Doutoras em Saúde afirmam que não existem estudos científicos sérios que apontem eficácia do tratamento precoce contra Covid

Especialistas em Saúde de duas renomadas instituições de ensino de medicina no País – da Universidade de Campinas (Unicamp) e da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (Famerp) – afirmaram em audiência pública, nesta sexta-feira (7), que não existem evidências científicas sérias que comprovem a eficácia do propagado “tratamento precoce” contra a Covid-19. Durante a reunião realizada pela Comissão de Seguridade Social e Família, as professoras doutoras de medicina Ilka Boin (Unicamp) e Lígia Nigro Maia (Famerp), desmistificaram supostos benefícios de medicamentos como cloroquina e ivermectina no combate ao vírus. O deputado Alexandre Padilha (PT-SP) também participou da audiência e criticou o uso do “kit Covid”.

Deputado Alexandre Padilha. Foto: Gustavo Sales//Câmara dos Deputados

Durante a reunião, seis médicos convidados pelo autor do requerimento, deputado Giovani Cherini (PL-RS), ferrenho defensor do “tratamento precoce”, apoiaram o uso da cloroquina e da ivermectina para prevenir e curar pacientes com Covid. Eles até mesmo apontaram “estudos científicos” e supostos “casos de sucesso” para justificar o uso dos medicamentos nos casos de Covid.

Segundo a professora e doutora Lígia Nigro Maia, esses estudos não observam os mínimos critérios técnicos para serem considerados confiáveis. Segundo ela, desde o início da pandemia já surgiram cerca de 400 mil estudos publicados sobre a Covid. “A maioria deles são estudos experimentais e não randomizados (estudo experimental, desenvolvido em seres humanos e que visa o conhecimento do efeito de intervenções em saúde). Nesse processo, 90% desses estudos são de baixa qualidade ou sem nenhuma aplicação prática”, incluindo entre esses os que defendem a cloroquina e a ivermectina no tratamento para a Covid.

Ainda de acordo com a especialista, a maioria desses estudos são “preprints” – pré-impressos em português – que nunca passaram por revisão de outros cientistas para verificar a autenticidade de dados e dos casos clínicos reportados. “Esses estudos não contêm evidências científicas sólidas, e por isso não podem ser levados a sério”, explicou.

Especificamente sobre o uso da cloroquina, a professora e doutora Ilka Boin destacou que foram publicadas mais de 7 mil publicações, e destas, apenas 83 tem alguma base científica. “E muitos desses estudos foram abortados depois que se verificou que a cloroquina não tinha eficiência no combate à Covid”, observou. Em relação à ivermectina, a professora da Famerp ressaltou que o número de estudos publicados é “pequeno e de baixa qualidade”.

A professora da Unicamp rebateu ainda argumento de médicos defensores do “tratamento precoce” de que o uso, por exemplo, da ivermectina, teria derrubado o número de mortes na África. “A própria Organização Mundial de Saúde (OMS) já afirmou que existe muita subnotificação de casos de Covid e falta de testes na África. Porém, no caso da África se observa que a distância entre cidades, tribos, e a baixa frequência de voos pode também ter contribuído para um menor número de óbitos”, esclareceu.

Ineficácia do tratamento precoce

Como exemplo prático da ineficiência do “tratamento precoce”, a professora de medicina da Famerp, que também atua como médica especialista na área de transplante hepático, disse que perdeu 6 pacientes que tomaram o chamado “kit Covid”, que inclui cloroquina e ivermectina. “Verificamos que esses pacientes que chegaram ao hospital com Covid, tiveram seu grau inflamatório exacerbado pelo uso contínuo desses medicamentos”, alertou.

Sem argumentos para se contrapor à inexistência de estudos científicos sérios que comprovem a eficácia do “tratamento precoce”, alguns médicos chegaram a dizer que as doutoras precisavam “estudar mais” e “obter mais conhecimento” sobre os “estudos e tratamentos de sucesso” realizados no Brasil com o uso da cloroquina e da ivermectina. Também insinuaram que médicos que criticam o “tratamento precoce” estão deixando pacientes com Covid morrerem em vão.

O deputado Alexandre Padilha recriminou a atitude dos defensores do tal “tratamento precoce”. “Não se pode fazer acusações a pessoas que questionam (o uso da cloroquina e da ivermectina contra a Covid) porque elas seguem a ciência, ao dizer que elas precisam ler e estudar mais. Isso é desrespeitoso e não leva a nada. Esse é o mesmo comportamento daqueles que diziam que a Covid era uma “gripezinha”, “que não era grave”, “que a pandemia havia acabado” e que a “imunidade de rebanho iria controlar a pandemia”. Esses fracassaram em seus diagnósticos”, afirmou o petista ao lembrar frases já ditas pelo presidente Bolsonaro e seus apoiadores.

Dinheiro público gasto com “tratamento precoce” é crime

O parlamentar alertou ainda que, além de ineficaz no tratamento pré ou pós contágio por Covid, o Congresso Nacional também deve estar atento ao desperdício de recursos públicos na compra desses medicamentos.

“O que eu questiono é o Ministério da Saúde, um governo de Estado ou uma prefeitura gastar dinheiro público, dos impostos do povo, para comprar medicamentos sem eficácia científica comprovada. O Congresso Nacional já aprovou uma lei, em 2011, na época em que eu era ministro da Saúde, que estabelece o monitoramento da medicação comprada para abastecer o SUS, e diz que, qualquer ministério ou órgão público precisa cumprir as normas da lei, sob pena de cometer ato ilegal e alguém ter que responder por isso”, alertou Padilha.

Héber Carvalho

 

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