao deixar a capital sergipana em direção ao estado vizinho ao norte, fez uma pausa para conversar com moradores do assentamento Sindicalista Maria Lindaura, do MST, no município de Japoatã. Dali seguiu para Santana do São Francisco, à margem do rio famoso, que atravessaria numa embarcação para Penedo, na outra margem, já em Alagoas.

No município de 60 mil habitantes, a 160 quilômetros de Maceió, era aguardado por uma pequena multidão e foi recebido por uma diversidade de anfitriões: desde índios, quilombolas e camponeses humildes às principais lideranças políticas locais, como o senador Renan Calheiros e seu herdeiro, o governador Renan Filho, ambos do PMDB. Sem constrangimento por ter conduzido o processo de impeachment de Dilma Rousseff no Senado – e no qual votou “sim” –, Renan elogiou Lula como “homem do povo” e condenou o “governo de agora” pelo desastre econômico, os cortes em programas sociais e a forma desastrosa como conduz as reformas.

A Renan Filho bastou elogiar o petista, e dar sinais de amizade para 2018. “O Nordeste e Alagoas são muito gratos ao senhor, não só olhando para o que vai acontecer, e vai acontecer muita coisa, mas por tudo que já fez por nós”, disse, conforme relataram jornais, sempre pouco preocupados em descrever os demais encontros do ex-presidente.

Entre esses encontros, ainda na agenda de Aracaju, um com o cacique Bá, líder do povo Xocó, única etnia indígena a viver em Sergipe, formada por cerca de 350 habitantes, na reserva da Ilha São Pedro, município de Porto da Folha, a 190 quilômetros da capital. A comunidade possui acesso a ensino fundamental e médio e integrantes da tribo formados em Pedagogia e Enfermagem e áreas como Engenharia.

“Tivemos dois bons momentos na vida. O primeiro foi a conquista da terra (em 1993). O segundo foi quando o presidente Lula assumiu, porque o Xocó saiu da miséria, não faltou pão, não faltou casa, não faltou estudo. E hoje está havendo um retrocesso, está voltando à ditadura”, resumiu o cacique. “Ele vindo a Sergipe mostra que pode voltar, e a democracia também, e isso é esperança para todos os pobres deste país.” Seu povo dançou para Lula, e Lula dançou com eles.

Maria da Conceição dos Santos, 65 anos, moradora em terra quilombola de Brejão dos Negros, foi exibir sua arte ancestral, com apresentação do grupo de maracatu de sua comunidade. E queria ver de perto pela primeira vez o que considera o responsável por dar às mulheres o controle do “dinheirinho” do Bolsa Família.

O cardápio de cultura, energia e religiosidade se completou com uma celebração afro e a oferta de proteção pela mãe de santo. Anfitriã de todas as horas, a vice-prefeita Eliane de Aquino, viúva do ex-governador Marcelo Déda, esteve o tempo todo com a caravana.

O ex-presidente recebeu de uma jovem recém-formada em Administração de Empresas uma simbólica devolução de um cartão de Bolsa Família do qual não precisa mais. Iva Mayara, que ficou grávida aos 13 anos, criou a filha hoje com 11 e o caçula com 2, disse que o benefício foi providencial para ajudar a manter a família e ainda conseguir estudar, se formar e entrar num empreendimento do Minha Casa, Minha Vida. Agora, é cadastradora do Bolsa Família no bairro onde mora. “É uma forma de retribuir o que fizeram por mim”, disse Mayra.

O palco do Iate Clube de Aracaju foi também ponto de encontro com médicos recém-formados, que demonstraram gratidão levando “prendas típicas”, como estetoscópios, jalecos e… diplomas. “O único agradecimento que eu quero deles é que eles não virem médicos mercenários. E que eles devolvam o aprendizado que tiveram por conta do Estado brasileiro para dar atendimento aos mais pobres”, disse Lula.

A chegada em Penedo iniciou, pela travessia do Rio São Francisco, a etapa alagoana. Com o atraso, e o prolongamento da estada, a caravana, a pedido de Lula, acabou se hospedando por ali mesmo em vez de seguir para Arapiraca, como estava previsto. A partida para o segundo maior município de Alagoas, no Agreste, com 230 mil habitantes e a 130 quilômetros de Maceió, ficou para a manhã desta quarta. Lá Lula recebe pela Universidade Estadual de Alagoas (Uneal), graças à coragem do reitor Jairo José Campos da Costa, mais um título de Doutor Honoris Causa, às 10h. O ato político da despedida do estado está marcado para 18h em Maceió.

O agricultor Roque Paes de Farias, 65 anos, não achou ruim que a comitiva perdera a pressa. Presidente de uma associação de agricultores familiares associada à Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Roque se deslocou da pequena Piaçabucu, litoral sul do estado, para estar na maratona. Seu pedaço de terra, junto com 14 famílias, conseguiu por meio de uma linha de crédito fundiário subsidiado, o Banco da Terra (Fundo de Terras e da Reforma Agrária). A construção de sua nova casa, também subsidiada, pelo Programa Nacional de Habitacional Rural – obteve um crédito de R$ 28,5 mil e devolverá R$ 1.240 em quatro anos –, está prestes a ficar pronta.

“Tudo programa da época de Lula e Dilma”, acentua, descrevendo com orgulho as tarefas de criar vacas, galinhas e plantar alimentos que serão destinados a merenda escolar. “Sou de Venturosa (PE), a 30 quilômetros da terra de Lula, e sabia que ele ia ganhar a primeira vez; e sei que ele vai ganhar de novo. Ninguém fez pelo pobre o que ele fez. E não foi só pelo pobre poder comprar um carro, uma moto. Hoje eu tenho neto formado.”

Entre afagos, agradecimentos e muitas manifestações de esperança e fé na política, Lula achou espaço também para a subir o tom contra o governo Temer. Criticou com veemência a ideia de privatização do sistema Eletrobras – coisa de “marido que não trabalha e sai vendendo as coisas da casa” – as políticas de cortes, as ameaças sobre direitos previdenciários e trabalhistas. “Quero saber por que os 22 milhões de empregos que criamos hoje são 14 milhões de desempregados. Quero saber porque querem cobrar a crise de quem tem aposentadoria rural, se aposentadoria rural custa menos do que os R$ 14 bilhões que ele gastou para se fixar no poder”, disse. “Eles não sabem governar, o país era respeitado e hoje está avacalhado. E não querem que eu seja candidato. Mas se eu puder ser eu vou ser, para mostrar a eles como se governa”.
PT no Senado

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